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21 de julho de 2019

Do Fundo do Baú - Hellboy



Na primeira década do século XXI eu cursei a graduação de Design Gráfico, e um dos meus semestres preferidos foram com as aulas de cinema da professora Maria Goretti Pedroso. Nele aprendíamos a decupar um filme inteiro e enxergar obras cinematográficas como algo mais do que duas horas de diversão em frente a tela. Depois daquelas aulas, eu nunca mais encarei o cinema como apenas uma diversão de momento. O texto abaixo é uma resenha que escrevi sobre o filme Hellboy (2004) para a matéria de Vídeo Design, e ele foi um dos motivos que me fez querer escrever para o Blog do Rodman posteriormente. Bora relembrar um dos mais bem feitos filmes de super-heróis do cinema, lançado há 15 anos?

Hellboy

Em 1944, os nazistas estão com a guerra praticamente perdida, e só um milagre, ou algo terrivelmente contrário a isso, pode fazê-los reverter essa situação. Grigori Rasputin conselheiro místico dos Romanov, é o homem que aceita o desafio de perpetrar tal milagre, e utiliza seus conhecimentos sobre ocultismo para mesclar ciência e magia negra, a fim de trazer para a Terra Ogdru Jahad, os Sete Deuses do Caos. A ideia por trás de suas intenções malignas é clara: Vencer os inimigos com o poder de Jahad, destruir o mundo e das cinzas fazer renascer um novo Éden.


O clima é sombrio, os soldados americanos orientados pelo jovem Trevor Bruttenholm (ou Dr. Broom), o consultor pra assuntos paranormais do Presidente Roosevelt, estão perto da Costa da Escócia, designados para impedir os planos diabólicos dos nazistas. A chuva torrencial que cai, aumenta o clima nebuloso, os soldados estão assustados, e a cena do filme a todo momento permanece em nuances de prateado e azul, reforçados por efeitos de coloração pós-produção. A trilha sonora sofre um crescente quando enfim é mostrado o ritual onde Grigori, junto a seus dois asseclas, Kroenen e Ilsa, estão preparando a chegada de Ogdru Jahad, e o Dr. Broom, desesperado, pede para que o exército interfira. O local então é invadido, e começa uma batalha para tentar impedir que Rasputin libere os Sete Deuses do Caos com o portal que já está aberto.


No início do conflito o Dr. é atingido com um tiro próximo do joelho direito, e começa a se rastejar enquanto o assassino Kroenen derrota vários soldados ao mesmo tempo com tiros, depois com duas lanças que saltam de seus antebraços. O vilão já demonstra que não é um mero mortal, como anteriormente o próprio Dr. destaca num diálogo entre ele e um soldado. Ele é baleado e nada acontece. Observando o Dr. a se rastejar ferido enquanto vence os adversários, Kroenen nota que suas intenções podem colocar o plano de Rasputin em risco, e o vê arremessando uma granada contra o portal. Antes que ela exploda, Kroenen tenta em vão apanhá-la entre as engrenagens, e logo em seguida de ter os dedos da mão decepados  pelo aparelho que gira energizado por uma manopla controlada por Rasputin, Kroenen é arremessado pela explosão, e acaba empalado contra uma parede por um restolho da máquina que é destruída. A ação de Broom faz com que Rasputin perca o controle sobre as energias que mantêm a fenda dimensional aberta, e ele é sugado pelo portal, desaparecendo em pedaços. Ilsa é a única que escapa com vida, sabendo que terá muito tempo pela frente graças a um “encantamento” feito por seu amante Rasputin.

Embora tenha impedido a vinda de Ogdru Jahad à Terra, o Dr. Broom sabe que o portal ficou aberto por tempo suficiente para que algo possa ter atravessado. Enquanto cuida dos ferimentos e se protege da chuva dentro de uma caverna, enfaixando a perna atingida pelo tiro, o Dr. conta a história de Rasputin para um soldado. Alguns relatos, até então dados como reais, se estudados, dão conta que o homem já sofreu todo tipo de tortura e permaneceu vivo. Nesse meio tempo, algo se move rapidamente dentro da caverna, e logo o Dr. e o soldado vêm uma criatura vermelha a saltar assustada ante os tiros disparados pelo homem. O monstrinho é confundido de início com um macaco e o Dr. Broom logo percebe que a criaturinha vermelha não é o que parece e que só está com medo. Oferecendo-lhe um chocolate, Broom ganha-lhe a confiança e o acolhe logo depois que ele salta para seus braços. A criatura logo é identificada como um menino demônio, e todos os soldados se afeiçoam a ele, batizando-o de Hellboy. Tem início então toda a história do filme. 

   
Desde o início do filme Guillermo Del Toro, o diretor e roteirista da película, procura fielmente transpor o clima dos quadrinhos criados por Mike Mignola para a tela, recriando todo o universo anterior à primeira aparição do menino demônio, ainda em meados de 1944. Mignola que esteve presente em toda a produção auxiliando Del Toro na transposição de seu personagem para o cinema, participou ativamente, o que tornou Hellboy um dos filmes inspirados em heróis de quadrinhos mais fieis dos últimos anos. A sequência inicial, ambientada na Costa da Escócia, mostra de forma competente todo o clima de guerra, e mostra uma ameaça nazista iminente que precisa ser detida a qualquer custo. A interação entre os personagens principais, Dr. Broom e o General, as pitadas de sarcasmo do militar em relação ao cargo de Broom, à sua religião e a sua forma pouco convencional de demonstrar os fatos serve perfeitamente como contraste com a malignidade de Rasputin e seus asseclas, que em nome do Führer, desejam libertar os Sete Deuses do Caos para instaurar a destruição na Terra e consequentemente a vitória sobre os inimigos. Tudo é ambientado para realmente parecer algo maligno, e o posicionamento de câmera, bem como a cenografia e a iluminação, aliados aos efeitos visuais (da manopla de Rasputin ao próprio portal que ela abre), tudo se encaixa perfeitamente presenteando o espectador uma das mais belas sequencias do filme inteiro.


