A série Smallville (“Somebody saaaaaave meee!”) me deixou um
gosto amargo na boca “no que se refere a questão” de séries televisivas que
envolvem personagens de quadrinhos, e até a ótima adaptação de The Walking Dead
pela FOX e de Arrow pela CW, eu continuava acreditando que nada decente poderia
ser criado para a TV com base nas HQs. Sim, eu era aquele tipo de fã chato que
não se conformava que se alterasse uma linha de roteiro sequer da obra
original, por isso nunca fui com a cara de Smallville que mostrou (em 10
TEMPORADAS!!!) o passado de Clark Kent antes de se tornar (oficialmente) o
Superman.
Sim.
Antes dele colocar a cueca vermelha por cima da calça, ele já
tinha saído no braço com o Brainiac, com o Apocalypse e até com o Darkseid, sem
falar que já tinha encontrado a Liga da Justiça quase que inteira, já tinha
viajado para Metrópolis, encontrado a Lois Lane e trabalhado no Planeta Diário.
Porra! Não dava pra levar essa merda a sério.
Quando soltaram a sinopse da série Gotham e eu li que o
programa iria abordar a juventude do detetive James Gordon em uma Gotham City
atolada até as tampas na criminalidade, mas que mais do que isso, iria também
mostrar o passado da galeria de vilões do Batman ANTES de Bruce Wayne sequer
receber a visita de um morcego na sala de casa, uma trilha sonora me veio à
cabeça:
“SOMEBODY SAAAAAAAVE ME!”
Parecia ali que uma tremenda ideia de jerico estava se
estabelecendo, e que iriam repetir o mesmo erro cometido em Smallville desta
vez com Gotham e o Batman: Antecipar tudo que acontece na vida inteira de um
personagem no futuro em seu passado.
Bastaram alguns episódios de Gotham, no entanto, para que eu
entendesse que não é possível “adolescentizar” o universo sombrio do Batman com
a mesma facilidade com que isso aconteceu com o “Superboy” de Smallville. O
Batman é por concepção um personagem urbano com o pé mais fincado na realidade,
e todo seu universo é calcado no submundo de uma cidade extremamente corrupta,
onde seus moradores estão acostumados a conviver com a máfia, o crime e a
podridão social. Todos esses ingredientes formam um enredo muito bom para uma
série de TV, e é exatamente nisso que Gotham aposta em seus primeiros
episódios, deixando a mística do Homem Morcego e seus arqui-inimigos
fantasiados um pouco de lado enquanto mergulha mais fundo no mundo do homem (no
caso, a figura de James Gordon, vivido por Ben McKenzie) que busca trazer um
senso moral para um lugar onde ele é considerado obsoleto.
Na série Gotham, James Gordon já é um oficial da Polícia
(DPCG) quando os filantropos Thomas e Martha Wayne são assassinados no Beco do
Crime por uma figura encapuzada cujo rosto só é visto por Selina Kyle (Camren
Bicondova), uma adolescente que mora nas ruas fugindo de orfanato em orfanato.
A
cena antológica da morte dos pais do jovem Bruce (David Mazouz) já foi repetida
à exaustão no cinema, mas nem a versão de Tim Burton e nem a de Christopher Nolan
(essa, aliás, a mais sem emoção de todas) conseguiu retratar o sofrimento do
menino que perdeu os pais de forma tão brutal de um jeito tão convincente, o que
rendeu bons pontos positivos para a série logo de cara. Depois do crime, James
Gordon entra em cena junto do parceiro Harvey Bullock (Donal Logue) para tentar
desvendar a identidade do assassino do casal mais proeminente da cidade, em
promessa feita ao chocado Bruce Wayne, que é levado para casa pelo fiel mordomo
da família Wayne Alfred (Sean Pertwee).
