Eu comecei a ler histórias em quadrinhos muito cedo. Fui
influenciado pelo meu irmão mais velho que, esporadicamente, trazia um ou outro
gibi de herói para dentro de casa. A grande maioria desses gibis eram de
publicações dos anos 80 ou 70. Estávamos nos anos 90 e, naquela época, o que
saía no Brasil pela Editora Abril era cronologicamente bem defasado com relação
ao que era publicado lá fora.
Mas, quem se importava?
Eu era um moleque magrelo e tímido que não saía de casa. Ler
gibis era o meu passatempo preferido naquela realidade reclusa e introvertida.
Como meu irmão tinha uma predileção pelas revistinhas do Hulk, do Capitão
América e do Homem-Aranha, aquele material abundava lá em casa.
Eu não tinha muita noção de quem escrevia o quê ou de quem
desenhava o quê, mas em meio àqueles inúmeros títulos e de suas variadas
histórias, um cara logo ganhou destaque a meus olhos. Em especial, no que se
referia a visual dos personagens.
De repente, não era mais um amontoado de “desenhinhos”
indefinidos nas páginas. Eu agora conseguia distinguir o seu traço, a pegada do
estilo no que ele rabiscava.
Um nome logo começou a aparecer frequentemente naquele
rodapé de página, lá naquele cantinho onde eu nunca prestava a atenção. Seu
nome era John Romita.
A primeira edição que me chamou completamente a atenção para
a maneira como ele desenhava os personagens foi A Teia do Aranha nº 22, que por
aqui, foi publicada em 1991 pela Abril, e que deve ter chegado às minhas mãos
uns dois ou três anos depois.
Além do fato de que as duas primeiras histórias desse
compilado de aventuras dos anos 70 tratava do relacionamento — romântico? — entre
a tia May e o Doutor Octopus, o grande destaque dessa aventura era o fato de
que o Homem-Aranha estava usando uma máscara que deixava aparecer seus olhos “humanos”,
sem o tradicional visor branco para cobri-los.
E a tia May atirava contra ele, sem saber que estava prestes
a matar o próprio sobrinho! Esse, aliás, é o grande chamariz da capa dessa
edição.
Eu perdi as contas de quantas vezes li esse gibi. De maneira
geral, essa nem era uma das histórias mais impactantes e/ou revolucionárias
para o cânone do personagem, mas eu viajava em suas páginas observando os detalhes
mínimos da técnica perfeita de Romita.
Influenciado pelos gibis, lá nos anos 90, eu já rabiscava
meus garranchos em papel sulfite como forma de expressão, mas não entendia
coisa alguma de design. Apenas apreciava o que via e me transportava para Nova
York junto com ele, enquanto o Aranha se balançava de um prédio a outro da cidade.
Apesar da minha ignorância artística, eu já achava que
aquele cara de nome italiano tinha um “tcham” diferente. Ele era mais técnico
que os outros. Os seus “bonequinhos” possuíam expressões marcantes e o seu
Homem-Aranha, em específico, parecia saltar de verdade por entre as páginas.
As expressões marcantes nos rostos desenhados por Romita |
Além de Gil Kane — outro dos caras que eu reverencio muito quando se trata de Aranha —, eu raramente vi alguém que conseguia
imprimir tanto os sentimentos dos personagens nos desenhos quanto o Romitão. Era
impressionante o que ele conseguia fazer com um lápis e o nanquim!
Eu curtia o Steve Ditko, artista que, não obstante, tinha
sido o primeiro cara a desenhar o Homem-Aranha desde a sua criação, lá em 1962.
Mas quando o Romitão assumiu o título daquele que já era um dos principais personagens
da Marvel, a mudança de traço era muito impactante e, para mim, bastante
significativa.
Outra publicação da Abril que eu lia e relia, mês
sim, mês não, era a “Marvel Especial: Homem-Aranha x Duende Verde” que, por
aqui, saiu em 1986. Diferente dos tradicionais gibizinhos de 82 páginas, essa
edição era um pequeno calhamaço de mais de 100 páginas, o que deixava esse
jovem e esquisito estudante de ensino fundamental bastante entretido por várias
horas.
Nessa edição específica, era possível ver a transição entre
Ditko e Romita, já que é na emblemática história em que o Duende Verde descobre
a identidade secreta do Homem-Aranha que Romita faz a sua explosiva estreia no
título do Escalador de Paredes, substituindo o cocriador do personagem como
artista regular.
