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10 de julho de 2011

Do fundo do Baú: Brilho Eterno de uma mente sem lembranças



"Abençoados sejam os esquecidos, pois tiram o melhor proveito de seus equívocos."
Nietsche
Joel Barish (Jim Carrey) é um homem introspectivo que tenta passar despercebido pela vida, evitando problemas e fazendo de tudo para que sua rotina não se altere. Quando ele conhece a imprevisível Clementine Kruczynski (Kate Winslet) em uma festa promovida por um amigo, e logo se apaixona por ela, ele percebe que as coisas começam a mudar no seu dia a dia, e nem sempre para o lado bom.
De naturezas bem distintas, os dois passam a morar juntos, e depois de um tempo a inquieta moça começa a se sentir presa ao relacionamento e é quando o namoro começa a ruir. Após muitas tentativas de fazer com que o relacionamento funcione sem sucesso, Clementine se desilude definitivamente e decide participar de um tratamento experimental para apagar Joel para sempre da sua vida, literalmente.


O procedimento criado pelo Dr. Howard Mierzwiak (Tom Wilkinson) detecta a influência das memórias a serem deletadas no cérebro criando um mapa, e a partir de então as vai apagando gradativamente, fazendo a pessoa passar por tudo novamente internamente no processo. Quando Joel reencontra Clementine sem que ela o reconheça, ele descobre que ela o deletou da sua vida através do procedimento e cai em depressão por não conseguir aceitar que a moça que ele ama, apesar de tudo, tenha feito mesmo aquilo.
Frustrado e inconformado, Joel decide procurar a mesma clínica para também apagar as memórias de seu relacionamento com Clementine, mas diferente dela, no meio do processo, ao revisitar os momentos felizes que ambos viveram, ele desiste de apagá-la e começa a encaixar Clementine em momentos de sua memória os quais ela não participa, como suas frustrações da infância e da adolescência, na tentativa de mantê-la viva.



Quando Joel decide apagar Clementine de sua mente ele está magoado e age por impulso, exatamente como ela costumava fazer durante o namoro. Durante a “lavagem cerebral”, vivendo novamente dentro de sua cabeça todos os momentos ao lado dela, Joel percebe que a mágoa não é maior que o amor que ele sente por Clementine, e que os momentos bons superam os maus. Seu desespero em tentar guardar certas lembranças, tentando deixá-las vivas em seu cérebro o faz viver cenas surreais, e uma verdadeira luta é travada contra Stan (Mark Ruffalo), o responsável pelo procedimento, Patrick (Elijah Wood), o assistente de Stan que se aproveita da fragilidade de Clementine para conquistá-la e do próprio Dr. Mierzwiak, que é chamado quando as ações de Joel fazem com que o experimento comece a apresentar inconstância.

Brilho eterno de uma mente sem lembranças é um filme reflexivo, que nos faz repensar a maneira como às vezes conduzimos um relacionamento a ferro e fogo. Na história Clementine, impulsiva decide apagar todos os momentos com Joel sem nem questionar se alguma coisa valeu à pena, e na vida real é o que invariavelmente acontece. Quantos casais se separam pela falta de paciência em compreender as ações do outro, ou por não ter o mínimo de discernimento para descobrir o que está dando errado, dar uma chance para que o erro seja corrigido e continuar em frente aproveitando a parte boa? O ponto final é sempre inserido precocemente, de forma que uma das partes nunca está preparada, como é o caso de Joel no filme, que ainda é apaixonado por Clementine e que não vê outra alternativa senão igualmente apagá-la de sua via definitivamente, evitando o sofrimento com o qual ele não pode conviver. Quantas pessoas por aí não adotariam esse procedimento se ele existisse de verdade? Quantas pessoas não apagariam o ex ou a ex da sua lembrança apenas pela covardia de não aceitar que foi abandonado ou pela covardia de não enxergar que houveram momentos felizes, e que eles não precisam ser deletados só porque houveram momentos ruins também?


No roteiro escrito por Charlie Kaufman e brilhantemente dirigido por Michel Gondry, cabe vários momentos em que os personagens principais divergem sobre um assunto ou outro até por sua natureza ser completamente diferente uma da outra, mas também fica claro a forma como um completa o outro em sua existência, provando que os opostos realmente se atraem. Em seu egoísmo, Clementine prefere esquecer Joel em vez de aceitar que ele faz parte de seu crescimento pessoal, o relacionamento tendo dado certo ou não, mas é ele quem acaba salvando a relação de ambos quando mesmo após o procedimento, um acaba voltando à vida do outro e ele prova a ela que a aceita do jeito que ela é no diálogo a seguir:
Joel: "Espere."Clementine: "O quê?"Joel: "Não sei, só espere. Quero que espere... Um pouco..."
...
Clementine: "Tá."Joel: "Mesmo?"Clementine: "Não sou um conceito, sou só uma garota ferrada procurando paz de espírito... Não sou perfeita!"Joel: "Não vejo nada que não goste em você."Clementine: "Mas verá!"Joel: "Agora eu não vejo!"Clementine: "Eu vou ficar entediada e me sentir presa... Pois é isso que acontece comigo."Joel: "Tudo bem! "

Embora o sofrimento de um fim de relacionamento possa levar uma pessoa a uma crise existencial (em geral apenas para uma das partes envolvidas) é preciso enxergar além e tentar preservar o que funcionou e guardar como lembrança, mesmo que isso pareça impossível, às vezes. Já o que não funcionou deve ser usado como lição para um novo relacionamento futuro e tentar se fazer tudo diferente para que não haja mais sofrimento.
Brilho Eterno de uma mente sem lembranças ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original em 2005, e Kate Winslet concorreu na categoria de melhor atriz por sua atuação no filme.
Todos os demais atores, em especial, claro, Jim Carrey, estão muito inspirados em cena, mesmo os coadjuvantes como Kirsten Dunst (que vive Mary, a assistente do Dr. Mierzwiak) e Mark Ruffalo e Elijah Wood. A sintonia de Carrey e Winslet como casal funciona na tela, e o amor dos dois se torna algo crível para o espectador, uma vez que o eterno comediante se vale bem menos de seus trejeitos e caretas para o papel de Joel, devido a densidade e profundidade do drama.


Eu tinha visto a fita pela primeira vez há muito tempo, mas só depois de revisto é que ele foi fazer sentido em minha vida, uma vez que foi fácil hoje em dia me colocar no lugar de Joel.
Não é fácil aceitar que você faz parte de uma memória apagada de uma pessoa pela qual você tanto estima, mas na vida tudo serve de lição e de estímulo para um amadurecimento. Se na realidade não acontecem tantos finais felizes quanto na ficção, podemos esperar pelo menos por momentos igualmente felizes, e esses podem sim acontecer com grande intensidade.

"Feliz é a inocente vestal! Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Toda prece é ouvida, toda graça se alcança".
Alexander Pope

NAMASTE!

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