Nos primeiros episódios um suspeito do crime já é desvendado
após uma investigação que leva Gordon e Bullock até o colar de pérolas roubado de
Martha Wayne no dia do crime. As pistas se aquecem quando eles chegam ao
ex-presidiário Mario Pepper e ele reage ante a acusação de ser o assassino do
casal Wayne. Num rápido vislumbre, é revelado que, apesar de NÃO SER o
verdadeiro assassino e sim parte de um plano bem engendrado pela máfia local de
encontrar logo um culpado pela morte dos filantropos e calar a Polícia, Pepper
é o pai da pequena Ivy, que mais tarde viria a ser conhecida como a sedutora
Hera Venenosa.
Quando percebe, James Gordon já está bem no meio da guerra particular entre dois dos mais poderosos chefes do crime de Gotham, Carmine Falcone (John Doman) e Sal Maroni (David Zayas), e graças às conexões de seu parceiro Bullock, também na mira da perigosa Fish Mooney (Jada Pinkett Smith), o braço direito do velho Falcone. Após um ardil muito bem montado por Falcone, Gordon se vê obrigado a eliminar um dos dedos-duro do time de Mooney se quiser se manter vivo, e o policial tem que forjar a morte do ambicioso Oswald Cobblepot (Robin Lord Taylor), já que seu código de honra imutável o impede de matá-lo de verdade. Achando que assim ganhou a alma e a cooperação do último policial honesto de Gotham, Falcone dá por encerrada as buscas pelo verdadeiro assassino de Thomas e Martha Wayne, fazendo com que Gordon o tenha que fazer nas sombras, longe dos olhos até mesmo de seu parceiro Bullock.
De forma bem competente Gotham nos mostra que Jim Gordon
está sozinho nadando num mar de tubarões famintos que irão devorá-lo a qualquer
movimento falso que ele der, e essa sensação de estarmos andando na mesma corda
bamba que Gordon é o principal atrativo da série, enquanto vamos percebendo o
quanto aquela cidade PRECISA de um Batman. Se de um lado percebemos que toda a
força policial come nas mãos de Falcone e que o submundo do crime consegue agir
de forma tão pomposa e atrevida à luz do dia, por outro, vemos Gordon lutando
para manter seus ideais enquanto tudo a sua volta afunda na lama. Com o peso da
suposta morte de Cobblepot nas costas, ele começa a ser investigado pelos
representantes da UCE (Unidade de Crimes Especiais) Renee Montoya (Victoria
Cartagena) e Crispus Allen (Andrew Stewart-Jones), que acreditam que, assim como
boa parte da força policial, Gordon também esconde esqueletos no armário.
Para manter a sanidade, James conta com o apoio da jovem
namorada Barbara Kean (Erin Richards) que vê o companheiro mudar ao passo que
seu trabalho começa a interferir na relação entre os dois. Sem saber de
imediato o que James foi obrigado a fazer para se livrar das garras de Carmine Falcone, Barbara começa
a ser instigada por Renee Montoya, com quem teve um caso anteriormente, a
desconfiar de James, uma vez que as evidências começam a apontar que ele
eliminou mesmo o capanga de Fish Mooney. Não sei bem se um relacionamento entre
Montoya, que nas HQs é declaradamente homossexual, e a esposa de James Gordon
chegou a ser sugerido, mas confesso que isso meio que foi uma surpresa para
mim, considerando que nunca tinha ouvido falar em nada parecido. Seja como for,
esse amor antigo acabou apimentando as coisas, já que Montoya começa a tomar
certas atitudes contra Gordon mais movida pelos sentimentos do que apenas pela razão.
Diferente da minha opinião inicial que era calcada
COMPLETAMENTE por um PREconceito em que eu a havia estabelecido, eu tenho
gostado de Gotham. Alguns escritores já haviam tentado nos mostrar o universo
do Batman sem que ele participasse ativamente (Gotham City contra o Crime
escrita por Ed Brubaker, por exemplo), e embora vejamos os vilões do Morcego como o Victor Zsasz (Anthony Carrigan) e
às vezes características deles, como o Veneno que fortalece o vilão Bane, já
pipocando na tela em suas versões sem-fantasia, a série trata tudo de uma forma
bem adulta, sem escapismos baratos para apenas citar um ou outro personagem. Há
uma trama correndo solta, e o foco continua sendo em James Gordon, que a meu ver,
nunca foi um personagem lá dos mais interessantes, funcionando mesmo apenas
como um coadjuvante que liga o batsinal e se esconde atrás da asa do morcego quando o bicho pega.