60 anos se passam desde a primeira sequência, e então é hora de conhecer os personagens que farão parte do restante do filme. Já sabemos qual a origem (infernal) do menino demônio, e somos transportados diretamente para seu presente, que eles chamam no filme de dias atuais. Uma ótima sequência de imagens sobrepostas, vídeos e vozes num rádio nos ambientam, e informam que Hellboy (Ron Pearlman) agora é uma espécie de lenda urbana. Ele vive no Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal, a agência criada por Trevor Bruttenholm (o homem que o criou desde garoto como um pai, vivido por John Hurt), com o consentimento do governo e que existe disfarçada como uma empresa de reciclagem de lixo. O espectador é levado para o interior do Bureau junto ao jovem agente do FBI John Myers (vivido por Rupert Evans), que é escolhido entre vários agentes (mais de 70 candidatos graduados) pelo próprio Dr. Broom, que descobre que está morrendo de uma misteriosa doença. Preocupado em deixar seu filho sem assistência, ele vê em Myers um sucessor responsável a altura para auxiliar Hellboy, e o apresenta ao fantástico mundo dentro das paredes do Bureau. Myers se depara com o homem-peixe denominado Abraham Sapien (Doug Jones), aparentemente encontrado por acaso há muitos anos atrás (precisamente no dia em que o então Presidente americano Abraham Lincoln faleceu). Fica no ar um mistério de o que realmente Sapien é, um experimento genético, um mutante ou uma criatura evolutiva, mas Del Toro não se preocupa em esclarecer tais dúvidas do espectador, como acontece frequentemente durante o filme.


É chegada a hora então do coadjuvante se encontrar com o personagem título, e uma breve passeada pelo “quarto” de Hellboy nos mostra um pouco de sua personalidade. Somos auxiliados pelo agente Clay, até então o “babá” do demônio, para entender um pouco mais como ele é, e Myers se depara com um lugar infestado de gatos, vários televisores ligados mostrando a mesma moça (mais tarde descobrimos se tratar de Liz Sherman) e o homem-demônio a se exercitar enquanto fuma um charuto. A surpresa de Myers ao ver Hellboy é hilária, e vamos nos acostumando a personalidade “certinha” do personagem, que contrasta com o humor seco e as vezes sarcástico do personagem principal.  Pai e filho estão brigados, e “de castigo” Hellboy está preso no quarto por causa de suas aparições públicas sem autorização. Broom deixa claro que quer Hellboy nas ruas apenas para combater monstros.


A sequência seguinte, uma das mais bem realizadas em matéria de dinamismo, mostra exatamente Hellboy em ação, logo que um sinal de emergência soa no Bureau. Após o panorama geral dos personagens, é hora de ver o Vermelho trajado pela primeira vez com seu “uniforme de combate”, o mesmo sobretudo marrom amarfanhado que ele usa nos quadrinhos. Abe Sapien, pela primeira vez em cena fora do "aquário" em que foi apresentado, mostra que pode sobreviver fora da água com um suporte que mantém hidratada suas guelras, outro cuidado que Del Toro tomou para transpor o personagem o mais fiel possível à tela. Trazido a cidade dentro de um caminhão de lixo camuflado, Hellboy, Sapien, Dr. Broom e Myers são levados até a Biblioteca da cidade, que naquele momento está isolada por faixa policial com algo anormal preso lá dentro. A essa altura já sabemos que todos os vilões principais estão de volta, e após mais uma ressurreição, Rasputin está ligado inteiramente à criatura no interior da biblioteca.

   
Rasputin agora renascido, em mais uma de suas tentativas de abrir o caminho na Terra para o que ele chama de Mestre, desperta a entidade conhecida como Sammael para provocar o caos. Em mais um de seus rituais, ele lança um feitiço na criatura, de que sempre que tombar, duas novas entidades se erguerão em seu lugar, criando assim um ciclo infinito. Sem saber disso de início, Hellboy se digladia com o monstro dentro da biblioteca, e descobre que ele se alimenta de pessoas. Ao ser arremessado para fora do prédio com um golpe, ao cair, Hellboy se encontra pela primeira vez com Rasputin que o chama de filho e lhe fala sobre seu verdadeiro nome. Intrigado, Hellboy aponta-lhe a arma, mas só encontra o vazio.


A sequencia seguinte é uma das mais impressionantes do filme. Sammael ganha as ruas, e Hellboy tem que persegui-lo para tentar detê-lo. O filho do inferno é ferido pela língua da entidade que se enrola em seu braço mais frágil, e Myers aparece para impedir que maiores danos sejam causados ao parceiro, que reluta a aceitar ajuda. Sammael salta entre prédios num belíssimo enquadramento de câmeras, o espectador se sente dentro da cena por algum tempo, e a computação gráfica trabalha muito bem a favor do filme. O monstro muito bem construído digitalmente passa toda a sensação de peso (quando pisa sobre um furgão, por exemplo) e seus movimentos são muito realistas. A perseguição leva Hellboy até um lugar movimentado onde ele encontra civis desprotegidos em meio a uma festa de Halloween, e após lançar uma bala sinalizadora na criatura, fica fácil seguir o rastro verde que ele começa a deixar para trás. Curioso na cena de perseguição, é que em um dado momento Hellboy salta de um prédio para cima de um caminhão, e nesse primeiro corte de imagem, nota-se com certa facilidade que ele pousaria de pé sobre o veículo, até porque não daria tempo dele pousar de outra forma. Há um corte de câmera para mostrar Sammael no chão a observá-lo, e quando a câmera volta para Hellboy, ele está caindo sentado sobre o carro.


