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11 de março de 2012

Do Fundo do Baú - Robocop - O policial do Futuro

Passei quase toda minha infância e adolescência me refestelando com filmes de ação com heróis brucutús que passavam na Tela Quente, Supercine e Sessão da Tarde, e na lista dos que eu mais gostava constava Robocop, filme de 1987 dirigido irretocavelmente por Paul Verhoeven.
Digo irretocavelmente porque Robocop é um filme que possui uma história completa, cujo único defeito hoje são mesmo os efeitos visuais, que dataram miseravelmente, infelizmente.
Reassisti a fita recentemente e me peguei reagindo da mesma forma que antigamente ante as cenas mais violentas e emocionantes, como a morte do Murphy e quando a Polícia, a mando da OCP, fuzila o pobre Policial do Futuro. Claro que tem toda a nostalgia de estar vendo algo que fez parte da minha infância de novo, mas são raros os filmes que nos fazem ter o mesmo sentimento que da primeira vez, mesmo que revisto dezenas de vezes, e Robocop ainda é muito bom mesmo 24 anos depois de sua criação.
O enredo não nos traz nada de muito complexo ou original, e mostra a cidade de Detroit em um futuro próximo quase que inteiramente dominada pela violência e corrupção. A força Policial ameaça entrar de greve quando os homens que tentam defender a lei começam a ser abatidos nas ruas sem que haja qualquer repreensão a seus assassinos, e entre esses carniceiros está Clarence Boddicker (Kurtwood Smith), um poderoso traficante de drogas que parece rir da justiça e que goza de algo semelhante a uma imunidade.
Entra em jogo então a empresa OCP (Omni produtos de Consumo) cujo vice-presidente Dick Jones (Ronny Cox) pretende transformar a cidade de Detroit em Delta City, livrando-a da criminalidade com seus robôs policiais ED-209, fazendo com que a Polícia aja sob suas ordens, como uma empresa de segurança e ao mesmo tempo controlando também os bandidos da cidade, mantendo-os sob rédeas curtas.

O projeto Robocop que visa criar um policial perfeito que não precisa descansar ou comer e que obedece a ordens sem questionamentos, surge depois que o protótipo do ED-209 falha em uma demonstração, assassinando um dos executivos da OCP. Na carência de um voluntário para o projeto que transformaria um homem comum em um ciborgue obediente, o visionário e oportunista Bob Morton (Miguel Ferrer), criador do projeto Robocop, vê sua chance surgir quando Clarence Boddicker e sua gangue faz mais uma vítima, o policial recém admitido ao distrito de Detroit Alex Murphy (vivido por Peter Weller), que é brutalmente alvejado ao tentar deter as ações de Boddicker ao lado da parceira Anne Lewis (Nancy Allen). Murphy passa por um processo de revitalização e é transformado em um ciborgue à serviço da lei conhecido como Robocop.



A ideia de ter um robô completamente obediente e eficiente na guerra contra o crime cai por terra quando as memórias residuais de Murphy começam a voltar à tona apesar de uma lavagem cerebral feita no processo. Entre lembranças de sua esposa, filho e casa, o policial se lembra de seus assassinos e começa a caçá-los, sem imaginar que está entrando em um complexo jogo de poder em que diretores da própria OCP estão envolvidos.

O roteiro do filme, desenvolvido por Edward Neumeier e Michael Miner, nos transporta para um futuro onde a corrupção é algo inerente ao ser-humano moderno, e que pessoas boas como o capitão de polícia Warren Reed (Robert Doqui), Anne Lewis e o próprio Murphy perdem espaço, sendo tratados como idealistas de fundo de quintal. 

Há o sarcasmo nas falas de alguns personagens como Bob Morton e Johnson Marison (Felton Perry), que é um dos executivos da OCP, há também o sadismo nas ações de Boddicker e seus comparsas, assim como há a prepotência de Dick Jones (Ronny Cox) em achar que ele sozinho pode controlar toda uma cidade, e do outro lado da tela nos sentimos impotentes, quase que sem esperanças quanto à realidade daquela Detroit. O quanto desse roteiro se mostra real hoje em dia em algumas cidades norte-americanas e em especial brasileiras?
O quanto desse domínio de grandes corporações que querem nos dizer como agir, como se comportar e como pensar existe atualmente?
E o quanto já estamos reféns de bandidos que agem até mesmo sob a vista-grossa daqueles que deviam fazer cumprir a justiça, recebendo propina e suborno em troca do complemento do ganha-pão do mês?


O quanto da realidade fantasiosa de Robocop se equivale ao que vemos nos recônditos mais obscuros das cidades onde moramos ou mesmo à luz do dia, onde traficantes de todo tipo de drogas nem se preocupam mais em se esconder, sabendo o quanto estão imunes pela lei, agindo com impunidade?
Talvez Robocop não seja só um filme blockbuster que fala de um robô que caça bandidos. Há uma mensagem bem interessante por trás do roteiro de Neumeier, de Miner e da direção fantástica de Paul Verhoeven.

Paul Verhoeven é um diretor holandês de 74 anos conhecido especialmente por ter dirigido Robocop, um de seus trabalhos de maior expressão ao lado de Total Recall, filme estrelado por Arnold Schwarzenegger e que no Brasil ficou conhecido como O Vingador do Futuro (afinal, o subtítulo "do futuro" parecia garantir boa bilheteria!). Além desses clássicos de ação, o diretor também esteve à frente do infame, porém divertido, Tropas Estelares e do masturbatório Instinto Selvagem, protagonizado por Sharon Stone ("gostosa") e Michael Douglas.
Em Tropas Estelares, o diretor dá um tom parecido ao que deu à Robocop, criando um clima sombrio e caótico ao filme, mostrando sua visão peculiar sobre os rumos que a sociedade tende a trilhar daqui pra frente (o que eu não duvido que se torne real). Tanto em Tropas quanto em Robocop, a corrupção parece ser o mote principal da história, e o futuro vislumbrado pelas duas fitas não nos parece muito animador.
É engraçado perceber como o diretor brinca com a questão da mídia em ambos os filmes, tratando a TV como se sua programação fosse inteiramente criada para exibir apenas atrações sensacionalistas como os programas da Sônia Abrão, do Datena e do Marcelo Rezende. Do jeito que a TV está atualmente, não me surpreenderia se daqui há alguns anos só esse tipo de coisa passasse nos canais abertos! 