Os personagens coadjuvantes, por falar neles, também têm
seus atrativos, e para ajudar nas investigações dos crimes que abundam em
Gotham, Gordon e Bullock contam com o engraçado detetive forense Edward Nygma (Cory Michael
Smith) que sempre tem uma “charada” na ponta da língua, embora ninguém o deixe completá-las.
O nerd frustrado que é vidrado na arquivista da DPCG já mostra talento com
relação ao futuro mestre do crime que ele virá a ser dentro do colante verde
com a interrogação no peito, e embora esteja do lado da lei nessa primeira
temporada, já é possível perceber as razões que o levarão a atravessar a linha maniqueista entre o certo e o errado.
Nenhum futuro vilão do Batman brilha mais nessa série, no
entanto, que o Pinguim. Sim. O Pinguim, o vilão mais idiota do Homem Morcego
que só conseguiu ser minimamente interessante UMA ÚNICA VEZ na vida, na pele de Danny
DeVitto em Batman O Retorno, de Tim Burton. O ator Robin Lord Taylor dá vida a uma
das melhores caracterizações de Oswald Cobblepot que já se viu em outra mídia
diferente das HQs (o que não é assim tão difícil!) e sem nadadeiras,
deformações ou qualquer outra das bizarrices insanas de Tim Burton, ele
consegue nos convencer de que pode sim ser um bom personagem, agindo
onde ele se dá melhor, no mundo das intrigas e disse-me-disse. O papel do
Pinguim é justamente esse, o de causar o maior número de intrigas possível
entre as duas maiores famílias criminosas da cidade, e sua forma de agir nos
mostra que o que ele quer mesmo é ver o circo pegar fogo e reconstruí-lo à sua
imagem das cinzas. Com trejeitos meio afeminados e por vezes desajeitados,
Pinguim é o verdadeiro maestro por trás do que acontece entre a rivalidade de
Falcone e Maroni, e pelo visto ele será um personagem ainda mais importante até
o fim da série.
É complicado se acostumar a ver Gotham City sem a sombra do
Batman pairando sobre ela, e às vezes dá certa ansiedade em vermos logo o
fedelho chatinho Bruce Wayne saindo pra treinar e enfim se tornar o Cavaleiro
das Trevas. Por ora a série vem cumprindo seu papel de entreter a
audiência e não sentimos tanto a falta do Homem Morcego. Enquanto as sementes da luta pela justiça vão sendo incutidas na
mente do jovem Wayne, auxiliado por Alfred, nos contentamos em ver a luta de
James Gordon para tornar sua cidade menos corrupta. Só não sei se iremos
esperar muitas temporadas de uma série do Batman SEM o Batman. Essa brincadeira talvez canse.
NOTA: 8,0 por enquanto.
Ps.: Sou só eu ou mais alguém percebeu a semelhança entre a jovem Camren Bicondova que interpreta a Selina Kyle de Gotham e a atriz Michele Pfeiffer que interpretou a Mulher Gato em Batman O Retorno?
Ps. 2: E não é estranho que o ator que interpreta o Pinguim se chame "Robin"?
NAMASTE!
Pra falar a verdade, gostei de Gotham até o 3º/4º episódio. Daí, ficou próximo a "L Word"; e não se pq mas, todo relacionamento televiso, agora, obrigatoriamente, tem alguma conotação homossexual no meio. Toda Hora o diretor da séria fica inserindo lembranças de que o homem-morcego surgirá, até que parecendo que não quer que as pessoas se esqueçam que ele está tratando do universo do Batman. O Gordon, tem horas que me dá pena, ilhado em tanto problema, que não sei como ele não estoura ou descarrega em alguém (ele é mais "ilha" que o próprio Bruce Wayne, mas, sem Alfred por perto).
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