Eu era novo demais para assistir Cães de Aluguel (1992) e
Pulp Fiction (1994) nos cinemas, não houve a badalação necessária sobre Jackie
Brown (1997) para que eu me empolgasse em vê-lo e Kill Bill (2003 e 2004) chegou tarde demais
a meu conhecimento para que eu pudesse prestigiá-lo diante da tela grande, mas eu tive o prazer de ver Hitler sendo fuzilado em Bastardos Inglórios
(2009) dentro do cinema e mais uma vez tive a honra de ver uma obra-prima de
Quentin Tarantino na semana de estreia com Django Livre. E não, o cara não me decepcionou!
A nova e elogiadíssima empreitada de Quentin Tarantino conta
a história de Django (Jamie Foxx), um negro escravo que é alforriado por um misterioso
caçador de recompensas alemão chamado King
Schultz (Christoph Waltz) enquanto
é transportado por seu “Sinhô” em algum lugar do Texas americano do século XIX.
Django tem uma valiosa informação que renderá a localização de três cruéis irmãos
que estão sendo procurados pelo caçador de recompensas, e à medida que ele passa
conhecimento sobre seu Modus Operandi ao ex-escravo, mais eles vão se tornando
companheiros.
Uma vez que ambos conseguem punir os irmãos Brittle (dentre
eles M.C Gainey, o Tom Friendly de LOST), que têm como esporte preferido
chicotear escravos, Schultz oferece uma parceria a Django em suas caçadas, ao
qual eloquentemente ele responde:
“Matar alguns brancos e ainda receber por isso?? Como não
aceitar?”
Daí pra frente os dois caçadores saem em busca de mais
recompensas pelo Sul, enquanto esperam o momento propício para resgatar Brunhilde
(Kerry Washington), a esposa que Django não vê desde que foram separados ainda
na senzala, das garras do poderoso fazendeiro Calvin Candie (Leonardo
DiCaprio).
Eu sou muito suspeito para falar de um filme dirigido por Quentin
Tarantino porque sou um grande fã de tudo que ele fez até agora, e a meu ver,
Django é mais um acerto na consagrada carreira deste, que hoje, é com certeza um
dos melhores no ofício que exerce.
O filme não é só uma grande homenagem ao
estilo Western, mas é também um apanhado muito grande de referências
cinematográficas, daquelas que Tarantino sempre gosta de colocar na tela para
deleite da plateia. Ele criou um estilo de filmagem único e uma linha narrativa
de roteiro imbatível, que faz o público gargalhar ao mesmo tempo em que corpos e
cabeças são explodidos em cena, num banho de sangue crível e ao mesmo tempo bem
inserido na tela.
Em Django, são os diálogos e as situações que conduzem a
história, e Tarantino não perdeu a mão com o passar do tempo. Pelo contrário. Ele
continua sendo o único diretor/roteirista que consegue manter uma plateia empolgada
sentada diante de uma tela enquanto duas pessoas conversam simplesmente em
cena. Os diálogos afiadíssimos dão ao público a oportunidade de apreciar as
atuações memoráveis dos brilhantes atores que o diretor escolhe a dedo para seus
papeis, e como não podia deixar de ser, Christoph Waltz, o homem que nos fez
torcer por um nazista com seu Hans Landa de Bastardos Inglórios, retorna tão
inspirado quanto em seu papel anterior, criando as melhores situações de Django
– Livre.
É impressionante a naturalidade com que Waltz, que na verdade é
austríaco e não alemão como Schultz, constrói seus personagens, dando-nos a nítida sensação de que ele
está se divertindo em cena. Até que Django assuma o papel como personagem
principal do filme, é do Dr. Schultz todo o foco (e isso leva em torno de 45 minutos
de filme), o que não quer dizer que ele dá todo o espaço ao companheiro negro posteriormente. É
divertido vê-lo atuar (mesmo quando ele se deleita mandando chumbo em
bandoleiros), e não me admire que o ator de 57 anos leve para casa o Oscar de
Ator Coadjuvante de 2013, assim como levou o Globo de Ouro e o próprio Oscar em
2010, na mesma indicação.