Verhoeven sabe trabalhar cenas de ação como poucos na indústria de cinema. As cenas que ele dirige se tornam tão impactantes que você dificilmente as esquece, mesmo se passando anos da primeira execução.
A cena em que Murphy é sadicamente fuzilado pelos capangas de Boddicker jamais saiu da minha cabeça, e ela é chocante até hoje, enquanto vemos a mão do policial ser explodida ante um tiro de doze ou seu braço arrancado do corpo por novas balas.
Eu fico imaginando como a decáda de 90 era mais liberal com relação a hoje. Robocop passava na Sessão da Tarde da Globo na época, mesmo sendo um filme que contém um altíssimo nível de violência. Me lembro que nunca antes tinha visto a mão de Murphy ser explodida até adquirir o filme em DVD, mesmo porque a cena era editada pela Globo e depois mais tarde também pela Record, mas eles não se importavam de mostrar o herói cibernético espetando o pescoço de Boddicker com sua entrada USB em forma de faca ou o capanga Antonowsky (Paul McCrane) perambulando com o corpo deformado por um produto químico e mais tarde sendo feito em pedaços, atropelado pelo próprio Boddicker. Porra! Isso era bizarro e passava 3 horas da tarde na TV!

Me lembro o quanto eu imitei essa cena, andando todo torto com a língua pra fora satirizando o Antonowsky todo esculhambado! 

Talvez o Robocop seja um robô feio, bobo e com cara de melão para a nova geração massa véio, hoje acostumada com robôs gigantes com gíria de malandro e que balançam suas bolas metálicas para impor respeito, mas é indiscutível o quanto o design do personagem é bem trabalhado. Acima de tudo ele é um robô, e como tal, se move vagarosamente, sem executar peripécias físicas e contando mais com seu revestimento de titânio para se manter intacto de tiros e qualquer outro tipo de agressão.
Como disse anteriormente, o filme de 1987 hoje está datado pelos efeitos visuais contidos nele. O velho ED-209 é o que mais evidencia a idade do filme, e algumas de suas cenas em stop-motion chegam até a causar risos, vistos com mais calma atualmente (ri muito com a cena em que ele cai da escada!). Se tivessemos um Robocop nos dias de hoje (e vem por aí um remake, como já comentei aqui) ele seria recheado de efeitos especiais, talvez o ED-209 fosse mais moderno, seus movimentos seriam críveis e sua interação com o Robocop podia ser mais realista, mas será que ele conseguiria manter a aura do filme original?

No primeiro filme, o recurso stop-motion que permite inserir criaturas inexistentes no contexto das cenas é muito pouco utilizado se comparado com suas sequências (aí o Robocop voa, pula em cima de um robô gigante, é feito em pedaços, etc, etc.), o que não desabona de modo algum a qualidade técnica do filme no quesito maquiagem, por exemplo.
Eu estava falando do visual do Policial do Futuro, né?
Pois bem.
Seu exoesqueleto feito de titânio passa a noção exata de que ele é um imbatível soldado de aço, e ele passa metade do filme gozando dessa superioridade física, até levar uma surra do ED-209 quando o policial ousa enfrentar o vice-presidente da OCP.
Tudo no Robocop é funcional, desde sua interface de conexão em forma de punhal até o compartimento em sua coxa onde ele guarda a arma que não descarrega nunca!
As partes que se conectam na armadura do chassi de titânio até as partes pretas de fibra de carbono nos fazem crer que aquele é mesmo um robô e não um Homem de Ferro

Até mesmo quando Murphy retira o elmo protetor, já na sequência final do filme, ainda existe a credibilidade que ele é um ciborgue, num misto de homem e máquina. A parte robótica de seu crânio é perfeitamente encaixada na parte do crânio que ainda tem a pele do homem e isso sem precisar mencionar a feição do ator Peter Weller que passa a frieza de um homem-máquina.
Além disso, Weller se mostrou um excelente mímico de corpo, andando e movimentando-se como um robô autêntico, girando a cabeça antes do tronco indicando a direção para onde o corpo deve seguir ao andar. Sensacional!

Seu capacete, que possui todo tipo de visão desde a térmica até a microscópica tem um dos design mais bacanas para um robô na história do cinema, e fico imaginando o quanto será difícil para José Padilha (de Tropa de Elite) e seus manipuladores colegas de set criarem algo tão icônico para o remake do século XXI quanto a aparência clássica do Policial do Futuro.

Se você não vive em Marte, deve saber que José Padilha, o diretor brasileiro de Tropa de Elite 1 e 2, foi colocado à frente da direção de um remake do filme de 1987 do Robocop, e que ele terá a ingrata missão de nos fazer esquecer de tudo que sabemos ou nos lembramos do personagem, tornando-o mais agradável para os dias atuais e remodelando os efeitos visuais, características que na minha opinião, são as únicas que não fazem com que o filme antigo seja nota 10.
A questão é: O quanto Padilha vai poder incorporar de seu estilo ao filme norte-americano sem que o estúdio ou os podutores interfiram, tranformando a fita em um Blockbuster descerebrado (Transformers, Cof! Cof!!!)?

