23 de maio de 2020

A Doce Vingança de Jennifer

AVISO DE POSSÍVEL GATILHO EMOCIONAL: ASSUNTO DELICADO



Baseado num filme de 1978 chamado A Vingança de Jennifer (I spit on Your Grave no original) Doce Vingança é um daqueles filmes de terror que passam meio que despercebidos nas listas tão seletas da Netflix, mas que uma hora ou outra nos chama a atenção. 

Dirigido por Steven R. Monroe (de o Retorno dos Vermes Malditos) o filme de 2010 tenta recriar o clima gore e violento da produção trash de 1978 dirigida por Meir Zarchi, e Monroe consegue fazer um daqueles remakes que vale a pena ser visto. Confesso que nunca tinha ouvido falar do original dos anos 70, mas as críticas dizem que os dois filmes são bem equivalentes.

O enredo conta a história da escritora Jennifer Hills (Sarah Butler) que num dia qualquer decide se isolar da cidade grande e se embrenhar em um chalé no meio do nada, na esperança de conseguir a tranquilidade que precisa para escrever seu novo romance. A ideia por si só já parece absurda ao espectador, que vê a protagonista se meter sozinha no meio de uma floresta, enquanto aos poucos vamos conhecendo o tipo de gente que mora nos arredores do que parece ser uma vila de pescadores. Após um breve desentendimento com o dono babaca de um posto de gasolina em que ela faz uma parada para pedir informações, Jennifer enfim chega ao tal chalé, onde descarrega sua caixa de vinho e começa a relaxar para escrever. 

Pedindo informações no Posto Ipiranga

É importante lembrar aqui que todos os caras com quem ela tem contato até chegar a seu destino sabem bem que a moça está sozinha no lugar e que o chalé é bem isolado de qualquer outra coisa - embora o sinal de celular funcione que é uma maravilha! - e isso começa a atrair problemas para o lado dela. Durante a noite, a casa começa a fazer sons tão sinistros quanto a floresta ao redor da casa onde ela está hospedada e Jennifer começa a entender que talvez não tenha sido uma boa ideia se isolar ali, embora não se preocupe em nenhum momento em trancar as portas da casa imensa. "Tô sozinha aqui no meio do mato. Não dá nada!". 

O nome dela é Jennifer
O nome dela é Jennifer

Após a visita de um morador local indicado pelo "suserano" da casa para consertar um problema no encanamento, as atenções se voltam ainda mais para a moça solitária da cidade. Matthew (Chad Lindberg), que tem problemas mentais, após o conserto do encanamento diz aos demais colegas - incluindo o babaca do posto de gasolina - que a garota foi muito solícita e educada com ele, o que faz com que os quatro queiram visitar o chalé de Jennifer, embora à contragosto do rapaz problemático. Ali, como a própria sinopse do filme mostra - e para quem assistiu o filme de 78 já espera - uma sucessão de cenas chocantes acontecem, colocando a protagonista como a vítima de violência sexual e psicológica praticadas por Johnny (Jeff Branson), Andy (Rodney Eastman), Stanley (Daniel Franzese), Matthew e mais tarde o próprio xerife da cidade Storch (Andrew Howard), para quem Jennifer pediu ajuda num primeiro momento em que consegue fugir dos estupradores. Não vale aqui descrever a sequência, mas é agoniante assistir o que os caras fazem com a moça indefesa logo que ela é subjugada. Se eu tivesse assistido esse filme na infância, teria ficado tão traumatizado quanto na cena em que o policial Alex Murphy é torturado e metralhado em Robocop. Um baita gatilho pra quem por alguma infelicidade já tenha passado por algo parecido. 


