Vou começar o post com uma frase clichê que sempre é dita quando um humorista se vai, mas que representa exatamente o momento atual: hoje o Brasil ficou mais triste com a passagem de Paulo Gustavo.
É muito complicado tentar exprimir em palavras o que a gente
sente quando alguém tão popular, que de certa maneira faz parte da nossa vida,
se vai e é preciso ter um poder muito raro de concisão para colocar num texto
tudo que acaba saindo no calor do momento, por isso, eu nem vou tentar. Vou
falar aqui com o coração mesmo, desprovido de coesão, razão ou qualquer poder
de síntese. Vai ser no improviso.
Eu conheci o Paulo Gustavo, até meio tardiamente, já no palco
do Vai que Cola — humorístico do canal Multishow —, vários anos depois dele já ter
despontado com suas peças teatrais de sucesso e os filmes estrelados no cinema nacional. Eu chegava do trabalho mais ou menos por volta das 20:00, às vezes
mais tarde, tomava um banho, esquentava alguma coisa pra comer e ia pra frente
da TV assistir ao programa basicamente todos os dias da semana. Em pouco tempo, virou um vício na casa da minha mãe e
a gente ria muito assistindo os improvisos e a “trocação” que o ator fazia “ao
vivo” com os colegas de humor Samantha Schmütz, Marcus Majella e — na época da 1ª temporada — Fernando
Caruso. Aliás, por mais que o texto do sitcom brasileiro fosse realmente
engraçado e a direção de cena muito competente, eram mesmo as falas fora do script que davam o verdadeiro tom da atração. Era impossível não cair no riso.
Fazia muito tempo que eu não assistia TV e menos ainda
programas ditos humorísticos com aquela coisa mais quadrada cheia de bordões
ensaiados como “A Praça é Nossa” ou o antigo “Zorra Total”. Eu já não achava
mais graça de coisas assim e nem perdia meu tempo vendo. O Vai que Cola e
em especial o humor “bagaceiro” do Paulo Gustavo é que me fez gostar novamente
de atrações assim e ele com seus personagens caricatos e exagerados nos fazia
rir genuinamente, sem aquela forçada — o sorrisinho amarelo — que às vezes nos
permitimos só para não admitir que estamos é constrangidos pelas piadas sem
graça. E nem estou falando do Valdomiro, o personagem pilantra que Paulo
interpretava no sitcom desde a primeira temporada, aquele que adorava falar mal
do bairro do Méier do Rio de Janeiro — onde se passava a história — de
sacanagem. Como ele mesmo costumava brincar com o amigo Majella — e esse
diálogo aparece até no primeiro filme baseado no programa — os dois não sabiam
interpretar personagens héteros. O grande talento de Paulo estava mesmo em
fazer graça na pele de mulheres ou gays rasgadíssimos, algo no qual ele era
insuperável.
A gente nem mede o sucesso de Paulo Gustavo ou sua
importância para o mundo do humor por ele fazer a nossa geração rir, mas sim
dele ter uma capacidade impressionante de atingir as nossas mães, as nossas avós,
um público mais antigo que não está acostumado ou mesmo faz esforço para
entender que homossexuais existem e merecem tanto espaço quanto qualquer outra
pessoa, seja de qual orientação for. A gente que teve tempo de se informar
mais, de procurar entender o outro com empatia vê em Paulo Gustavo — homossexual assumido
desde sempre — apenas um cara engraçadíssimo que tem uma facilidade fenomenal
de causar risos falando de sexualidade, mas nossos pais são da época em que “viado”,
“sapatão” ou qualquer outro apelido mais pejorativo eram comuns e que “esse
tipo de gente” não deveria ter tanto espaço. Em rede nacional, quase no horário
nobre, Paulo Gustavo foi lá e fez as nossas mães rirem com piadas sobre
sexualidade, com shows de drags e muita “pinta”, coisas impensáveis há vinte,
talvez trinta anos.