Tropa de Elite possui quase o mesmo contexto que Robocop, com exceção da parte fantástica.
Esqueça o robô, esqueça o processo que o torna um ciborgue e se foque no que comentei anteriormente sobre corrupção e grandes corporações que dominam seu modo de pensar e agir.
Se foque na parte do policial que se deixa corromper em troca de dinheiro ou na questão de que uma empresa ou grupo específico pode dominar a Polícia, fazendo com que ela aja de acordo com o que essa empresa deseja.
Em Tropa de Elite o tráfico de drogas, bocas de fumo e traficantes não subornam policiais, fazendo com que eles façam vista-grossa ao crime?
O Capitão Rocha (Sandro Rocha) não é um policial corrupto que forma uma Milícia para lucrar com as necessidades da favela?

Não é o mesmo que Clarence Boddicker indiretamente faz em Robocop??
Ele é "financiado" por Dick Jones, e em troca presta seus serviços de mercenário e assassino, e isso tudo não está muito longe da realidade que vemos em Tropa de Elite, por exemplo. Resta saber como Padilha trabalhará com a parte fantástica da história, e como ele irá aliar isso com aquilo que ele saber lidar melhor, que é mostrar violência e corrupção nua e crua. 

A identificação do universo criado por Verhoeven e seus roteiristas e o universo criado por Frank Miller na clássica Cavaleiro das Trevas publicada apenas um ano antes (1986) que o lançamento de Robocop nos cinemas foi tão grande, e a similaridade entre as histórias foi tão intensa que o escritor de HQs foi chamado para escrever o roteiro do segundo filme (Robocop 2 de 1990) e dirigir o terceiro (1993), que cá entre nós, é o pior de todos.
Em Cavaleiro das Trevas vemos a cidade do Batman, Gotham City, completamente decadente e dominada pelo crime. As ruas estão tomadas por uma gangue conhecida como "Os mutantes" que incitam a violência e a anarquia, e o Batman está aposentado, muitos anos depois da morte do segundo Robin Jason Todd (lembrando que Cavaleiro das Trevas faz parte de uma linha temporal alternativa). 

Quando o justiceiro encapuzado retorna de seu auto-exílio na mansão Wayne, mais velho e longe da forma física que tivera outrora, ele volta a se dedicar a limpar as ruas da cidade que jurou proteger, exatamente como faz Alex Murphy pouco depois de ser transformado em um ciborgue.
O caos futurista de Gotham e Detroit é similar, assim como o conceito de que ambas as cidades estão sendo dominadas por uma mega corporação, OCP em Detroit e a Lexcorp em Gotham (embora isso só seja melhor esclarecido em Cavaleiro das Trevas 2).
Não deve ter sido à toa que Frank Miller pirou na direção do terceiro filme e colocou o Policial do Futuro para voar por aí com uma jetpack e enfrentar ninjas cibernéticos. Ele queria transformar o Robocop em um herói de quadrinhos e acabou misturando tudo num baita de um samba do robô doido!

Robocop marcou minha infância mais pelas explosões, tiros e cenas massa véio, óbvio, mas hoje vejo com clareza a mensagem principal que ele passa e todo o universo imundo onde a narrativa é criada e que me remete à realidade dos centros urbanos. Nossa realidade não está tão longe daquela da velha Detroit, o único problema é que não teremos um robô justiceiro para limpar nossas ruas dos traficantes ou prender aqueles que causam desordem naquilo que chamamos de Sistema.
E agora? Quem poderá nos defender?
O Sistema é foda, companheiro, e eu pago um Dólar por isso!
Confiram também minhas impressões sobre Tropa de Elite aqui e aqui

NAMASTE!

29 de novembro de 2011

KILL BILL: "Um furor violento de vingança"




“A vingança é um prato que se come frio”.
(Antigo Provérbio Klingon)




O ano era 2004, e na época eu costumava visitar a vídeo locadora próxima de casa aos finais de semana para pegar um ou dois filmes. Embora já tivesse assistido Pulp Fiction e Jackie Brown, eu ainda não tinha a dimensão do talento que o diretor Quentin Tarantino possuía, e o que verdadeiramente me atraiu na capa do DVD de Kill Bill foi o traje que Uma Thurman vestia, aquele todo amarelo com listras pretas.

O que tem demais nele, Rodman?”

Me pergunta você, jovem padawan. E eu respondo: Bruce Lee.


Pra quem não sabe, o traje amarelo com listras pretas lembra e muito (e essa é mais uma das homenagens de Tarantino em meio a tantas que o filme presta) àquele usado por Lee em seu último filme O Jogo da Morte.





A capa do DVD era emblemática. Uma Thurman empunhando uma espada samurai trajada com a roupa de Bruce Lee. Eu precisava ver aquele filme.





Muitos machões poderiam torcer o nariz pelo fato de Kill Bill ser um filme de ação cuja protagonista é uma mulher, e eu poderia relacionar aqui dezenas de fatos que poderiam corroborar com esse preconceito e apenas um para que esses mesmos machões deixassem essa besteira de lado e assistissem o filme: Quentin Tarantino.

É um filme de ação protagonizado por uma mulher, mas (ênfase no mas) escrito e dirigido por Tarantino. Não há mais o que dizer.





É fato que a maioria dos filmes de ação com mulheres protagonistas, em geral, não empolgam muito. Elektra, Tomb Raider 2, e Mulher Gato (o da Halle Berry) são bons exemplos de fracassos monumentais, mas não é de hoje que mulheres protagonizam filmes de ação e que se dão bem nesse campo, como Sigourney Weaver em Alien ou Milla Jovovich em Resident Evil, isso sem citar Cynthia Rothrock (lembra dela?), a musa dos filmes de ação dos anos 90, que embora só fizesse parte de filme B, sabia como ninguém a boa e velha arte da pancadaria.