A cena se desenrola até o túnel do metrô, onde Hellboy volta a perseguir Sammael, que desaparece durante algum tempo enquanto o herói procura se desvencilhar do condutor do Metrô que o espanca com um extintor. Outra cena curiosa é quando Hellboy toca os chifres em brasa por causa da fricção de ter sido "atropelado" pelo Metrô. Até então nenhuma informação nos é passada sobre sua invulnerabilidade a fogo, embora já possamos desconfiar por ele ser um demônio, mas ele sente dor quando toca os chifres. Por que ele sente dor? Por que está quente? 

  
A batalha entre Hellboy e Sammael se encerra com o herói eletrocutando a criatura utilizando a energia elétrica dos trilhos. Nessa cena então, através do comentário dele, descobrimos que ele é invulnerável a fogo por não ter sofrido nada com a descarga elétrica que dá cabo de Sammael. Computação gráfica é utilizada novamente para simular a briga entre os dois, e dessa vez a animação deixa um pouco a desejar. As feições de Hellboy estão horríveis, e ele se assemelha mais ainda a um macaco (como por vezes é chamado durante o filme). Nada, claro, que comprometa o desenrolar de uma das melhores cenas de ação do filme.


Hellboy é uma das adaptações de quadrinhos para cinema das mais competentes graças ao talento de Guillermo Del Toro e suas percepções de retirar o que há de melhor da HQ de Mike Mignola para seu filme. Ele dá destaque para personagens que crescem sozinhos como o torturado e aparentemente imortal Kroenen, que mostra toda a intimidade que possui com suas lanças. Liz (Selma Blair) também ganha força no decorrer da história, não só porque ela aprende a controlar os dons mutantes sobre o fogo, mas porque ela se torna o maior pronto fraco de Hellboy, quando ela vira prisioneira de Rasputin que a usa para forçá-lo a "aceitar" seu destino. É revelado que Hellboy é na verdade Anung un Rama, filho de Satã, e o homem destinado a permitir a entrada dos Sete Deuses do Caos na Terra. Um reinado de terror tem início, numa imagem em flashforward vislumbramos qual é a verdadeira missão de Hellboy na Terra, e o verdadeiro motivo pelo qual Rasputin o invocou na década de 40. Ele deve dominar o mundo, e o amor por Liz, e a vontade de reaver sua alma, o faz esquecer quem o Dr. Broom o ensinou a ser. Mais homem do que demônio. Felizmente a figura de bondade no agente Myers o faz relembrar disso no último instante, e ele quebra o elo de seu braço com a chave que abriria o portal para a entrada de Ogdru Jahad na Terra. A derrota de Rasputin e logo em seguida a do demônio cheio de tentáculos que ele libera de seu corpo, sela a primeira aventura de Hellboy nos cinemas, e Guillermo Del Toro finaliza sua história com grande estilo, deixando bastante pontas para serem aproveitadas numa sequencia do filme.

Hellboy é um filme bem menos comercial do que a maioria cujo tema é super-herói, e por ser uma obra de fã, tem todo um cuidado técnico a ser levado em consideração. A fotografia do filme é magnífica, as cores realçadas em pós-produção saltam aos olhos, deixando o vermelho da pele do personagem mais vivo e todas as outras cores em destaque. Cenas como as do início sob chuva, como as da perseguição pelas ruas e a do incêndio no hospital de Liz são memoráveis. Houve todo o cuidado para que o filme se tornasse realmente uma obra prima, e só não beira a perfeição devido os furos no roteiro. Del Toro deixou todo o clima dos quadrinhos envolverem o filme, mas as vezes o que funciona em uma HQ nem sempre funciona da mesma forma no cinema. Em alguns casos, nos sentimos perdidos com os personagens, e sente-se uma necessidade óbvia de conhecer os quadrinhos para poder entender melhor o filme, o que não devia acontecer. A grande parte da história é simples de entender, mas algumas origens são simplesmente ignoradas, como a de Kroenen, por exemplo.

Como pontos fortes, é impossível não citar a atuação de Ron Pearlman, que encarnou o demônio vermelho como poucos o fizeram num personagem de quadrinhos. Mesmo sob quilos de maquiagem, ele dá o carisma necessário ao personagem, e seu humor ácido e por vezes sarcástico o dá um quê de engraçado que conquista o espectador. Ele pode ser feio, ele pode ser um demônio, mas não deixa de ser o herói (ou anti-herói) pela qual torcemos. O talentoso Doug Jones que empresta seus gestos para o cativante Abe Sapiens também dá show, e embora a voz do personagem não seja sua, ele dá todo o tom fantástico ao homem-peixe, e cria o segundo personagem mais interessante do filme. Sua maquiagem também é uma das mais perfeitas, e quase nos esquecemos que não estamos olhando para um homem meio peixe de verdade dado a naturalidade com que Jones atua.


Com a clara escolha de Del Toro por uma adaptação mais fiel da HQ fica fácil perceber no filme os ângulos, iluminação, cores e todo tipo de aspecto estético presente nos quadrinhos de Mike Mignola, reproduzidos de maneira mais que eficiente na tela. Assim como em termos de direção isso é uma vantagem para o filme, deixando-o com o mesmo toque belo e sombrio que possui na revista, há de negativo apenas os exageros cometidos em algumas cenas, mas que passam perfeitamente despercebidas se levarmos em conta que sim, aquela é uma obra baseada em quadrinhos.  

Hellboy teve um orçamento de US$ 66 milhões e faturou apenas US$ 99,3 milhões. Ganhou uma sequência em 2008, Hellboy 2 - O Exército Dourado, também dirigido por Del Toro que faturou US$ 160,4 milhões, e por muitos anos falou-se numa sequência que nunca aconteceu, embora Ron Pearlman fizesse campanha à favor. Em 2019 o filme foi rebootado por Neil Marshall com David Harbour no papel principal, mas o filme fracassou nas bilheterias, rendendo menos que seu orçamento. 
Essa resenha foi escrita entre 2006 e 2010, e eu tirei 10! 

