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5 de maio de 2021

Adeus a Paulo Gustavo



Vou começar o post com uma frase clichê que sempre é dita quando um humorista se vai, mas que representa exatamente o momento atual: hoje o Brasil ficou mais triste com a passagem de Paulo Gustavo.

É muito complicado tentar exprimir em palavras o que a gente sente quando alguém tão popular, que de certa maneira faz parte da nossa vida, se vai e é preciso ter um poder muito raro de concisão para colocar num texto tudo que acaba saindo no calor do momento, por isso, eu nem vou tentar. Vou falar aqui com o coração mesmo, desprovido de coesão, razão ou qualquer poder de síntese. Vai ser no improviso.

Eu conheci o Paulo Gustavo, até meio tardiamente, já no palco do Vai que Cola  humorístico do canal Multishow —, vários anos depois dele já ter despontado com suas peças teatrais de sucesso e os filmes estrelados no cinema nacional. Eu chegava do trabalho mais ou menos por volta das 20:00, às vezes mais tarde, tomava um banho, esquentava alguma coisa pra comer e ia pra frente da TV assistir ao programa basicamente todos os dias da semana. Em pouco tempo, virou um vício na casa da minha mãe e a gente ria muito assistindo os improvisos e a “trocação” que o ator fazia “ao vivo” com os colegas de humor Samantha Schmütz, Marcus Majella e — na época da 1ª temporada — Fernando Caruso. Aliás, por mais que o texto do sitcom brasileiro fosse realmente engraçado e a direção de cena muito competente, eram mesmo as falas fora do script que davam o verdadeiro tom da atração. Era impossível não cair no riso.



Fazia muito tempo que eu não assistia TV e menos ainda programas ditos humorísticos com aquela coisa mais quadrada cheia de bordões ensaiados como “A Praça é Nossa” ou o antigo “Zorra Total”. Eu já não achava mais graça de coisas assim e nem perdia meu tempo vendo. O Vai que Cola e em especial o humor “bagaceiro” do Paulo Gustavo é que me fez gostar novamente de atrações assim e ele com seus personagens caricatos e exagerados nos fazia rir genuinamente, sem aquela forçada — o sorrisinho amarelo — que às vezes nos permitimos só para não admitir que estamos é constrangidos pelas piadas sem graça. E nem estou falando do Valdomiro, o personagem pilantra que Paulo interpretava no sitcom desde a primeira temporada, aquele que adorava falar mal do bairro do Méier do Rio de Janeiro — onde se passava a história — de sacanagem. Como ele mesmo costumava brincar com o amigo Majella — e esse diálogo aparece até no primeiro filme baseado no programa — os dois não sabiam interpretar personagens héteros. O grande talento de Paulo estava mesmo em fazer graça na pele de mulheres ou gays rasgadíssimos, algo no qual ele era insuperável.

A gente nem mede o sucesso de Paulo Gustavo ou sua importância para o mundo do humor por ele fazer a nossa geração rir, mas sim dele ter uma capacidade impressionante de atingir as nossas mães, as nossas avós, um público mais antigo que não está acostumado ou mesmo faz esforço para entender que homossexuais existem e merecem tanto espaço quanto qualquer outra pessoa, seja de qual orientação for. A gente que teve tempo de se informar mais, de procurar entender o outro com empatia vê em Paulo Gustavo — homossexual assumido desde sempre — apenas um cara engraçadíssimo que tem uma facilidade fenomenal de causar risos falando de sexualidade, mas nossos pais são da época em que “viado”, “sapatão” ou qualquer outro apelido mais pejorativo eram comuns e que “esse tipo de gente” não deveria ter tanto espaço. Em rede nacional, quase no horário nobre, Paulo Gustavo foi lá e fez as nossas mães rirem com piadas sobre sexualidade, com shows de drags e muita “pinta”, coisas impensáveis há vinte, talvez trinta anos.     