Mas esqueçam dos outros. Estamos falando de Kill Bill e Quentin Tarantino.





Levei cerca de um ano para assistir os dois volumes de Kill Bill (que foram lançados em 2003 e 2004 cada um respectivamente) quando estes ficaram disponíveis nas locadoras, e demorei pouco menos do que isso para adquirir os dois discos e tê-los com todo carinho em minha coleção. Gosto de fazer maratonas em casa com filmes que tenham a ver um com o outro, que sejam de um mesmo diretor ou que façam parte de uma série, e tive a oportunidade de rever os dois filmes e analisar melhor a linguagem de Tarantino através deles, o que me motivou a escrever esse post.


Primeiro de tudo, para entender o estilo de Tarantino você deve esquecer aquelas aulas de cinema que teve na faculdade. Usar fade out ao final das músicas para que elas não sejam cortadas repentinamente? Besteira. Escrever um roteiro linear que respeite a linha do tempo? Coisa de roteiristas de quinta. O negócio é ser caótico e ainda dar um sentido a esse caos. Esse é o estilo de Tarantino e é exatamente isso que faz com que sejamos fãs do cara.





Como eu e a torcida toda do LA Lakers sabe, o ponto forte dos filmes de Tarantino são os diálogos. Foi assim em Cães de Aluguel, a fórmula foi repetida em Pulp Fiction e voltou a fazer sucesso em Jackie Brown. As falas dos personagens são tão fantásticas que você consegue passar facilmente duas horas com o rabo sentado em uma poltrona vendo pessoas conversarem, e isso não te incomoda. Pensem depressa e me respondam: qual outro diretor consegue isso?


Filmes lentos e que não possuem nem ação, nem suspense e nem terror me causam bocejos (alguém gritou Crepúsculo, hein? Hein?) e não são raras as vezes que me pego, sei lá, pensando em uma receita de bolo no meio do filme. Nos filmes de Tarantino, em geral, os diálogos são tão bem inseridos na história e fazem tanto sentido, que pouco nos importamos se duram dez minutos ou duas horas. Como esquecer a perfeição do diálogo entre o coronel Hans Landa (Christoph Waltz) e o fazendeiro francês no início de Bastardos Inglórios? Ou então a simplicidade do assunto entre Vince Vega (John Travolta) e Jules (Samuel L. Jackson) falando sobre um quarteirão com queijo enquanto se dirigem para mais um dia de trabalho? Sou do tipo de pessoa que aprecia um bom roteiro, gosto de bons textos e em especial admiro boas interpretações de atores, e ao juntar tudo isso num mesmo filme, as chances são grandes de que tenhamos em mãos uma pequena obra de arte. É assim que considero cada filme de Tarantino.





Kill Bill vol. 1 não é o filme mais cerebral de Tarantino, mas ele foi criado para ser exatamente isso. Passamos quase duas horas vendo a história de uma mulher em busca de vingança. Sabemos que ela é bem treinada em artes marciais, sabemos que ela sabe manipular uma katana e que não irá medir esforços para fazer seus inimigos, os mesmos que tentaram mata-la no dia do ensaio de seu casamento, pagarem por seus crimes. É uma história de ação pura e simples que remete aos grandes clássicos da escola de filmes de kung fu, e serve como homenagem para os mesmos, além de referenciar também os animes japoneses, na clássica animação (dirigida pelo cineasta e roteirista Katsuhito Ishii) onde nos é contada a história de O-Ren (Lucy Liu) e também no confronto entre a Noiva (Uma Thurman) e os 88 Loucos.





Ou você acha comum aquela enxurrada de sangue saindo de corpos decapitados em um filme ocidental?

Abaixo a comentada animação japonesa de Katsuhito Ishii:





Quanto a qualidade coreográfica do confronto citado não há muito o que se questionar, exceto a utilização exacerbada do bendito arame-fu. Sim, eu detesto arame-fu, e essa técnica me incomoda por demais da conta (como diria uma amiga minha mineira). A sequência de cenas em que a noiva enfrenta os “soldados” de O-Ren (Codinome Boca de Algodão), que é uma das responsáveis pelo atentado que a deixou em coma por quatro anos e que lhe tirou o bebê que ela esperava, é recheada de arame-fu. Filmes chineses utilizam muito desse artifício, fazendo pessoas darem saltos inimagináveis ou voarem umas por cima das outras como se as leis da física não se aplicassem sobre elas só porque eles possuem a maior população mundial. Eu engulo arame-fu em Matrix, em Homem Aranha e até mesmo em o Tigre e o Dragão, que é contado como uma fábula, e onde homens voando por bambuzais é o menor de nossos problemas, mas em filmes de ação é um tanto quanto desconcertante. Cenas de lutas devem ser francas, pé no chão, sem grandes saltos ou pessoas voando para alcançarem uma escada dez metros sobre sua cabeça, por exemplo. Pra mim lutas que simulam a realidade de um combate físico aumentam muito mais a dramaticidade da cena, ou alguém aí prefere as lutas cheias de arame-fu de Jet Li em Herói à sua luta com Mel Gibson em Máquina Mortífera 4?





O arame-fu funciona em Kill Bill? Nem tanto, mas a utilização desse recurso foi proposital. Tarantino queria que o filme fosse recheado de exageros para que ele causasse impacto e ao mesmo tempo funcionasse como uma homenagem aos clássicos do kung fu e de samurai, filmes dos quais ele é fã desde a infância. Aliás, como não notar todas as referências a esses clássicos que Kill Bill faz?


