Páginas

31 de agosto de 2019

Crítica – Era Uma vez em Hollywood


Em 1969 o autointitulado “guru” Charles Manson protagonizou um dos capítulos mais aterrorizantes de Hollywood ao encomendar o assassinato da atriz Sharon Tate e seus amigos em uma residência da Cielo Drive. Atrás de uma fama que não conseguia e com a ideia fixa de que ele era a reencarnação de Jesus Cristo, Manson e seus seguidores iniciaram uma cruzada racista e preconceituosa em Los Angeles, cidade para o qual ele se mudou em busca de seu sonho de se tornar um músico tão bem-sucedido quanto John Lennon, seu ídolo. Rejeitado por vários produtores musicais devido a qualidade duvidosa de sua “obra”, o guru com suas alucinações decidiu se vingar, o que acabou levando seu bando ao endereço na Califórnia, onde Sharon Tate morava com o marido cineasta Roman Polanski

Tate havia participado de diversos filmes como “Olho do Diabo” (1966), “A Dança dos Vampiros” (1967) e “O Vale das Bonecas” (1968), e estava grávida de oito meses quando foi brutalmente esfaqueada e morta em sua casa. Levou-se muito tempo para que as investigações da Polícia ligassem o crime chocante a Manson e a seu culto, mas ele e seu bando (em sua maioria mulheres) foram levados à justiça. Os hippies seguidores de Manson moravam no Rancho Spahn e se alimentavam de restos das lixeiras enquanto perambulavam pela cidade em busca de mais seguidores para a seita. O Rancho anteriormente era usado como set de gravação de filmes de faroeste, e quando foi abandonado, serviu perfeitamente para os planos de Charles de aterrorizar Hollywood.

Essa é a realidade dos fatos.

Era Uma Vez em... Hollywood é uma história fictícia que insere os personagens Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt) em meio aos acontecimentos reais do trágico ano de 1969, mas não deixa de prestar uma homenagem à indústria cinematográfica norte-americana da época. 

No final da década de 60 os filmes de faroeste em preto e branco começavam a dar lugar a outros gêneros como comédias e espionagem, e o enredo principal é focado em Rick Dalton, um ator cuja carreira está em franca decadência enquanto ele envelhece e não consegue mais papeis de destaque. Ao lado do inseparável amigo Cliff, que é seu dublê e “faz-tudo” na casa onde ele mora em Cielo Drive, Dalton conhece o produtor Marvin Schwarz (Al Pacino) que o faz enxergar que sua carreira como vilão de bang-bang está perto do fim em Hollywood, e que seu destino é mesmo estrelar os "faroestes spaghetti" na Itália. 


Apesar de abalado com a possibilidade de ter que se mudar para salvar a carreira, Dalton continua cumprindo seus compromissos com os seriados de TV americanos em papeis menores, enquanto Cliff, ex-boina verde e acusado de ter assassinado a própria esposa, está em busca de emprego. A casa onde Dalton mora é vizinha da de Sharon Tate (Margot Robbie) e Polanski (Rafal Zawierucha) na Cielo Drive, mas não há interação entre os personagens quase até o final do filme, o que causa uma certa apreensão no espectador que conhece a história trágica do casal.


O ritmo que Quentin Tarantino impõe a seu nono filme (lembrando que ele diz que vai se aposentar depois do décimo!) é levemente diferente dos outros, o que denota um amadurecimento em sua forma de contar uma história. O roteiro de Era Uma Vez... é nitidamente uma homenagem ao cinema que ele cresceu assistindo – Tarantino nasceu em 1963 – e além das projeções que são exibidas o tempo todo, seja na tela do cinema visitado por Sharon Tate ou nas telinhas da TV, as cenas exalam Western e todo aquele clima glamouroso que gira em torno de Hollywood, algo que Charles Manson e seu bando tentaram perverter.


Apesar disso, esse novo ritmo imposto pelo diretor é bem lento e causa uma certa ansiedade, já que temos uma ideia do que ele quer contar, mas não vemos nem sombra disso na linha principal do roteiro. 