Outro que se destacou e muito em cena foi o sempre
surpreendente Leonardo DiCaprio, que deixou há muito tempo a sombra
congelante do garoto Jack de Titanic para trás. Mesmo o cara já tendo trabalhado com
nomes como Martin Scorsese em cinco filmes e consolidado uma carreira forte de
ator ao longo dos anos, dá-se a impressão de que ele sempre tem que provar que ele não é só mais
aquele “rostinho bonito” de Titanic. Em Django, como o vilão da história, ele
se sai muito bem em cena, contracenando de igual pra igual inclusive com
Christoph Waltz e Samuel L. Jackson, esse aliás, impagável como um velho
serviçal da família de Calvin Candie. Seus papeis de “estressadinho”, como em
Os Infiltrados (2006) sempre fizeram sucesso, e em Django ele acaba puxando um
pouco dessa característica, embora seu personagem tenha na ponta da língua o
texto sagaz de Tarantino, desta vez, o que lhe confere várias possibilidades de
interpretação.
Não há nenhum elo fraco na escolha de elenco, e todos estão
muito bem em suas atuações, incluindo o oscarizado Jamie Foxx, que nos faz torcer por seu herói negro e que nos faz igualmente querer vingança por tudo aquilo que
ele passou em sua vida de escravo. As expressões faciais que Foxx confere ao assustado Django do início do filme, e todo seu controle sob as pressões psicológicas aos quais é submetido pelo personagem de DiCaprio mais tarde, são notáveis, bem como a transformação pela qual o personagem passa quando se torna, enfim, um caçador de recompensas.
Kerry Washington, que vive a sofrida
escrava Brunhilde, que fala alemão e que possui o nome de uma princesa de uma
antiga lenda germânica, é outra que não decepciona durante as cenas de tensão e tortura, e na falta de uma heroína como a Beatrix Kiddo (Uma Thurman) de Kill Bill ou a Shoshana (Mélanie Laurent) de Bastardos Inglórios, temos ao menos a mocinha em perigo a ser resgatada pelo herói.
As homenagens de Tarantino aos filmes Western vão além do
clima de Velho Oeste, dos cenários belíssimos de um Texas invernal, cowboys e bandidos,
e fora a trilha sonora que inclui algumas músicas de Ennio Morricone
(compositor que criou as trilhas mais famosas de Faroeste do cinema e que já trabalhou
com Tarantino em Bastardos Inglórios) as homenagens continuam com a
participação (“amigável”, segundo os créditos) do próprio Franco Nero, o
ator italiano que ajudou a popularizar o gênero Western Spaghetti, e que faz uma ponta no filme em uma cena que, dizem, faz uma “crítica velada” ao UFC e todas essas lutas que
usam o massacre como espetáculo.
Django – Livre está na lista dos melhores trabalhos de
Tarantino, e apesar de nos apresentar situações de certo modo até previsíveis
(como o “aperto de mão” de Schultz em Candie), o final de Django com a família
Candie ou do banho de sangue exageradíssimo que acaba se tornando o resgate de
Brunhilde, o filme é extremamente divertido, além de funcionar como uma aula de
cinema moderno, e de como dá para se tratar de um assunto delicado como a escravidão e o preconceito racial de uma maneira respeitosa, sem ter que apelar para a pieguice ou colocar panos quentes demais, como na maioria das vezes acaba acontecendo ao se mexer com temas complicados de se lidar.
Com Django, Tarantino mostrou que o outro lado, aquele que acaba sendo explorado pela imposição do mais forte, nem sempre precisa ser retratado como a vítima. Foi assim com os judeus vingativos de Bastardos Inglórios e agora com os negros em Django. Quem serão as estrelas do próximo longa tarantinesco? Os homossexuais?
Não é a toa que Tarantino já levou para casa o Golden Globes 2013
de Melhor Roteiro, e que seu filme está disputando cabeça a cabeça o Oscar de
melhor filme com o premiado Lincoln de Steven Spielberg, que curiosamente,
também fala de escravidão e segregação.
Estou na torcida para que Django ganhe
como melhor filme, ou que pelo menos Tarantino leve o Oscar por roteiro.
Ele merece a premiação.
NOTA: 9,5
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