Mas se Kill Bill é um apanhado de cenas massaveísticas e exageradas, por que você gosta tanto, Rodman?”


Porque é um massa véio assumido e franco, caro padawan. Tarantino queria nos mostrar exatamente aquilo. Em nenhum momento ele tentou nos vender Kill Bill como um filme cabeça com algumas cenas de ação. É justamente o contrário. Do começo ao fim ele é um massa véio que nos faz perder o fôlego com as lutas inseridas nas quase duas horas de duração, e não há do que se reclamar. Nesse caso, arame-fu não passa de um detalhe em meio a um filme muito bem composto com diversas homenagens e citações ao mundo pop. E se há algo que Tarantino sabe fazer com maestria é esse tipo de inserção.


Quantos filmes você vê por aí que já começam com uma cena de ação tão violenta e realista quanto a de Uma Thurman e Vivica A. Fox (Cabeça de Cobre)? Pra ser sincero, eu nunca tinha visto duas mulheres se pegando na porrada de forma tão animalesca assim, nem na minha rua que costuma rolar esse tipo de barraco!





(Repararam no tamanho do pandeiro da Lucy Liu nessa foto?? Benza-te Deus, hein, filha!)

O combate é aberto e vale tudo, desde panelada na cara até facadas, e estando em
uma casa familiar, as armas são infinitas (mesmo as escondidas dentro das caixas de cereal). Numa das primeiras cenas do filme já somos obrigados a arregalar os olhos e pregar o rabo no sofá boquiabertos, e não tem como não seguir acompanhando a história, que continua, mesmo que não-linearmente, a nos surpreender.




Ok. No dia do ensaio do seu casamento quatro assassinos profissionais mais seu ex-namorado invadem a igreja, matam todos os presentes (incluindo o reverendo), te espancam e te deixam à beira da morte, ignorando o fato de que você está grávida. Com um sadismo impressionante seu ex te enfia uma bala na cabeça e te deixa sangrar até a morte. Apesar de tudo, você não morre, e em vez disso passa quatro anos em coma em cima de uma cama, servindo aos desejos ainda mais sádicos de enfermeiros que na calada da noite usam seu corpo como diversão, aproveitando-se do fato de que você não irá reagir. Enquanto você dorme, seus inimigos ainda estão à sua espreita e podem acabar com sua vida a hora que quiserem. Porém, sua força de vontade se mostra maior do que eles pensam, e você acorda. Ao descobrir que perdeu não só quatro anos de sua vida, mas também o bebê que esperava, você só tem uma coisa a fazer... Se vingar. Rápida e violentamente.





Cabeça de Cobre e Boca de Algodão (aposto que você pensou um monte de piadinhas com esse nome), bem como todos seus capangas são só o aperitivo, e com elas fora de combate, o caminho da vingança está só começando.





Kill Bill 1 é a pergunta enquanto que Kill Bill 2 é a resposta”, disse Tarantino em entrevista para o making of do filme.
É exatamente assim que funciona.


Embora se trate da mesma história dividida em duas partes, os dois filmes têm ambientações e climas completamente diferentes. 


Kill Bill volume 2
é mais cerebral, e traz de volta os diálogos sagazes e bem inseridos que Tarantino escreve, nos dando a noção exata de tudo que aconteceu até os acontecimentos que vivenciamos no primeiro filme. É hora de conhecermos Budd (Michael Madsen), irmão de Bill (David Carradine) e membro da Deadly Viper Assassination Squad (Esquadrão Assassino de Víboras Mortais) que esteve presente no massacre em Two Pines (local onde a Noiva se casaria). Somos apresentados às reais motivações de Elle Driver (Daryl Hannah) e qual papel ela desempenhou ao lado de Bill com o coma da Noiva. Tanto ela quanto Budd sabem que a moça irá atrás deles assim como o fez com Jeannie Bell (Vivica A. Fox) e O-Ren, e ambos pretendem liquidá-la o quanto antes, indo contra as ordens de Bill, que a quer viva, apesar de tudo.


Enquanto revia Kill Bill Vol. 2 eu fiquei imaginando como ele seria nas mãos de outro diretor, e percebi o quanto as sutilezas empregadas por Tarantino realmente o fazem ser diferente da maioria, não apelando para as decisões fáceis e apressadas. Se o segundo filme seguisse de perto o primeiro, teríamos dois filmes idênticos e previsíveis, regados a sangue e sem a marca principal do diretor, mas não é o que acontece. Em vez disso vemos um filme muito mais focado na trama a ser desenrolada e muito mais maduro, fato esse que exige maior interpretação dos atores. Tão palatável quanto o primeiro filme, Kill Bill vol. 2 nos faz entender melhor os personagens e suas motivações, freando a adrenalina do espectador que continua esperando outro banho de sangue. É aí que Tarantino nos surpreende novamente.




Alertado por Bill sobre os feitos de Beatrix Kiddo (e nesse filme enfim nos é revelado o verdadeiro nome da Noiva) no Japão, Budd, que de assassino profissional se torna o leão de chácara de uma boate de strip, se prepara para o inevitável confronto, e acaba apanhando a moça de surpresa, dando-lhe um tiro de sal quase à queima-roupa no peito.

Espingardas de calibre 12 podem ter suas capsulas de pólvora substituídas por sal, o que apesar de não fazer o mesmo estrago no corpo humano, causa um ferimento bem sério que é mantido aberto devido as propriedades do próprio sal.

Seria o mesmo que você se cortar com uma faca e imediatamente jogar sal dentro do corte.
Deve doer um pouco!!