Na sequência em que Jennifer foge dos agressores e se encontra com o xerife, outra coisa comum que é retratada no filme é a desconfiança pela qual a mulher acaba passando quando relata a violência da qual foi vítima para as autoridades. Antes de sabermos que o policial está mancomunado com o bando de estupradores, o cara desconfia que ela não esteja falando a verdade e ainda coloca a culpa de sua "insanidade" nas caixas de vinho que ela tem na casa e na bituca de um baseadinho que ela fumou. Tudo vira motivo para desqualificar a vítima e botar a culpa nela própria. Aliás, o que motiva o bando a invadir o chalé, é justamente uma filmagem feita por um deles, em que Jennifer aparece só de calcinha e sutiã lavando uma camisa suja de vinho. "Aí tá vendo! Se não tivesse se mostrando por aí, não tinha sido estuprada!", justificariam os "cidadãos de bem" brasileiros.   


Após todo o abuso pela qual é infligida, Jennifer ainda tem forças para andar e escapar de seus abusadores, caindo num rio e desaparecendo de vista. Sem saber à princípio do enredo do filme de 78, eu cheguei a acreditar que o filme iria apelar para algum tipo de misticismo para trazer a garota de volta e começar a sua doce vingança, mas Jennifer ressurge na moita - quase que literalmente - e começa a aterrorizar seus algozes psicologicamente antes de partir para a vingança propriamente dita, caçando um a um de seus alvos. O filme que até então se recusava a mostrar cenas mais chocantes - exceto o estupro - passa a espirrar sangue na cara do espectador, além de mostrar rostos cozidos por soda cáustica, olhos humanos sendo devorados por corvos, etc, etc. 


O requinte de crueldade a que Jennifer se dá direito de punir os caras que a violaram e quase a mataram é num nível quase do Jigsaw de Jogos Mortais, e apesar de algumas cenas mais agoniantes de ver, não é nada que a gente não pense lá no fundo "fez por merecer". Lá no fundo mesmo, porque trocando em miúdos, os estupradores tornaram Jennifer tão sádica quanto eles próprios, todavia o filme não leve isso muito em consideração em seu enredo. 


Doce Vingança não foi considerado um sucesso comercial na época de lançamento - custou US$ 2 milhões e rendeu US$ 572 mil - e gerou uma cacetada de críticas negativas pelo clima sujo das cenas de violência sexual - embora elas não sejam explícitas. Muitos críticos disseram que o filme era de mal gosto e que fazia jus ao trash do qual era baseado, mesmo assim Doce Vingança acabou ganhando duas sequências, uma de 2013, também dirigida por Steven R. Monroe focando em outra protagonista vítima de estupro em um cenário totalmente diferente e uma terceira sequência de 2015 dirigida por R.D. Braunstein que trouxe de volta a personagem Jennifer Hills desta vez vingando a morte de uma amiga. Se ninguém parar esses produtores, daqui a pouco vão fazer um crossover dela com o personagem do Liam Neeson de Busca Implacável!

Brincadeiras à parte, violência sexual contra mulheres é um assunto seríssimo que jamais deve ser tratado com leviandade e se você - homem - assistiu esse filme e ficou com tesão em algum momento, você tem sérios problemas mentais e sim, é um possível estuprador. Todo mundo conhece ou já conheceu alguém que já passou por algo assim e o mais triste de se constatar é que esse tipo de violência às vezes acontece dentro da sua própria casa, por parte de seus próprios familiares. Doce Vingança não apela para nada sobrenatural e coloca como "monstros" pessoas comuns, caras que têm aos montes por aí, ao nosso redor. Essa é a parte mais assustadora.  


 
P.S. - Depois que concluí o texto do post, descobri que tem um filme vendido por aí como "Doce Vingança 4", mas que na verdade é uma continuação direta do filme original de 78, vivido pela mesma atriz Camille Keaton (como Jennifer Hills) e dirigido também por Meir Zarchi. O enredo coloca Jennifer e sua filha vítimas de um sequestro, com parentes de um dos homens que assassinou anos atrás em busca de vingança. O nome original do filme é I spit on Your Grave - Deja Vu
 
NAMASTE! 

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