NAMASTE!           

22 de fevereiro de 2015

COMBO BREAKER #001 - Whiplash, Birdman e O Jogo da Imitação


Eu nunca fui bom em palpites, nem tampouco em previsões, por isso o objetivo desse post é pura e simplesmente colocar em voga três filmes que disputam o Oscar 2015 sem grandes pretensões “adivinhescas” de minha parte. A meu ver, Whiplash: Em Busca da PerfeiçãoBirdman ou (A Inesperada virtude da ignorância) O Jogo da Imitação são fortes candidatos aos prêmios que disputam, e eu não ficaria nada surpreso se pelo menos um deles saísse com uma (ou mais!) estatuetas douradas da premiação que rola dia 22 de Fevereiro.


Eu estava numa vibe meio depressiva quando decidi assistir Whiplash, e tudo que sabia sobre o filme era com base nos elogios que haviam sido feitos à atuação de J.K Simons (o eterno J.J. Jameson da trilogia Homem Aranha) nas Redes Sociais. Não sou muito de me influenciar por opiniões alheias (em especial para escolher qual filme assistir), mas algo no enredo me fez ter vontade de assistir Whiplash, que em São Paulo estava sendo exibido em pouquíssimas salas.


Dirigido por Damien Chazelle, que tem pouca coisa relevante no currículo além dos filmes O Último Exorcismo – Parte 2 Toque de MestreWhiplash possui um elenco bem reduzido, o que nos faz concentrar em dois personagens específicos: Miles Teller (que será o novo Reed Richards do desacreditado Quarteto Fantástico) que vive Andrew, um jovem baterista que sonha em se tornar um grande músico, e em Terence Fletcher, o mestre do jazz linha-dura vivido magistralmente por J.K Simons. Fletcher é aquele tipo de cara que não parece ter conquistado grandes coisas na vida, e que por causa disso, desconta toda sua frustração nos alunos que almejam ainda uma carreira promissora. Ao mesmo tempo, ele transpira confiança e não permite que seus ensinamentos sejam questionados, nem tampouco seu “método de ensino” agressivo. Não. Com Fletcher não há espaço para hesitações ou imperfeições, sua meta é bem clara: Encontrar entre as fileiras incompetentes de estudantes alguém que seja capaz de despertar o seu interesse, e que ele o possa moldar para que se torne um novo músico de jazz.


Procurando ser esse prodígio, Miles usa de toda sua determinação e empenho para ser um baterista à altura do que Fletcher exige, e para isso ele chega a sacrificar o namoro com Nicole (a lindíssima Melissa Benoist que será a Supergirl da série de TV), o relacionamento com o pai Jim (Paul Reiser) e até mesmo sua própria sanidade.
Whiplash é um filme visceral. Enquanto assiste, você sente ódio, angústia, pena e às vezes tudo isso ao mesmo tempo, e é impossível se manter alheio à interpretação de J.K Simons, que faz desse, possivelmente o seu melhor papel no cinemaRobert Duvall (O Juiz), Ethan Hawke (Boyhood), Edward Norton (Birdman) e Mark Rufallo (Foxcatcher) terão que suar para vencer o prêmio de Ator Coadjuvante, que a meu ver, caberia muito bem na estante de Simons, e com todo louvor. Ele interpreta aquele tipo de personagem coadjuvante que ofusca o personagem principal, e apesar de nos sentirmos incomodados com as grosserias cuspidas o tempo todo de sua boca, de forma sádica meio que aprovamos seus métodos nada ortodoxos, o que nos leva a crer que há um pouco de Terence Fletcher em cada um de nós.


Academia, por favor, o Oscar para J.K Simons!

A trilha sonora de Whiplash, claro, como não poderia deixar de ser, é espetacular, e recomendo esse filme fortemente para quem é músico ou amante da música.



Eu não me lembro de já ter visto algum filme como Birdman ou (A Inesperada virtude da ignorância). Enquanto comia pipoca, no fundo da sala de cinema, eu comecei a ser bombardeado por uma história surpreendente envolta num formato pouco comum e com interpretações absurdas (no bom sentido!) de atores que nunca considerei antes grandes nomes do cinema. Justiça deve ser feita, claro, nesse caso, a Edward Norton, que nunca me deixou esquecer o quanto é talentoso por seu ex-neo-nazista em A Outra História Americana, um dos filmes mais chocantes que já vi na vida. Volte vinte anos no tempo, talvez mais, e ninguém aí poderia dizer com segurança que Michael Keaton poderia concorrer um dia que fosse a estatueta de Melhor Ator.

Sério.

Seja sincero com você mesmo.

Quantos filmes você se lembra que ele fez depois de Batman o Retorno (1992)? Dois? Talvez três?


Num universo de singularidades perversas, Keaton foi escolhido para interpretar (vejam bem) um ator de Hollywood decadente que vive à sombra (literalmente) de seu maior personagem, o super-herói Birdman. Ao se recusar fazer a quarta sequência da série de filmes que o levaram a fama, o ator Riggan Thomson decide singrar novos mares, procurando voltar aos holofotes desta vez em uma peça de teatro baseada num livro premiado. Em busca da notoriedade há muito perdida, com a ajuda da filha viciada Sam (Emma Stone, que disputa o Oscar de Atriz Coadjuvante), do agente Brandon (Zach Galifianakis, mais magro e menos caricato do que costuma ser) e de um elenco teatral competente, Riggan tenta se levantar do ostracismo e provar para todos que ele é sim importante, e que sua vida não se resume a ser apenas um rosto por trás de uma máscara de super-herói emborrachada.

Cara!

Michael Keaton aceitou fazer um papel sobre sua própria vida!


As referências ao Batman de Tim Burton, que o levou ao estrelato, são tantas, que em alguns momentos começamos até mesmo a achar que Birdman é uma cinebiografia disfarçada.