Atordoada pelo tiro, Beatrix é sedada e enterrada viva por Budd, que decide negociar sua espada Hanzo com outra das responsáveis pela tragédia que abateu a vida de Beatrix, a Cobra Californiana Elle Driver.


Somos então levados direto ao passado enquanto Beatrix luta para manter-se viva à sete palmos de terra (literalmente), e vivenciamos o cruel treinamento do Pai Mei (Gordon Liu), mestre de Bill e também de Elle.


Como mais uma homenagem aos filmes de kung fu, Tarantino insere em Kill Bill o personagem Pai Mei, já utilizado antes em antigos filmes orientais, para ser a base entre as técnicas cruas de Beatrix com as quais ela chega ao templo do velho mestre, e sua excelência nas artes marciais.






Não vi tantos filmes orientais de kung fu em minha vida, mas não é difícil associar a imagem do mestre linha dura e mal humorado sempre presente em histórias sobre artes marciais à figura do Pai Mei. O personagem ganhou luz própria não só pela intepretação de Gordon Liu (que representa também o mestre Johnny Mo dos 88 loucos no primeiro filme), mas também por sua aparência extravagante e as risadas de deboche sempre que Kiddo não conseguia executar bem um de seus ensinamentos.





Usando uma das técnicas ensinadas pelo Pai Mei, surpreendentemente Kiddo se livra da cova onde fora enterrada, e percorre todo o caminho de volta ao trailer onde mora Budd, apenas para descobrir que Elle chegou primeiro e que a víbora já deu cabo do homem, usando uma mamba negra, uma das serpentes mais venenosas do mundo, cuja peçonha paralisa a vítima matando-a em vinte minutos.


O combate entre Kiddo e Driver dentro do apertado trailer é ainda mais alucinante do que o do primeiro filme entre Uma Thurman e Vivica A. Fox, e não há a menor possibilidade de se desgrudar os olhos da tela um só segundo. A ferocidade das duas loiras e a ânsia de uma superar a outra em combate é digno de nota, e esse é com certeza o grande combate do filme todo. Ambas munidas com espadas Hanzo, o desfecho, no entanto, é inusitado, e a interpretação de Daryl Hannah (mais uma das “falecidas” trazida de volta à vida pelo roteiro bem construído de Tarantino) dá um tom desesperador e claustrofóbico à cena, enquanto ela rasteja desesperada com o olho que lhe restara arrancado pela inimiga (o outro olho já havia sido arrancado pelo Pai Mei).


Com todos os assassinos a serviço de Bill fora de ação, Beatrix está prestes a completar sua vingança, e ela vai até o México em busca do paradeiro de seu ex-amante.





Uma vez em território mexicano, Beatrix se encontra com Esteban Vihaio (Michael Parks), um homem que acolheu Bill como um filho no passado e que é a figura paterna mais próxima dele. Vihaio que é o cafetão de um prostíbulo, lhe dá o endereço de Bill, alegando que o “filho” gostaria que Beatrix o reencontrasse. Decidida a matar Bill, Beatrix vai a seu encontro, e lá descobre que o bebê que ela esperava na época do massacre em Two Pines não só está vivo como também é uma linda menina chamada B.B.


O filme que até então fala de vingança e de pessoas extremamente cruéis, se transforma totalmente com a presença de B.B, e a história ganha um brilho diferente com o tocante reencontro entre Beatrix e sua filha. Bill estivera cuidando da menina todo aquele tempo, e diferente do que todos pudessem pensar, ele mantivera a figura da mãe viva na memória da menina, de forma que B.B a reconhece quando a vê na porta do apartamento.


Por alguns instantes até imaginamos que a vingança foi para as cucuias e que os três viverão felizes para sempre como uma família, mas PORRA!! Bill foi atrás de Kiddo enquanto ela vivia em El Paso e mandou que a espancassem mesmo ela estando grávida. Depois, não satisfeito, matou o homem com o qual ela iria se casar e enfiou uma bala na cabeça da mulher. Seja sincero, você perdoaria algo assim, mesmo sabendo que sua filha sobreviveu a tudo aquilo?





Pois é. Kiddo também não, e a conclusão da história é a execução do título do filme: Beatrix mata Bill utilizando a técnica dos cinco pontos que explodem o coração ensinada por Pai Mei. Fecha-se a cortina e a Noiva pode finalmente descansar em paz, enquanto Beatrix Kiddo cuida de sua filha.





Tarantino costuma tirar leite de pedra com os atores que ele escolhe para interpretar seus personagens, e não é por acaso que ele conseguiu fazer com que Samuel L. Jackson ganhasse a notoriedade que ganhou após Pulp Fiction (se tornando uma espécie de ícone nerd depois disso) e que tirasse John Travolta do ostracismo hollywoodiano em que ele estava enfiado até o talo, dando-lhe o papel de Vincent Vega, o parceiro de Jackson. À partir de então, tanto Jackson (que já era um grande ator) quanto Travolta ganharam novos papeis em diversos filmes de ação e praticamente não pararam mais depois disso, graças a benção de Tarantino.


Se você tem dúvidas sobre o talento de algum ator ou atriz, basta vê-los interpretando um papel de Tarantino que essa dúvida acaba. O texto do cara tira o Robert de Niro ou a Meryl Streep que há na pessoa, e é impressionante ver essas atuações nos filmes “tarantinescos”.





Daryl Hannah é um ótimo exemplo de ressurreição, uma vez que antes de Kill Bill ela só vinha fazendo filmes de pouca expressão ou aqueles pertencentes à sessão água com açúcar. Num repente ela ressurge na pele da terrível Elle Driver, vestida de enfermeira, de tapa-olho e assoviando a infernal The Whistle Song (ou Twisted Nerve).