Damon Herriman e Al Pacino
Nós vemos Charles Manson - vivido pelo ator Damon Herriman e em dose dupla, porque o ator faz o mesmo papel na segunda temporada de Mindhunter - uma única vez nos portões da Cielo Drive, depois ele é citado muitas vezes já no Rancho Spahn, quando Cliff dá uma carona para “Pussycat” (Margaret Qualley), nós vemos os hippies da seita de Manson perambulando para lá e para cá, nós vemos Sharon Tate aproveitando sua quase-fama e curtindo com os amigos (inclusive dentro da Mansão da Playboy), e nós somos distraídos pelas desventuras de Dalton e Booth enquanto isso. Por duas looongas horas.

É como se estivéssemos esperando o tempo todo o desfecho do filme, esquecendo de curtir os pormenores, marca indelével de Tarantino atrás das câmeras. Todos os detalhes estão lá: Close em pés femininos (paixão do diretor), silêncios onde podemos apreciar as expressões de um ator em sua atuação, as músicas muito bem encaixadas (e subitamente interrompidas também), muitas cenas a bordo de veículos, onde pegamos uma carona com o motorista no banco de trás, e claro, violência desenfreada!


O elenco de Era Uma Vez em... Hollywood é bem extenso e variado. As figurinhas carimbadas nos filmes de Tarantino estão lá novamente, como Michael Madsen, Zoë Bell (a dublê de Uma Thurman em Kill Bill) e Kurt Russel fazendo papeis menores, mas o roteiro dá espaço para todos eles. O veterano Bruce Dern brilha como o frágil e cego George Spahn, dono do Rancho e antigo conhecido de Booth nos tempos de dublê; Emile Hirsch vive Jay Sebring, o melhor amigo do casal Polanski (que na história real acaba sendo assassinado com Sharon); Ganha destaque ainda a ex-atriz-mirim Dakota Fanning como Lynette, a amante de George Spahn, Damian Lewis como Steve McQueen e Maya Hawke (a Robin da terceira temporada de Stranger Things), filha de Uma Thurman e Ethan Hawke, que faz uma das hippies que moram no Rancho (especificamente a que diz que esqueceu a faca no carro e se manda!).

Emile Hirsch e Dakota Fanning

Quem rouba mesmo a cena, atuando ao lado de Leonardo DiCaprio, enquanto seu personagem aguarda para filmar a série de TV que co-protagoniza, é a pequena Julia Butters de 10 anos. Com um diálogo firme e consistente, ela impressiona, dando vida a uma jovem atriz-mirim que não gosta de sair do personagem enquanto está no set. As cenas em que ela e DiCaprio atuam juntos chegam a ser engraçadas, e a pequena dá conta do recado, entregando muito bem seu texto. Metalinguagem pura... Uma atriz mirim que interpreta uma atriz-mirim que não gosta de sair do personagem... Vixe!
Julia Butters em cena com DiCaprio

Outro destaque do filme é a atriz Margaret Qualley que com sua Pussycat, uma das ripongas juvenis de Manson, não se envergonha em se insinuar para Cliff, que a leva até o Rancho no carro de seu amigo e chefe. Vale lembrar que a personagem de Qualley representa a liberdade sexual que a comunidade de Manson pregava, onde todos transavam com todos em Spahn enquanto bebiam e se drogavam, e isso acabou sendo comprovado nos depoimentos reais dados pelas representantes da seita de Manson quando estas foram presas pelo assassinato de Sharon Tate. 


Não devo ser o único espectador que sai de casa para ver o novo filme de Quentin Tarantino independente da história ou de quem está protagonizando, mas por se tratar de um roteiro fictício que se passa em meio a fatos, tem certos elementos que esperamos que aconteça na tela e é aí que o diretor de 56 anos surpreende, levando o enredo para um caminho completamente inesperado. Lembra o que aconteceu com Hitler ao final de Bastardos Inglórios (2009)? É mais ou menos por aí que a coisa anda em Era Uma Vez em... Hollywood, e isso não enfraquece o filme, que como o próprio título insinua, é um faz de conta

Tarantino prova que ainda está em forma depois de algumas décadas por trás das câmeras. A sequência final da invasão dos hippies ao endereço da Cielo Drive e tudo que acontece entre eles e os personagens de Pitt e DiCaprio chega a ser revigorante, premiando o espectador por ter esperado todo aquele tempo pelo rompante de violência tão característico na filmografia do diretor. 

