26 de maio de 2025

O adeus a Peter David

Adeus Peter David

"Não existem finais felizes. Nunca. Eles são totalmente inventados por escritores de ficção que escolhem terminar a história com um ponto alto".

PETER DAVID 


Foi divulgado recentemente na mídia especializada o falecimento de um dos mais talentosos e reverenciados roteirista de histórias em quadrinhos, o incrível Peter David, aos 68 anos.

Nascido em 1956 no estado de Maryland, teve uma passagem muito marcante por duas das editoras mais famosas do mundo. Para a Marvel, no final dos anos 1980, redefiniu o personagem Hulk e modernizou muitos dos conceitos criador lá nos anos 1960 por Jack Kirby e Stan Lee.

Ao lado do desenhista Todd McFarlane, escreveu algumas das histórias mais emblemáticas com o Hulk cinza e criou o Senhor Tira-Teima, uma das personalidades mais sacanas de Bruce Banner que era o leão-de-chácara de um poderoso criminoso da cidade.

O Sr. Tira Teima com várias mulheres seminuas na primeira foto. Ao lado do Caolho na segunda foto.


Para o Homem-Aranha, ele escreveu um dos arcos mais memoráveis da minha vida que foi a Morte da Capitã Jean DeWolff — que eu já devo ter citado algumas vezes por aqui, e uma das imagens dessa HQ está até no banner principal do blog.

Na época dos formatinhos da Editora Abril, essa história chegou às minhas mãos quando eu devia ter uns 11 ou 12 anos. A narrativa era muito mais séria e dramática do que eu estava acostumado a ler com o meu super-herói favorito e acho que foi isso que me marcou tanto.

a morte da capitã Jean DeWolff


No enredo, um assassino mascarado denominado “Devorador de Pecados” começa a matar figuras públicas da cidade de Nova York, colocando o Homem-Aranha e o Demolidor em uma investigação conjunta para descobrir a real identidade do criminoso, além de frear as suas ações.

Para Peter Parker, a coisa é levada para o lado pessoal quando o Devorador mata a capitã de polícia Jean DeWolff — uma de suas únicas aliadas dentro do departamento — e, quando mais tarde ele tenta matar Betty Brant, a secretária de J.Jonah Jameson — que era o verdadeiro alvo do cara — e antigo affair de Peter.

Para Matt Murdock, é seu lado advogado que fala mais alto. Uma das vítimas é um juiz com quem ele já havia trabalhado antes e o herói cego sai pela cidade em seu uniforme de Demolidor na intenção de prender o Devorador de Pecados e fazer com que a justiça seja cumprida.

Para Peter, no entanto, é o sentimento de vingança que fala mais alto, o que coloca os dois vigilantes em lados opostos, os fazendo, inclusive, sair no soco para provar o seu ponto.

Demolidor tenta impedir o Homem-Aranha


A luta entre os dois me marcou bastante também porque foi a primeira vez que vi o Aranha levando a pior. Peter David criou um roteiro de cinema em duas poucas edições — na Abril, a nº 87 e 88 do Homem-Aranha — e aquilo foi o bastante para deixar o pequeno Rod Rodman impactado para o resto da vida.

Formatinhos da Editora Abril do Homem-Aranha


Ainda falando de Homem-Aranha, mas de um futuro muito distante, agora ao lado do talentoso artista Rick Leonardi, Peter David desenvolveu todo o conceito do Homem-Aranha 2099.

Naquele tempo, nada sequer parecido tinha sido desenvolvido pela Marvel e foi um choque positivo muito grande ver as primeiras páginas da versão futurista do Escalador de Paredes que não era mais Peter Parker e sim Miguel O’Hara.

Miguel O'Hara como Homem-Aranha


Para um moleque de doze anos todo o visual cyberpunk do Aranha 2099 era muito massa e é claro que eu fiquei maluco para ler mais sobre o universo onde aquele cara vivia. Por falta de grana, eu não consegui acompanhar os gibis onde eram lançadas as suas histórias no período, e só muitos anos mais tarde é que consegui comprar um encadernado da Panini onde todo o primeiro arco foi lançado. 