Minha mãe já disse frases como “eu não vejo nenhuma graça
nesse novo Zorra”, quando o programa tentou uma abordagem menos machista, menos
homofóbica e fazendo um humor mais consciente nas noites de sábado da Globo. Ela dava risada vendo o Didi
chamar o Mussum de “urubu” na época dos Trapalhões, gostava de quadros como “dá uma subidinha” — cheio de sexismo — protagonizados no Zorra Total pelo também saudoso Agildo Ribeiro
e odeia programas como Casseta & Planeta e o humor mais atual de atores
como Marcelo Adnet, Tatá Werneck ou Rodrigo Sant'Anna. Ah, mas do Paulo Gustavo
ela gostava. E muito! Eu ouvi da boca dela que o Vai que Cola só tinha graça
quando tinha o Valdomiro e que quando ele saiu lá pela terceira ou quarta
temporada, sei lá, segundo ela, o humorístico tinha perdido a graça.
A catarse e a entrega total pelo talento do humorista de 42
anos veio mesmo com seu papel essencial da carreira e quando eu coloquei para
passar Minha Mãe é uma Peça para a MINHA mãe assistir, não tinha mais como
negar ao vê-la gargalhar em frente à TV: Paulo Gustavo tinha mesmo o poder de
reunir várias gerações com sua interpretação PERFEITA da matriarca ciumenta,
desbocada e barraqueira, mas que tinha em sua essência aquele coração enorme
que a gente identificava também em nossas mães. Há um pouquinho da Dona
Hermínia na minha mãe e tenho certeza que quem está lendo esse texto vai balançar a cabeça nesse momento, concordando com o que digo e pensando “na
minha também! ”. O talento de se entregar tanto ao seu trabalho ao ponto de
abraçar virtualmente inúmeras pessoas de credos, culturas e orientações
diferentes é raríssimo. Talvez eu tenha visto em alguma figura do esporte, da
política ou mesmo de outras áreas da TV que não a das artes cênicas, mas nesse
ramo do humor jamais.
O dublador e ator Guilherme Briggs sintetizou esse
pensamento de maneira muito lúcida em sua conta do Twitter e eu não teria
maneira de incorporar em meu texto sem usar suas palavras exatas, por isso
farei um quote direto do que ele disse:
“O objetivo do artista é dar mais do que aquilo que tem. E assim fez o amado Paulo Gustavo, que se doou de tal forma, com tanto amor e intensidade, com tanta entrega e desenvoltura, que agora ele se transferiu de corpo e alma para dentro do coração do Brasil, para sempre. ❤”
E é isso! É uma tristeza muito grande ver um artista com um
talento tão grande ser levado dessa maneira tão brutal por uma doença que já
arrastou com ela mais de 400 mil vidas e que pasmem, já tem uma vacina. Enquanto
choramos a morte de Paulo Gustavo, mais outras 400 mil famílias também choram
por seus entes queridos, pais, mães, avós, irmãos, namoradas e tias, todos
levados, sobretudo, pela negligência de um governo negacionista que podia ter
feito muito mais pela população em todos esses meses e que preferiu se omitir, fingindo que tudo não
passava de uma marolinha no oceano e não o verdadeiro tsunami que acabou sendo a pandemia
de Covid-19.
Estamos tristes, machucados e já sentimos muito a perda de
Paulo Gustavo, mas ao mesmo tempo, esperamos que depois de tanta luta, que
depois de mais de 50 dias de internação, ele possa enfim descansar em paz e que
lá de cima esteja olhando por seus entes queridos, a mãe — a grande inspiração
para a Dona Hermínia —, sua irmã, seu marido e os dois filhos que infelizmente
crescerão sem a sua presença maravilhosa aqui na Terra. Um cara gay que conseguiu
reunir inúmeras tribos fazendo rir e que arrecadou com um filme mais de 140
milhões em bilheteria — a maior do Brasil — num país que nem sequer valoriza o
próprio cinema. Isso não é pra qualquer um! Sua passagem por nossas vidas foi
breve, como um meteoro no céu, mas seu trabalho jamais será esquecido. Descanse em
paz, querido. Obrigado pelas noites de gargalhadas.
“… contra o preconceito, a intolerância, a mentira a tristeza já existe vacina: é o afeto, é o amor! ”.
NAMASTE!
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