1 de dezembro de 2012

Cine Brasil: O Ano em que meus pais saíram de férias





"Meu pai diz que no futebol todo mundo pode falhar, menos o goleiro!"


Dirigido e escrito por Cao Hamburger, mais a colaboração de Adriana Falcão, Claudio Galperin, Anna Muylaert e Bráulio Mantovani, o longa-metragem O Ano em que meus país saíram de férias foi lançado nos cinemas brasileiros em 2006, e na época surgiu como uma grata surpresa, uma vez que destoava de tudo que vinha sendo lançado como um padrão naquele período, apesar de tratar, sobretudo, de um assunto polêmico: A Ditadura Militar

O enredo se passa em 1970, e conta a história de Mauro (Michel Joelsas) um menino mineiro que é obrigado pelos pais Daniel (Eduardo Moreira) e Bia (Simone Spoladore) a viajar para São Paulo, onde irá passar um período, segundo eles curto, na casa do avô, um barbeiro judeu vivido pelo ator Paulo Autran. Embora o pequeno Mauro nem imagine, seus pais são militantes de esquerda, e estão fugindo do Governo opressor brasileiro, que na época, saía à caça de qualquer pessoa que apresentava ideais igualitários e que expunha esse tipo de sentimento em público. O título do filme é bem representativo para esse fim, e mostra que as “férias” que Daniel e Bia estão tirando, nada mais são do que a desculpa que eles resolveram dar para que seu filho pudesse entender sua ausência. 

Mauro é deixado na porta do prédio aonde o avô mora, no bairro de Bom Retiro, local conhecido na época como um reduto judaico de São Paulo, e para onde imigrantes vindos da Polônia, Rússia e Lituânia começaram a se mudar, a partir da década de 20. Sem saber que o avô falecera horas antes de sua chegada ali, Mauro o aguarda na porta de seu apartamento, onde acaba sendo acolhido por um velho judeu, vizinho de seu avô, o ranzinza Schlomo, vivido magistralmente por Germano Haiut

Germano Haiut como Schlomo
Frustrado pela ausência do avô, e sem notícias de seus pais, Mauro é obrigado a se estabelecer num mundo diferente daquele que ele aprendeu a viver, e apenas sua paixão pelo futebol parece distraí-lo tempo suficiente de sua esperança de que seus pais voltem para buscá-lo. É o futebol que o aproxima das crianças da vizinhança, e que o leva a conhecer a esperta Hanna (Daniela Piepszyk ) e seus amigos, e mais tarde a simpática atendente de lanchonete Irene (Liliana Castro).   


Sem ter para onde ir, Mauro aprende a gostar de sua nova “família”, e o garoto acaba despertando a afeição de toda a vizinhança, que cuida dele enquanto o menino aguarda o retorno dos pais, cujas “férias” parecem se estender cada vez mais.
  

O roteiro desenvolvido por Hamburger e seus colaboradores é extremamente simplista, e o que vemos do início até o fim do longa é a visão que o pequeno Mauro tem dos fatos que se desenrolam à sua volta. É ele quem narra a história, a todo o momento estamos por dentro daquilo que ele sabe e é interessante notar alguns recursos técnicos que a direção toma para nos mostrar o ponto de vista de Mauro, como quando em meio a um conflito entre militares montados a cavalo e esquerdistas, a câmera está na altura do menino, nos dando o seu ângulo de visão, passando entre as pessoas para ver o que está chamando a atenção de todos. Em nenhum momento é dito que seus pais são militantes e que a Polícia os está perseguindo para prendê-los, ou que aquele termo “férias”, se refere a o exílio que muitos brasileiros foram obrigados a fazer por conta da Ditadura Militar e sua perseguição política, e embora isso fique claro para o espectador em alguns momentos, o próprio Mauro jamais fica sabendo da verdade. É brilhante essa decisão de Hamburger em mostrar um período tão caótico da história do Brasil pelo ponto de vista de uma criança e toda sua inocência. 


O futebol é outro ponto fundamental para o desenrolar da trama, uma vez que a paixão de Mauro pelo esporte o faz viver várias situações com os demais personagens, além de contar a história também por essa linha narrativa de quem aprecia o jogo. 


Se o tema política não atrai tantas pessoas, essa paixão nacional pode ser uma forma interessante de atração, e o filme cumpre bem esse papel, mostrando que, apesar de todas as diversidades étnicas (representada pelo namorado negro de Irene), religião (na figura dos judeus) e de povos (no caso os italianos) ou mesmo a diversidade política, o futebol consegue unir todas as pessoas, que torcem juntas em frente a TV enquanto Pelé, Tostão e Rivelino comandam a melhor Seleção de todos os tempos rumo ao Tri-Campeonato mundial no México. 

O Capitão Carlos Alberto levanta a taça

A cena em que o personagem Ítalo (Caio Blat), um esquerdista amigo do pai de Mauro declara em voz alta pouco antes do primeiro jogo da competição que se a Tchecoslováquia (primeiro adversário do Brasil na Copa) vencer representa uma “vitória do Socialismo”, sua comemoração discreta quando o time europeu marca o primeiro gol e logo depois a explosão dele e dos amigos em comemoração ao empate e depois à vitória da Seleção Brasileira, mostra que crença ou visão política nenhuma resiste ao “patriotismo” brasileiro quando seu time está em campo. Independente das injúrias vividas pela população, o futebol sempre consegue dar esperança, fazendo o país parar para assistir seus ídolos da bola do outro lado do mundo defendendo as cores brasileiras. 

E não é assim até hoje?
 
O Ano em que meus pais saíram de férias é um excelente filme dessa nova safra iniciada no fim da década de 90 para o chamado “Cinema novo” brasileiro, e prova que uma história pode ser contada de forma simples e inocente, sem recorrer a palavrões, sexualidade ou situações apelativas que atraem o público. Se as atuações não são tão inspiradas, excetuando talvez a de Germano Haiut que realmente convence como um judeu com dificuldades em falar o português e a de Caio Blat como o revolucionário que acaba entrando em conflito com o Governo, o roteiro e sua linearidade nos fazem mergulhar de cabeça na história, que é cativante assim como seu protagonista. 

Caio Blat como Ítalo

Embora em algumas cenas o jovem Michel Joelsas pareça estar sempre com o texto ensaiadinho na ponta da língua não dando muita vivacidade a seu Mauro, em outras ele consegue tirar gargalhadas do público e emocionar devido a singeleza com que conduz seu personagem, o que lhe garante mais pontos positivos do que negativos a sua atuação. 


O Ano em que meus pais saíram de férias levou 70 mil espectadores ao cinema e ganhou o prêmio de 2006 no São Paulo International Film Fest, o que para termos de faturamento, nem de longe configura o filme como um sucesso de público, não figurando nem entre os 70 filmes mais vistos no Brasil nas últimas décadas, de acordo com dados divulgados pela Ancine


Mesmo assim, O Ano, é um filme bonito e que cativa por sua simplicidade, além de nos motivar a querer aprender mais sobre os temas nele discutidos como a Ditadura, a cultura judaica e a história dos imigrantes estrangeiros que moram em São Paulo. 


PS.:Era boa a época em que a distração das crianças não passava do inocente jogo de botão (e como eu joguei botão na mesa lá de casa!!), futebol na rua ou colar figurinhas em álbuns!!

Bons tempos que não voltam mais!


NOTA: 8


NAMASTE!

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