Não pense você, no entanto, que Birdman se resume a isso. Enquanto o pano de fundo age bem em nos mostrar a vida fracassada de Michael Keaton... Digo, de Riggan Thomson, um elenco muito competente faz com que o enredo se torne crível. Além da excelente interpretação de Edward Norton, que faz um ator de teatro conceituado da Broadway todo trabalhado na arrogância e prepotência (que eu acho muito boa, mas nada que vá tirar o Oscar de J.K Simons!), outros atores também dão show, como Naomi Watts (que teve um caso mal resolvido com o personagem de Norton), Andrea Riseborough, a amante de Riggan e também atriz da peça teatral, e claro, Emma Stone, que nesse filme vai muito além da Gwen Stacy rebelde de O Espetacular Homem Aranha. Como uma ex-viciada ainda em reabilitação, Sam prova ao pai, em um diálogo forte e cheio de acusações, que ele é sim um fracasso, e que não há nada que ele possa fazer que vá mudar isso. As atitudes de Riggan depois disso o levam a uma roleta russa de emoções e culminam com um final de certa forma surpreendente que botou muita gente para refletir a respeito de que droga estamos fazendo com nossa vida, afinal?


A direção do mexicano Alejandro González Inárritu é felomenal (parafraseando o saudoso José Wilker), e como disse no início desse texto, nunca tinha visto nada parecido. O filme é mostrado como se não possuísse cortes (embora os tenha), e acompanhando sempre de perto a visão dos personagens, entramos e saímos da coxia com o elenco, visitamos os camarins e vamos para o palco como se fossemos uma sombra atrás deles, sem que nenhum corte de cena seja mostrado. É uma experiência totalmente nova, algo que me fez sentir como se tivesse assistindo algum filme europeu experimental ou algo do tipo. Até mesmo nas gravações externas ao teatro continuamos nos sentindo numa viagem muito louca, e tudo isso somado a interpretação da vida de Michael Keaton, a meu ver, fazem com que Birdman seja sim um fortíssimo candidato ao troféu de Melhor Filme e ao de Melhor Ator para Keaton. Vale lembrar que o filme levou o Globo de Ouro como Melhor Roteiro e Keaton papou o prêmio de Melhor Ator de Comédia... Embora eu ache que de comédia, Birdman não tem nada!



Ok. Eu trabalho com informática há um tempão e eu nunca tinha ouvido falar de um computador eletrônico que decifrasse mensagens secretas nazistas.

Também pudera.

O texto que deu origem ao filme foi publicado muuuuuitos anos depois da Segunda Grande Guerra ter chegado ao fim, e tanto o projeto secreto da MI6 quanto seu criador, se mantiveram incólumes durante muito tempo, por razões que falavam mais alto do que o orgulho britânico em arrotar a plenos pulmões que eles haviam ajudado a encurtar as pretensões nazistas de conquista mundial.

Dirigido por Morten Tyldum, que concorre com Alejandro Inárritu de Birdman ao prêmio de Melhor DiretorO Jogo da Imitação é um filme pouco audacioso, mas que conta uma história muito interessante de um matemático homossexual que precisa esconder seu segredo em uma época que era considerado crime tal “desvio” de comportamento. Com problemas sérios de relacionamento causados por sua adolescência conturbada e por um amor platônico por um colega de escola, o personagem de Benedict Cumberbatch (que viverá o Doutor Estranho nos filmes da MarvelAlan Turing é visto como o esquisito antissocial que rejeita a presença de outras pessoas, e que com isso, faz com que todos a seu redor o odeiem. Extremamente inteligente, lógico e focado em seu trabalho, Turing se torna a pessoa perfeita para liderar o projeto Enigma (o tal código nazista indecifrável), mas para isso, ele é obrigado a lidar com outras pessoas não tão brilhantes quanto ele, mas igualmente úteis para o sucesso da empreitada.


Por incrença que parível, Turing acaba se afeiçoando a candidata a vaga de “mente brilhante” Joan Clarke (Keira Knightley), e com ela por perto ele começa a aprender o valor de uma companhia, já que a moça o ajuda a raciocinar melhor para tentar decifrar o código tido até então como inquebrável. Quando Turing chega a conclusão que nenhuma mente humana por mais poderosa que seja vai dar conta de resolver aquele problema, ele decide desenvolver um aparelho capaz de calcular milhões de possibilidades mais rápido que o cérebro humano, tendo assim a ideia do primeiro computador da história.


Convencer Tywin Lannister (o ator Charles Dance) a ceder milhares de Libras para a criação do computador não é fácil, mas com a ajuda de Winston Churchill e de Stewart Menzies (Mark Strong), Turing tem êxito, embora seja acompanhado o tempo todo pelo exército, que não descansa enquanto o primeiro resultado daquele investimento não dá fruto.
Em paralelo à quebra do Enigma, a vida pessoal de Turing acaba sendo devassada enquanto um relacionamento dele com um rapaz começa a vir à tona. O filme que na maior parte do tempo nos faz rir com o jeito egocêntrico de Turing rapidamente se torna um drama quando o protagonista, apesar de ter ajudado os Aliados a vencer a Guerra, começa a ser ameaçado pelas autoridades. Em vez de ser preso, Turing escolhe passar por um procedimento médico que o obriga a ingerir um composto químico para “tratar de sua homossexualidade”, algo que começa a lhe trazer efeitos colaterais gravíssimos. As duas nuances do mesmo personagem são magistralmente interpretadas por Cumberbatch, que com sua voz enfática e seu sotaque britânico característico vem provando ser um dos melhores atores de sua geração. Como disse, O Jogo da Imitação não chega a ser um filme de peso que mereça ganhar um Oscar, mas prêmios como Roteiro Adaptado e possivelmente uma estatueta de Melhor Ator para Benedict podem sim rolar, o que eu não acharia nada injusto.