Enquanto os personagens fictícios ganham até certa relevância com o roteiro, falta mais profundidade à Sharon Tate de Margot Robbie. 

Ela passa um ar de inocência e doçura com sua interpretação – Tirando ainda o fato de que Robbie é linda que dói – mas a personagem mais parece um bibelô de luxo no filme do que alguém realmente importante e profundo. 

Uma das críticas ao filme, aliás, é a forma superficial com que Tarantino (que também escreve a história) trata as mulheres no filme, a famosa “objetificação feminina” (com closes em bundas e pernas). Para quem conhece o estilo “tarantinesco”, porém, não é uma grande surpresa e não chega a ofender. Vale lembrar que o cara deu não só um, mas DOIS filmes dedicados a uma das personagens femininas mais badass motherfucker do cinema: Beatrix Kiddo de Kill Bill. E isso fala por si próprio sobre a superficialidade de suas personagens femininas. 


Só lamentei não ter tantas referências cinematográficas para curtir plenamente as homenagens que Tarantino faz ao longo de Era Uma Vez... Além dos filmes, muitos atores, atrizes e diretores são lembrados, e a relação de elenco mostra muitos “easter-eggs” desse tipo, dos quais deixei passar muitos. 
Uma das sequências que mais me empolgaram no trailer foi a que Brad Pitt enfrenta o próprio Bruce Lee (interpretado por Mike Moh), mas no filme serve apenas como uma piada em que Cliff Booth se imagina de volta ao set de filmagens, caindo na porrada com Lee e VENCENDO! Toda a forma arrogante com que Lee é representado no filme parece bem desrespeitoso, e isso repercutiu negativamente com os familiares do ator chinês e seus amigos. 

Em meus devaneios, por algum instante vendo esse trailer outrora, eu achei que Tarantino tinha usado imagens reais de Bruce Lee e inserido Brad Pitt na cena, mais ou menos como aconteceu em Forrest Gump, onde Tom Hanks acaba colocado em vários momentos famosos da história americana... Mas não foi bem assim que aconteceu.

Perto de Os Oito Odiados (filme que caracterizo como o mais fraco da carreira de Tarantino), Era Uma Vez em... Hollywood é uma obra de arte. Tem alguns problemas de ritmo, cria expectativas que não são saciadas, demora para engrenar, mas entrega um enredo muito bom de ser assistido e apreciado, no melhor estilo Quentin Tarantino, que continua sendo para poucos.

NOTA: 8,5

Há muito tempo numa galáxia muito, muito distante eu escrevi sobre Django - Livre aqui:


Kill Bill (Vol. 1 e Vol. 2) aqui:


E um Top 10 Trilha Sonora de Tarantino aqui:


P.S.  - Pela primeira vez NA VIDA Brad Pitt está começando a aparentar a idade que tem, e a carinha de neném característica já não consegue mais ser vista embaixo das rugas que abundam em seu rosto... Mas olha o físico desse filho da mãe! O cara tem 55 anos com corpinho de 25. É muita humilhação para nós pobres mortais! 


NAMASTE!

3 comentários:

  1. Jura que a ruiva era a Dakota Fanning???? Rsrsrs

    Como eu disse quando terminou o filme, tem cenas boas, embora meiop mas claro que o mestre ia pegar os pormenores para escrever um excelente post!

    PS: o Di Caprio parece mais velho que o Brad Pitt!

    ResponderExcluir
  2. Adorei. As cenas dos pezinhos são lindas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pés em close é a grande tara do Tarantino em todos os filmes!

      Excluir