Daryl convence como uma mulher cruel e que joga sujo (papel que ela nunca tinha feito na vida), e ela funciona como a antagonista de Beatrix Kiddo (física e mentalmente) de forma como possivelmente nenhuma outra funcionaria.O sadismo que ela passa enquanto lê meticulosamente todos os efeitos de uma picada de mamba negra para Budd, vendo-o envenenado a se contorcer no chão, é de arrepiar, sem mencionar seu desespero em ter o segundo olho arrancado por Beatrix no confronto do trailer.
Se Daryl nunca antes havia interpretado uma vilã, provou que sabia como ninguém expor a maldade que havia dentro dela em seu papel.






Michael Madsen é um cara que combina interpretando filhos da puta, e quem está lendo esse post há de concordar comigo se assistiu Cães de Aluguel, na cena em que ele tortura e mutila um policial apenas pelo sadismo da coisa.
Em Kill Bill, Madsen consegue irritar mesmo em silêncio, observando ao redor como quem antevê que o perigo está por perto. As pausas dramáticas em suas falas são perfeitas e sua conversa com Bill, marcando o primeiro encontro entre os dois personagens, enquanto ele fala sobre as razões que Kiddo tem para matar todos eles é excelente. Ele posiciona cada palavra calmamente, pausadamente sem nos causar tédio. Budd, seu personagem, é um homem experiente, alguém que já percorreu caminhos tortuosos na vida e que sabe mais do que ninguém o que é necessário fazer para se viver longe do caminho de pessoas que podem destruí-lo. Mas não é o roteiro que diz isso, e sim a interpretação de Madsen.


Seu monólogo com Beatrix logo que ele criva seu peito com balas de sal é antológico:




BUDD: “Está calminha agora, né?” [APÓS ATIRAR EM BEATRIX]
“Ninguém se garante com duas balas de sal grosso... [RETIRA AS CÁPSULAS DA ARMA]
“...enterradas entre os peitos.”
“Como não tenho...” [PAUSA]
“...peitos... [BUDD ABAIXA PRÓXIMO DE BEATRIX, CAÍDA NO CHÃO]
“... bonitos...” [PAUSA]
“... e grandes como os seus... Nem imagino como essa merda deve doer.”
“Mas também...” [BUDD SACA UMA FACA DA BOTA DE BEATRIX]
“... nem quero imaginar.”

É ou não é um completo filho da puta??





Devo admitir que eu não conhecia o trabalho de David Carradine antes de Kill Bill (sim, eu sou um verme), não sou da época que passava Kung Fu na TV e tudo que sei sobre a série é a célebre frase “pequeno gafanhoto” e que Carradine acabou ganhando o papel de Caine de ninguém menos do que Bruce Lee, que era o outro candidato a protagonista do seriado.


Em Kill Bill Vol. 2, no entanto, o ator que na época tinha 67 anos, fez um de seus mais perfeitos papeis, mesmo sem ter que dar um soco sequer em ninguém. As cenas em que ele aparece são em sua maioria densas e exigem mais de sua interpretação do que suas capacidades físicas, o que por si só, já garante o espetáculo.


Minha cena preferida com Carradine é a que ele dialoga com a pequena B.B (Perla Haney-Jardine) lhe explicando o que acontecera entre seus pais enquanto ela ainda nem era nascida. Pense em quanto seria tenso explicar para sua filha de quatro anos que você foi cruel com a mãe dela e que por raiva acabou metendo uma bala em sua cabeça! Na pele de Bill, Carradine dá um show de interpretação, explicando calmamente para a pequena onde estivera sua mãe durante aquele tempo e como a menina aprendeu a definição de vida e morte ao observar Emílio, o seu peixinho, pouco antes dele morrer. A cena é de uma simplicidade impressionante, e nos vemos transportados para aquela cozinha onde Bill prepara sanduíches cuidadosamente para a filha enquanto dialoga com ela.





Perla Haney-Jardine, atriz que interpreta B.B, é a coisinha mais fofa do mundo, e por várias vezes fiquei imaginando como a pequena conseguiu decorar suas falas e se entrosar tão bem com Carradine e Uma Thurman em cena. A menina passa muita naturalidade, sem demonstrar que tem o texto ensaiado, e o jogo de cintura dos dois atores com ela, aguardando suas falas e agindo como uma família realmente, é de se espantar. Perla atualmente tem 13 anos, e segundo o IMDB ela nasceu no Rio de Janeiro, tem um pai venezuelano e uma mãe norte-americana. Embora não a tenha visto atuar muitas vezes posteriormente (exceto em Homem Aranha 3, onde ela interpreta a filha do Homem Areia) dá pra dizer quase que com certeza que teremos uma ótima atriz com um futuro promissor pela frente. Quem sabe ela não demonstre isso em Kill Bill 3 e 4?

Abaixo a comparação que Bill faz entre Beatrix e o Superman, num das alusões mais nerds da história:




BILL – “Como você sabe sou um grande fã de quadrinhos.”
“Especialmente os de super-heróis.”
“Acho a mitologia dos super-heróis fascinante.”
“Por exemplo, meu herói favorito, o Superman.”
“Não é uma grande HQ nem é bem desenhada.”
“Mas a mitologia... Não só é genial, ela é única.”
BEATRIX – “Quanto tempo essa merda leva para fazer efeito?” [COM UM DARDO COM O SORO DA VERDADE CRAVADO NA PERNA]
BILL – “Uns 2 min. O suficiente pra eu concluir minha ideia.”
“Todo mito de super-herói tem o herói e seu alter ego.”
“Batman é Bruce Wayne.”
“O Homem Aranha é Peter Parker.”
“Quando acorda pela manhã, ele é Peter Parker. Ele precisa pôr um uniforme pra virar o Homem Aranha.”
“E nesse quesito... O Superman se diferencia dos demais. O Superman não virou Superman. Ele nasceu Superman. Quando ele acorda de manhã, ele é o Superman. O alter ego dele é o Clark Kent. Seu uniforme com o “S” vermelho... é o cobertor no qual os Kents enrolaram o bebê quando o acharam. É a roupa dele. O que Kent usa, os óculos, o terno, é um disfarce que o Superman usa para se passar por um de nós. Clark Kent é como o Superman nos vê. E quais são as características de Clark Kent? Ele é fraco... Inseguro... e covarde. Clark Kent é uma crítica do Superman à raça humana. Tipo Beatrix Kiddo e a sra. Tommy Plympton (nome que Beatrix assumiu depois que fugiu grávida de Bill para El Paso)”.
BEATRIX – “Chegamos ao ponto.”
BILL – "Você usaria o nome de Arlene Plympton, mas nasceu Beatrix Kiddo. E todo dia ao acordar, continua sendo Beatrix Kiddo.”





Para interpretar Beatrix Kiddo, Uma Thurman se preparou também fisicamente para o papel, chegando a treinar kung fu de verdade para isso e ensaiar exaustivamente as coreografias de luta antes de cada cena. Uma já tinha trabalhado com Tarantino em Pulp Fiction (onde ela interpreta Mia) e diz a lenda que a ideia para o roteiro de Kill Bill surgiu nessa época. Nos créditos finais do filme aparece que Kill Bill é baseado em roteiro de Q & U, que obviamente quer dizer Quentin & Uma.


A Noiva é provavelmente um dos personagens mais importantes na carreira de Uma Thurman, que depois disso não chegou a emplacar grandes filmes de sucesso. Sua intepretação na pele de Beatrix em algumas cenas beira a excelência, como em seu confronto direto com Bill ao fim da história ou em seu diálogo com Michael Parks, que interpreta o “pai” de Bill. Gosto de Uma como atriz, e boa parte do carisma da personagem vem da própria Thurman, que conduziu brilhantemente sua Noiva, fazendo-nos torcer o tempo todo por ela. Quem aí não vibrou a cada um dos Deadly Viper que ela matava?


Meio magrela para os padrões que costumamos admirar aqui no Brasil e um tanto quanto “normal” de rosto, Uma não chega a ser um mulherão como bem ela é descrita ao longo do filme (pelo cara que a estupra no hospital, por Budd pouco antes de enterrá-la viva ou pelo próprio Bill em diálogo com a filha), mas possui um certo charme e a quantidade certa de carisma para que possamos, sim, admirá-la.


A cena em que ela acorda no hospital e descobre que seu bebê foi tirado dela ou a cena em que ela se reencontra com B.B são comoventes, e ela estava emprestando para Beatrix ali todo seu espírito materno real (Thurman engravidou de seu segundo filho durante as gravações de Kill Bill), o que devemos concordar, trouxe toda a vivacidade necessária para seu personagem.


Embora a sua interpretação dramática seja o foco principal de qualquer crítica a seu papel, Thurman também deve ser reverenciada por sua dedicação física a personagem. Não deve ter sido fácil encarar tantas lutas e confrontos diretos como os existentes no filme sem haver uma grande disposição, e com certeza é dela boa parte do mérito pelo sucesso da Noiva. Talento e competência não lhe faltam e a indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 1994 com Pulp Fiction pode falar por ela.





Vale também a citação aqui a Michael Parks, que assim como Gordon Liu interpretou dois papeis no filme, o do xerife Earl McGraw (o mesmo que ele interpretou em Um Drink no Inferno, filme escrito por Tarantino) e o mexicano Esteban Vihaio.


Em uma cena de interpretação pura, Parks mostra porque é um dos atores preferidos do próprio Quentin, e enquanto conversa com Beatrix, explicando sua relação com Bill e elogiando a beleza da moça, ele nos convence que mesmo com oitenta anos (idade que ele ostenta no filme) ainda é um galanteador capaz de fazer muita mulher feliz (vide a quantidade delas com a qual ele vive no prostíbulo). Eu fiquei convencido que a pipa do vovô ainda sobe, e vocês?





A trilha sonora de Kill Bill é do tipo que fica na sua cabeça por um bom tempo e te faz querer ouvir muitas vezes repetidamente e compulsivamente.
A trilha sonora foi organizada por Robert Rodriguez (que inclusive compôs algumas das músicas), diretor de Um Drink no Inferno, Grindhouse (Planeta Terror), entre outras parcerias com Tarantino, e junta desde composições disco dos anos 70 a temas de western (faroeste) como o irritante e adorável (ao mesmo tempo) The Whistle, o assovio de Elle Driver.


Vale a citação do clássico Don't Let Me Be Misunderstood, música de 1977 e interpretada pela banda Norte-Americana/Francesa Santa Esmeralda, que embala a luta entre Beatrix e O-Ren.


Também na trilha constam sucessos como Malaguena Salerosa (minha música preferida do filme e que toca nos créditos finais enquanto reapresenta o elenco e seus respectivos personagens) tocada pela banda de Robert Rodriguez Chingon, a viciante Woo Hoo da banda japonesa Go-go The 5.6.7.8's e Bang Bang (My Baby Shot Me Down) de Nancy Sinatra que abre o primeiro filme dando o tom que será usado até o fim da película.


A mistura musical eclética da qual Tarantino e Rodriguez bem sabem fazer em seus filmes, pra não variar, funciona com perfeição para Kill Bill, e é impossível não se recordar das cenas dos dois longas ao ouvir a trilha sonora, que claro, eu tenho inteira aqui em casa.


Encerro o post ao som de Malaguena Salerosa . Sobe o som!


NAMASTE!

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