Para quem se interessou por um dos três filmes vale muito a pena vê-los no cinema. Devido a festa do Oscar, todos devem permanecer no circuito ainda por um bom tempo, portanto, faça como esse que vos fala e corra para adquirir um pouco de cultura e escapar dos Blockbuster descerebrados, mesmo que por ora.

NAMASTE!

16 de novembro de 2014

Do Fundo do Baú - O Batman de '89



“Ei, garoto! Já dançou com o demônio à luz da Lua?”

Eu devia ter uns sete ou oito anos quando eu dancei com o demônio à luz da Lua pela primeira vez, e de lá pra cá, apesar de muuuuuuito tempo ter se passado, eu ainda tenho Batman, o filme dirigido por Tim Burton em 1989, como um dos meus preferidos, não só no ranking de filmes do Homem Morcego orelhudo da DC, mas como de todos os filmes de super-heróis de meu ranking pessoal.

Aiinn, Rodman! Mas o Batman não é um super-herói. Ele não tem poderes. Ele é um vigilante!

Ele usa uniforme? Tem máscara? Tem uma identidade secreta? Já usou cueca por sobre as calças?

ENTÃO ELE É UM SUPER-HERÓI, PORRA!


No início dos anos 90 eu era um pirralho piolhento magrelo e com cabelo black power (pois é! Acreditem!) que vivia num mundo de fantasias alimentado por revistas em quadrinhos e por desenhos animados de ação como Superamigos, He-Man, Thundercats e afins. Numa ou outra sessão de reprises, também assistia o seriado dos anos 60 do Batman (ou Bátema, para os íntimos) e pra falar a verdade, não conhecia outro Homem Morcego senão aquele meio barrigudinho interpretado magistralmente (ou de forma bem canastra!) por Adam West. Na época do lançamento do primeiro filme do Batman, eu nem sonhava em ir a cinema, e me contentava a esperar, sem grandes expectativas, que a Globo anunciasse seu pacotão de filmes para o começo do ano.


Não exijam de mim que eu lembre o ano exato em que a TV do plim-plim (Aff! Essa é velha!) passou Batman pela primeira vez na Tela Quente, mas com certeza eu estava lá pra assistir, e tirando os filmes do Super-Homem que volta e meia passavam em alguma Sessão da Tarde da vida, me lembro que foi o primeiro filme com heróis dos quadrinhos que me impactou verdadeiramente. As razões disso são óbvias: O visual fodaçaralho que o maluco do Tim Burton criou não só para o Batman, como também para tudo que envolve o personagem, desde seus equipamentos (“Onde é que ele arranja esses brinquedos?”) até a cidade de Gotham City.


Vocês já devem ter lido aqui no Blog do Rodman uma ou duas críticas minhas ao supracitado diretor de cabelos arrepiados e estilão gótico. Sim, eu realmente tenho certa animosidade a essa cisma que Burton tem pelo Johnny Depp bizarro, e acho que todos seus filmes acabaram se tornando muito repetitivos com o tempo. 


Eu gosto de Edward Mãos de Tesoura, Os Fantasmas se Divertem, de Marte Ataca! e olhe lá! Seja como for, Tim Burton fez um grande favor ao Homem Morcego quando, ao se aproveitar do clima sombrio que o personagem havia recuperado com a Graphic Novel The Dark Knight Returns de Frank Miller, ele conseguiu recriar a imagem do VERDADEIRO Batman, aquele que se mescla nas sombras e que faz os bandidos se borrarem todos só de ouvirem falar dele. Essa era a gênese do personagem criado por Bob Kane75 anos, e ele havia perdido essa aura de terror incutida em seu ser para virar uma piada reforçada pela série dos anos 60, que me perdoem os fãs, era uma galhofa sem tamanho!


Aiiinn, Rodman! O seriado era muito bom pra época e eu adoro a Feira da Fruta!

Não me entendam mal. Eu gostava da série dos anos 60. Não que eu estivesse lá pra ver na época, mas eu me divertia com as reprises que passavam no SBT (salvo engano) porque naquele final de anos 80, era tudo que tínhamos relacionado a heróis passando na TV. Quando Batman surgiu nos cinemas, no entanto, percebemos pela primeira vez, como aquele Batman azul e cinza e meio roliço era patético, e como o Batman de roupa preta, símbolo brilhante no peito e cheio das traquitanas tecnológicas era muito mais fodão!


O filme de Tim Burton não só apresentava uma versão muito melhor do Homem Morcego para as novas e velhas gerações, como também já chegou chutando bundas no mundo das superproduções. Com um orçamento milionário (35 Milhões de Doletas!), e um elenco quase estelar na época, a Warner apostou alto na revitalização do personagem, fazendo uma campanha publicitária de dar inveja a George Lucas, o criador da revolucionária saga Blockbuster Star Wars


O último Super-Homem (“Em Busca da Paz” de 1987) havia sido um fracasso retumbante para as expectativas e também para o estúdio mequetrefe que o bancou, e de forma melancólica o maior herói dos quadrinhos se despedia dos cinemas apenas para ser quase que totalmente ofuscado pelo filme de Tim Burton dois anos depois. O investimento milionário e a campanha maciça de marketing havia dado resultado, e Batman foi um sucesso estrondoso nos cinemas, o que ajudou a recolocar o personagem nos trilhos, deixando pra trás aquele tom de comédia pastelão que o permeava desde Adam West e seu menino-prodígio Burt Ward.

Santa bilheteria, Batman!