Além disso, Romita também é o responsável pela cocriação de
Norman Osborn, podemos dizer assim, já que ele é o primeiro cara a nos revelar,
afinal, quem se escondia por trás da misteriosa máscara verde do vilão voador.
Outros destaques de John Romita Sênior à frente do título do
Homem-Aranha é a aventura em que, Peter Parker, vencido por um resfriado,
começa a delirar e, sem querer, acaba revelando a sua identidade para Gwen
Stacy e todos os seus amigos em uma festa. No Brasil, essa história foi
republicada em A Teia do Aranha nº 13.
Na edição seguinte, a de nº 14, ocorre outro evento
emblemático para a trajetória do Homem-Aranha — e que na recente animação do
Aranhaverso, é tratado como um evento canônico nas linhas temporais do
personagem —, a morte do capitão George Stacy, o pai da Gwen, também desenhada
por Romita, e que, inclusive, foi referenciada na própria animação do Aranha.
Referência à morte do Cap. Stacy em Homem-Aranha: Através do Aranhaverso |
John Romita Sênior contribuiu ainda para a criação do
Wolverine e do Justiceiro — o primeiro, em parceria com Len Wein, e o segundo,
em parceria com Gerry Conway, que escrevia as histórias do Aranha nos anos 70,
Ross Andru, o primeiro cara a desenhar o personagem e, claro, Stan Lee, que
tendo participado ou não do processo, sempre assinava todas as criações de
personagens da Marvel na época.
Romita não ajudou somente a desenvolver os visuais de
personagens importantes para o universo do Homem-Aranha como o já citado Norman
Osborn, como também foi o responsável pela primeira composição imagética da Mary Jane —
que era citada nas histórias desenhadas por Steve Ditko, mas que nunca tinha aparecido,
de fato.
Eu era completamente apaixonado pela Gwen Stacy nesse
período de republicações da Teia do Aranha, pelo motivo óbvio de que ela era o
principal interesse romântico do Peter Parker e a “namoradinha” que todo moleque
de doze anos sonhava em ter: bonita, inteligente, esperta e muito fofa.
Apesar disso, era inegável que a Mary Jane de John Romita
era um espetáculo. E não só porque era uma gata ruiva cheia de curvas, mas pelo
charme que ela transbordava nas páginas desenhadas por ele. Dando em cima do
Flash, do Harry ou mesmo arrastando asas para o comprometido Peter, com seu
jeitão “descolado” de ser.
É importante ressaltar que o visual dos personagens compostos
por Romita nos gibis do Aranha marcou uma época. Olhando hoje para os
desenhos, é impossível não reparar a influência que os alucinógenos anos 70 têm
nas páginas, tanto nas vestimentas dos coadjuvantes do universo “Aranhístico”
como no próprio Peter, com suas costeletas longas, os coletes e as calças
boca-de-sino que usava.
Eu amava ler esses gibis antigos porque era sempre um
mergulho em uma época que eu não vivi. Eu me via fazendo parte de um mundo que
me era estranho para um garoto crescido nos anos 90, mas que me parecia mágico —
e entorpecente! — mesmo assim.
John Romita Sênior não representa para mim apenas “mais um
desenhista” entre as centenas de outros que passaram pelos títulos do
Homem-Aranha, mas o cara que, com a absoluta certeza, definiu a imagética do
personagem principal e de seus coadjuvantes desde a sua estreia como artista da
revista.
Quando penso em Flash Thompson, J.J. Jameson, Robbie
Robertson e na própria Gwen Stacy — aquela do arquinho nos cabelos! — é o traço
de Romita que me vem fundamentalmente na cabeça até hoje.
Com a passagem desse mito dos quadrinhos, nós perdemos a presença
física de mais um dos grandes mestres dos primórdios da Marvel, mas ganhamos outro
ídolo no já célebre panteão dos artistas que fizeram e MUITO a diferença aqui
na Terra.
Salve John Romita. Salve o mestre. Descanse em paz.
Leia também "Top 10 - Maiores Desenhistas do Homem-Aranha" — na minha humilde opinião —, post de 2010 onde decidi ranquear meus artistas preferidos de passagem pelas histórias do Escalador de Paredes. Adivinhem quem ficou em primeiro?
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