Minha mãe já disse frases como “eu não vejo nenhuma graça nesse novo Zorra”, quando o programa tentou uma abordagem menos machista, menos homofóbica e fazendo um humor mais consciente nas noites de sábado da Globo. Ela dava risada vendo o Didi chamar o Mussum de “urubu” na época dos Trapalhões, gostava de quadros como “dá uma subidinha” — cheio de sexismo — protagonizados no Zorra Total pelo também saudoso Agildo Ribeiro e odeia programas como Casseta & Planeta e o humor mais atual de atores como Marcelo Adnet, Tatá Werneck ou Rodrigo Sant'Anna. Ah, mas do Paulo Gustavo ela gostava. E muito! Eu ouvi da boca dela que o Vai que Cola só tinha graça quando tinha o Valdomiro e que quando ele saiu lá pela terceira ou quarta temporada, sei lá, segundo ela, o humorístico tinha perdido a graça.



A catarse e a entrega total pelo talento do humorista de 42 anos veio mesmo com seu papel essencial da carreira e quando eu coloquei para passar Minha Mãe é uma Peça para a MINHA mãe assistir, não tinha mais como negar ao vê-la gargalhar em frente à TV: Paulo Gustavo tinha mesmo o poder de reunir várias gerações com sua interpretação PERFEITA da matriarca ciumenta, desbocada e barraqueira, mas que tinha em sua essência aquele coração enorme que a gente identificava também em nossas mães. Há um pouquinho da Dona Hermínia na minha mãe e tenho certeza que quem está lendo esse texto vai balançar a cabeça nesse momento, concordando com o que digo e pensando “na minha também! ”. O talento de se entregar tanto ao seu trabalho ao ponto de abraçar virtualmente inúmeras pessoas de credos, culturas e orientações diferentes é raríssimo. Talvez eu tenha visto em alguma figura do esporte, da política ou mesmo de outras áreas da TV que não a das artes cênicas, mas nesse ramo do humor jamais.

O dublador e ator Guilherme Briggs sintetizou esse pensamento de maneira muito lúcida em sua conta do Twitter e eu não teria maneira de incorporar em meu texto sem usar suas palavras exatas, por isso farei um quote direto do que ele disse:

“O objetivo do artista é dar mais do que aquilo que tem. E assim fez o amado Paulo Gustavo, que se doou de tal forma, com tanto amor e intensidade, com tanta entrega e desenvoltura, que agora ele se transferiu de corpo e alma para dentro do coração do Brasil, para sempre. ❤”

E é isso! É uma tristeza muito grande ver um artista com um talento tão grande ser levado dessa maneira tão brutal por uma doença que já arrastou com ela mais de 400 mil vidas e que pasmem, já tem uma vacina. Enquanto choramos a morte de Paulo Gustavo, mais outras 400 mil famílias também choram por seus entes queridos, pais, mães, avós, irmãos, namoradas e tias, todos levados, sobretudo, pela negligência de um governo negacionista que podia ter feito muito mais pela população em todos esses meses e que preferiu se omitir, fingindo que tudo não passava de uma marolinha no oceano e não o verdadeiro tsunami que acabou sendo a pandemia de Covid-19.

Estamos tristes, machucados e já sentimos muito a perda de Paulo Gustavo, mas ao mesmo tempo, esperamos que depois de tanta luta, que depois de mais de 50 dias de internação, ele possa enfim descansar em paz e que lá de cima esteja olhando por seus entes queridos, a mãe — a grande inspiração para a Dona Hermínia —, sua irmã, seu marido e os dois filhos que infelizmente crescerão sem a sua presença maravilhosa aqui na Terra. Um cara gay que conseguiu reunir inúmeras tribos fazendo rir e que arrecadou com um filme mais de 140 milhões em bilheteria — a maior do Brasil — num país que nem sequer valoriza o próprio cinema. Isso não é pra qualquer um! Sua passagem por nossas vidas foi breve, como um meteoro no céu, mas seu trabalho jamais será esquecido. Descanse em paz, querido. Obrigado pelas noites de gargalhadas.


 

“… contra o preconceito, a intolerância, a mentira a tristeza já existe vacina: é o afeto, é o amor! ”.

NAMASTE!

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