Com uma receita de mais de 400 Milhões de Dólares rendida aos cofres da Warner, Batman foi um sucesso incontestável, e se hoje os mimizentos e pela-sacos de Christopher Nolan só conseguem enxergar os problemas técnicos e a estatura ínfima de Michael Keaton vestido de Morcegão, o que fica de mais importante é o legado que o filme deixou para as décadas seguintes. Contem comigo:

O filme inspirou a MELHOR SÉRIE animada que o Bátema já teve em todos esses anos;

A trilha sonora de Danny Elfman é até hoje a principal marca do personagem, mesmo vinte e cinco anos depois;

O Batman de roupa escura (em vez da azul e cinza das HQs) foi usado como referência para praticamente TODOS os filmes que se seguiram, mesmo nas mãos de outros diretores. Até o Nolan usou;


O Batmóvel criado por Tim Burton continuou sendo usado, com certas variações, até o quarto (e mais lamentável) filme, e recebeu versões também na série animada e nos quadrinhos, assim como a Batwing em formato de morcego, que eu nunca tinha visto antes do filme;


O Batman planando de asas abertas virou mania depois que isso foi apresentado no primeiro filme;


Porra! Se isso não é deixar um legado, o que é então?

Se olhado com atenção nos dias atuais, num universo em que qualquer filme mequetrefe acha que se segura apenas apoiado nas muletas dos efeitos digitais de ponta, Batman funciona muito bem apenas com seus efeitos práticos, sem a necessidade de grandes pirotecnias computadorizadas. O roteiro, escrito por Sam Hamm e Warren Skaaren, chega a ser ingênuo de tão simples, mas são mesmo os personagens que conseguem segurar o filme, com diálogos marcantes, frases que grudam feito chiclete na cabeça e com atuações muito seguras.

Atuações

É fato “venéreo” que o Coringa é o maior adversário do Batman nos quadrinhos, e seria impossível não dar-lhe moral logo de cara no primeiro filme do Homem Morcego, colocando-o para bater de frente com o dono de Gotham. Sempre foi dito que o Palhaço é a antítese exata do Batman, adversário mais do que físico, e a escolha de Jack Nicholson para o papel foi um dos grandes acertos de Tim Burton, uma vez que o ator, que na época JÁ ERA veterano, com papeis fabulosos nas costas como o pirado Jack Torrance de O Iluminado e tendo ganhado, inclusive um Oscar por sua atuação em Um Estranho no Ninho, acabou roubando o filme com sua atuação magistral do Coringa. 


 Há quem diga que Jack Nicholson tenha se baseado no Coringa da série dos anos 60, interpretado pelo hilário César Romero, e que por isso, criou um personagem caricato demais, mas tendo em vista o que o Coringa sempre representou nas HQs, é possível ver uma excelente representação dele na tela, embora eu duvide que Nicholson tenha sequer segurado algum exemplar das HQs do Batman em mãos para compor seu papel.


 Seu Coringa é o que o personagem representava nos quadrinhos, um agente do caos a serviço de si próprio e que além de tocar o terror, SE DIVERTE com isso. No começo do filme ele é Jack Napier, um gângster que acha que tem nas mãos o chefão do crime de Gotham, mas que abusa de sua sorte e que acaba sendo traído por esse mesmo chefão. Quando ele cai na armadilha, é cercado não só pela polícia, mas também pelo próprio Homem Morcego, que acaba sendo o responsável direto pelo acidente que deforma seu rosto.

Aiiin, Rodman! Nem é assim que acontece nos quadrinhos e mimimimi!


Na Graphic Novel A Piada Mortal, escrita por Alan Moore, o Coringa é, na verdade, um comediante falido que acaba sendo levado a cometer alguns crimes, oculto pela identidade de O Capuz Vermelho, para sustentar sua família. Num desses grandes assaltos, o Batman aparece e acontece exatamente a mesma coisa que acontece no filme: ele cai no ácido, sua cara fica deformada e ele decide se tornar o Coringa. Só que não existe Jack Napier e nem chefão do crime. Hoje em dia com o Reboot da DC, nem faço ideia de como é a origem do Palhaço, o Bobo, O Joker, O Bobo, mas na antiga cronologia foi assim que aconteceu.


Seja como for, Jack Nicholson interpreta um dos melhores Coringas do cinema, e que tem mais a ver com os quadrinhos do que o que Heath Ledger fez anos mais tarde, embora ambas tenham sido atuações dignas de nota. O Coringa de 1989 é perigoso, é louco, mas é extremamente engraçado, algo que faltou na época de O Cavaleiro das Trevas de Cristopher Nolan. A cena em que ele se apresenta para os chefões criminosos de Gotham e termina eletrocutando um deles com um aperto de mão é sensacional. Não bastando ter torrado o sujeito, o Coringa ainda dialoga com ele depois de morto. Genial!


Michael Keaton seria de longe a última opção a ser escolhida caso alguém me pedisse para elencar um ator que serviria para interpretar Bruce Wayne, o alter-ego do Batman. Me digam como um nanico daqueles conseguiria impor respeito ou causar pavor na bandidagem sórdida da cidade mais corrupta dos Estados Unidos? Mas não é que ele conseguiu!!


Tudo bem que para mim na época em que Batman passava na TV esse era um detalhe que nunca me incomodou, até porque pra mim, pouco me importava quem era Bruce Wayne, o que me interessava era ver o Batman, e ele era muito maneiro com aquele visual criado por Tim Burton!

Em que mundo alguém chama o mesmo ator que interpretou o Beetlejuice para ser o Batman?


Talvez para Tim Burton isso faça algum sentido, mas para a maioria das pessoas, parece ser uma ideia insana. Revendo o filme, tentando afastar o preconceito de que o Batman é um baixinho de um metro e meio, comecei a prestar a atenção na atuação de Michael Keaton, e ela não deixa nada a dever. E olhe que ele estava encarando Jack Nicholson em cena!