Homem-Aranha 2099 no traço de Rick Leonardi


E sim, a nostalgia bateu forte.

Nos anos 1990 os X-Men eram o carro-chefe da Marvel e tudo que era lançado nas bancas com o "X" na capa vendia horrores.

Peter David ficou a cargo de escrever a nova versão do X-Factor e deu àqueles mutantes de time "B" da Marvel uma profundidade que ninguém mais tinha pensado em dar. 

X-Factor de Peter David


É roteiro de David uma das passagens mais legais do Mercúrio onde o velocista explica numa sessão de terapia como é entediante o mundo à sua volta, já que ele enxerga como se tudo estivesse em câmera lenta o tempo todo.

Mercúrio e o mundo em câmera lenta


Enquanto os X-Men saíam na porrada dia sim, dia não com o Magneto fazendo pose de halterofilista, os X-Factor estavam mais preocupados com a sua saúde mental e como os seus poderes podiam afetar as pessoas ao seu redor. Esse arco é muito bom.

De volta ao Hulk, em parceria com outro artista já saudoso, o George Pérez, Peter David deu vida também ao arco “Futuro Imperfeito”, onde o Bruce Banner do presente é obrigado a viajar para o futuro a pedido de um Rick Jones idoso e enfrentar a sua versão déspota imortal, o terrível Maestro.

Hulk no Futuro Imperfeito


Esse também foi outro arco que eu demorei a ler, mas que me conquistou de uma maneira muito rápida e que me fez entender porque era tão aclamada à época de seu lançamento.

Adeus a Peter David


Pulando o muro das editoras e falando um pouco de DC, Peter David também revolucionou alguns dos personagens mais conhecidos de lá, em especial o Aquaman.

Se hoje lembramos da figura do Rei da Atlântida como um sujeito casca-grossa, cabeludo e porradeiro, isso se deve à repaginada que Peter David deu ao personagem ali pelo final dos anos 1990.

Quem não se lembra daquela imagem icônica do Arthur cabeludo e barbudo com um gancho no lugar da mão decepada?

Aquaman sem a mão esquerda


Ninguém levava esse personagem a sério até aquele momento — um cara que se comunica com peixes! —, e foi com base nos roteiros de David para o Aquaman que ele se tornou relevante para a DC a partir de então.

Outra grande contribuição de David para a DC foi a criação da Justiça Jovem que reuniu o Robin (Tim Drake), o Superboy (Conner Kent) e o Impulso (Bart Allen) numa mesma equipe que surgiu para substituir os Novos Titãs, que naquele fim de século — ali próximo dos anos 2000 — já não eram mais tão “novos” assim.

A Justiça Jovem


Aliás, o Impulso foi uma criação do Peter David e o personagem foi amplamente usado na animação Justiça Jovem da Warner que teve quatro ótimas temporadas e que usou muitos dos conceitos desenvolvidos pelo autor em seus diversos episódios.

A animação Justiça Jovem


É triste pensar que mesmo tendo criado tanta coisa para ambas as editoras, de ter contribuído para que tanto Marvel quanto DC faturassem milhões com seus personagens, David tenha morrido na pobreza quase completa.

Enfrentando vários problemas de saúde em decorrência a um AVC que sofreu há alguns anos, os familiares do autor precisaram recorrer a um financiamento coletivo pela internet — uma espécie de vaquinha — para poder custear os seus caríssimos tratamentos de saúde.

Adeus a Peter David


Por não haver um sistema como o SUS nos Estragos Fudidos, lá a coisa é muito mais pesada quando se trata de saúde, e ninguém que não seja milionário consegue custear esses valores.

Nem Marvel e nem DC se indignaram a pagar as despesas médicas de Peter David, mesmo ele tendo atuado por tantos anos como roteirista para as duas. No mundo do capitalismo selvagem em que vivemos, o seu nome de criador nos créditos de filmes, séries e animações aparecem bem pequenos no encerramento e isso é o máximo de “reconhecimento” que você terá por ajudar a empresa que te empregou a faturar milhões às suas custas.

Que descanse em paz, Peter David. As suas histórias ficarão para sempre em nossa memória.

NAMASTÊ!

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