Seu Bruce Wayne é soturno na medida certa, se mostra torturado pelo crime que mudou sua vida ainda na infância, mas ainda consegue ser um sujeito divertido quando quer. A cena em que ele dá uma trolada em Vicki Vale e em seu parceiro Knox chegando de surpresa em sua sala de “troféus” deixa isso muito claro. Não há dúvida sobre a sexualidade de Wayne nesse filme (e na verdade em nenhum dos filmes dirigidos por Tim Burton, já que em um ele pega a Kim Basinger e no outro a Michel Pfeiffer!), e ao se interessar pela fotógrafa Vicki Vale ele vai fundo na conquista, não sossegando até tê-la em sua cama. Quando ele começa a se afastar dela, não é porque ele se “cansou daquela rachada hor-ro-ro-saaa”, mas sim porque tem medo de trazê-la para sua vida cheia de traumas e cismas. Algo típico do Batman.


O nome de Keaton aparece depois do de Jack Nicholson no pôster oficial do filme, até mesmo pelo peso artístico que cada um tem, e se podemos considerar Batman de Tim Burton um filme mais do Coringa do que do próprio Homem Morcego, quando é requisitado, Michael Keaton não faz feio. Ele tem cenas muito boas, e sua expressão de tensão quando ele percebe que o Coringa é o assassino de seus pais (!!) fala por si só em uma cena que não contém qualquer diálogo.


Uma vez elenquei aqui um Top 10 com meus amores de Hollywood, e ela estava lá por razões óbvias. Na década de 90 Kim Basinger estava ainda no auge de sua beleza, e ela era uma escolha quase que certa para interpretar a fotógrafa Vicki Vale, que nos quadrinhos, pelo que me lembro, nunca teve uma personalidade muito bem definida. Sem abusar de sua sensualidade latente, mas servindo como um interesse romântico para Bruce Wayne da melhor qualidade, e uma mocinha em perigo que herói nenhum se recusaria em salvar, Kim está inesquecível em seu papel, que apesar de não exigir nenhum rompante dramático e/ou artístico de sua parte, funciona bastante para a proposta do filme de Tim Burton.


Em Gotham devido seu interesse incomum por morcegos (!) Vicki se vê interessada pelo Homem Morcego que, dizem, ronda as noites da cidade sombria. Ao mesmo tempo ela acaba se envolvendo com o bilionário Bruce Wayne, sem saber de início que ele e Batman são a mesma pessoa. Procurando mergulhar fundo na psique abalada de seu amante, Vicki descobre que os traumas sofridos por ele na infância o fizeram se transformar no homem duro e psicótico que ela conheceu, e entende completamente a razão de existir um Batman. 


O papel de Kim é burocrático, mas sua beleza na época contribuiu bastante para o visual do filme, num cenário que exigia uma bela mulher desfilando por lá. E cá entre nós, ver o Batman e o Coringa saindo no tapa por causa dela foi engraçado!


Batman ainda conta com Michael Gough como o fiel mordomo Alfred (lembrando bastante o Alfred mais velhinho da série dos anos 60), Pat Hingle como o Comissário Gordon (bem diferente da sua versão dos quadrinhos) e Billy Dee Williams, o Lando Calrissian da Trilogia Star Wars Clássica como Harvey Dent (!), o promotor, que no filme nem é citado como tal, que mais tarde se torna o Duas Caras


Obviamente Joel Schumacher, o diretor de Batman Forever, ignorou completamente o fato de Harvey Dent ter aparecido na pele de um ator negro nos dois primeiros filmes e escalou o mal encarado Tommy Lee Jones para encarnar o promotor em seu filme.  Se o elenco para os personagens coadjuvantes de Burton parece meio discrepante com relação a suas características básicas provenientes dos quadrinhos, pelo menos tivemos a ótima atuação de Jack Nicholson como Coringa, que vale como um todo para quem gosta do bom e velho Coringa de várzea.


O Batman de 1989 inspirou muita coisa tanto no cinema quanto nos próprios quadrinhos, e muita gente assim como eu, deve ter crescido com a figura do morcego criada por Tim Burton na cabeça muito mais nítida do que a série dos anos 60 fez para a geração anterior. 


Eu via minha mãe comentando “Nossa! Pra que essas orelhas tão grandes no Batman?”, obviamente levando em consideração o visual com orelhas curtas usado por Adam West a qual ela estava acostumada, e o visual sombrio do filme deve ter incomodado muita gente que esperava aquela coisa mais colorida da série, algo que Joel Schumacher homenageou com excelência nas duas terríveis sequências após a saída de Burton da direção dos filmes.


O traje do Batman de 89 é a meu ver o melhor de todos que já vimos no cinema, até porque  ele é preto, o que seria o mais indicado para um cara que quer surpreender a bandidagem à noite, ele é uma mescla perfeita de armadura e uniforme e tem uma máscara assustadora, que deve dar um cagaço em qualquer um que a fite mesmo que de relance.


As traquitanas usadas pelo herói no filme também revolucionaram a forma como o personagem passou a agir nos quadrinhos. Na década de 70 estávamos acostumados a ver o Morcego arremessando cordas com um batarangue amarrado na ponta para escalar prédios, e de repente vemos o cara com um mini-arpéu de bolso disparando ganchos no filme.

E o Batmóvel?

Putaquepariu!


Até hoje é meu carro preferido do Batman (até elenquei ele aqui como umas das super-máquinas do cinema), e embora seu design só permita que ele ande em pistas planas de tão rebaixado, e que lombadas e quebra-molas em Gotham fariam com que o assoalho do carro ficasse para trás, é indiscutível a imponência que aquele carro causa com aquela turbina na parte traseira e o ronco de seu motor potente. E isso porque nem citei o cockpit e a blindagem que nos fez pensar porque diabos o Batman e o Robin dos anos 60 andavam por aí num Batmóvel sem capota!!


Batman marcou toda uma geração que passou a admirar o Batman por seus feitos heroicos e por seu visual assustador, e se hoje o personagem completa 75 anos, nada melhor do que comemorar essa data querida comentando sobre um elemento que certamente foi um divisor de águas na cronologia dele, pelo menos nos cinemas.



NAMASTE! 

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