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31 de dezembro de 2020

Reencontro com o passado

Um conto de Natal fora dos padrões.


Estava velho demais para acreditar em Papai Noel, mas naquela madrugada eu roubei uma garrafa de sidra da geladeira, destampei e comecei a beber sozinho no quintal de casa, à espera do tal velho batuta. Ainda dava para ouvir as pessoas do lado de dentro da casa comemorando o Natal. Caía uma garoa fina sobre minha cabeça. O gosto do champanhe de pobre agora se misturava à água que caía da calha velha. Pouco me importava. Nunca tinha sido de beber, não sentia vontade de encher a cara e pouco me atraía por álcool. Gostava de manter minha sanidade... a pouca que tinha me restado naquele ano desgraçado.

Veio como um brilho intenso, amarelo, ofuscante. Ouvi meu cachorro ganindo. Ele levantou-se com dificuldade de sua casinha, andou para perto de mim bamboleando os quadris envelhecidos, sacudiu o pelo branco encardido e ensaiou um latido. Eu tinha acabado de dar um gole na bebida amarga. Olhei para o fundo do quintal. Uma silhueta corpulenta surgiu das sombras, arrastando alguma coisa grande e pesada atrás de si. O cão mais uma vez fez menção de latir, mas ficou olhando com curiosidade a figura que começava a se aproximar da luz de uma lâmpada mal rosqueada num bocal torto sob onde estávamos os dois.

— Foi aqui que pediram uma... — A voz rouca calou-se por um segundo. O homem maciço ajeitou o par de óculos sobre o nariz adunco e leu em um papel amassado: — máquina do tempo?

Me sobressaltei em meu assento improvisado, o degrau onde havia deixado meu corpo cair assim que cheguei ao quintal. Meu cachorro começou a abanar o rabo para o velhinho simpático, e pela primeira vez, percebi que estava na presença do próprio Papai Noel. Havia uma caixa enorme atrás dele, algo em torno de uns dois metros, dois metros e vinte de altura. Ele a tinha arrastado até a luz sem muita dificuldade e só então comecei a reparar em suas vestes. Nada de casaco vermelho, gorro com pompom ou botas para a neve. Parecia mais um daqueles velhos bêbados que encontrávamos aos montes pelas esquinas após a ceia de Natal. Camisa de botão, calça jeans velha e chinelo.

— Tem certeza que é para mim? — Perguntei a ele, deixando a garrafa de lado. Meu cachorro apresentava intenção de descer o degrau, mas é como se ele estivesse avaliando antes se valia o esforço. Parecia que não valia. — Não sei se fui um bom menino esse ano!

Eu ironizei, com um sorriso no rosto. O homem pareceu me avaliar, como se estivesse se certificando de que não errara o endereço. Aquilo seria bem frustrante!

— Temo que seja para você mesmo o presente. Não posso dizer que foi o ano em que esteve mais bem-comportado, mas medi seu merecimento pela média dessa espelunca de país onde você vive. Que bela merda, hein? E que gente mais mal-educada!

Não era o tipo de linguajar que eu esperava de um Papai Noel… mas aquela também não era a aparência que eu imaginava dele!

— Nem lembrava que tinha pedido um presente esse ano!

Ele me olhou meio que infeliz e respondeu de prontidão:

— Pois está aqui! Faça bom uso. Deu um trabalho do cão arrastar essa bosta até seu quintal!

O velho acenou em seguida, ajeitando a calça por cima da pança volumosa. Caminhou de volta até a sombra de onde tinha surgido e desapareceu, desejando um “feliz Natal”.

Eu nunca tinha acreditado em Papai Noel e jamais havia comemorado aquela data tão carregada de tristeza antes daquele ano. O desespero tinha feito eu me apegar a crenças que antes eu considerava insólitas e era curioso que bem daquela vez algum pedido meu tinha sido atendido. Queria estar bem longe dali, num lugar onde não pudesse ser encontrado por mais ninguém e então pedi com toda fé a alguma entidade cósmica que ela permitisse que eu voltasse no tempo para corrigir meus erros. Eu estava cansado demais para sequer desejar continuar dali e então comecei a olhar para trás, para tudo que eu tinha, tudo que eu era e que estava cada vez mais morto dentro de mim.

A máquina do tempo era velha e parecia caindo aos pedaços. Caminhei até a cabine, abri a porta e me enfiei dentro dela. O espaço era apertado, dava para uma pessoa e nada mais. Dei uma última olhada para meu cachorro e agradeci que ele não tivera coragem de descer o degrau para me seguir. Já não tinha mais o mesmo vigor de antes. Estávamos em situação semelhante. Os controles do aparelho não pareciam complexos. Acionei um botão vermelho. Senti a cabine começar a tremular. Pensei numa data em que gostaria de voltar. “Que tal voltar exatos 20 anos... o começo da minha vida adulta? Eu poderia me aconselhar, dizer todos os caminhos que deveria tomar para não acabar como eu estava agora... poderia me dar dicas do que fazer para me tornar alguém melhor, alguém mais importante, alguém mais inteligente… eu poderia voltar para minha infância... revisitar meus brinquedos velhos, a mesa de futebol de botão, os jogos de tabuleiro... eu poderia...”

A máquina brilhou e num estalo eu estava em outra época, no mesmo quintal. Saí cambaleante da cabine e olhei ao redor. As paredes tinham outra cor, a casa estava menos deteriorada, o cheiro das plantas de minha mãe ainda podia ser sentido dali. Dei a volta e alcancei a porta de entrada. Nada era como eu me lembrava. A vizinhança era diferente. A rua era mais calma, havia menos movimento do lado de fora. Meu cachorro ainda não existia. Entrei em casa e tratei de dar uma olhada no calendário... em meu momento de indecisão, a máquina do tempo tinha feito meu trabalho por mim. Eu tinha retornado mais de 20 anos. O meu eu daquele período tinha 14 e o encontrei no quarto lendo um gibi do Homem Aranha. O nosso preferido.

Foi estranho me observar ali da porta, mas tratei de olhar tudo ao redor com mais calma antes de chamar minha atenção. Havia uma cama de solteiro no canto esquerdo da parede, um guarda-roupa velho ao fundo e uma cômoda meio capenga à direita. Entrava uma luz forte do meio-dia pela janela. Me vi debruçado sobre a cama atento às páginas amareladas do gibi. Me lembrava bem. Tinha conseguido num sebo após a aula. Minha mãe tinha dado com muito custo alguns trocados para que eu o comprasse e passei um bom tempo na banca de rua escolhendo o que queria levar. O velho que tomava conta do sebo era do tipo ranzinza, que reclamava se alguém ficava muito tempo folheando as revistas usadas, mas eu sempre dava um jeito de olhar o que tinha dentro. Aquele gibi devia ter uns cinco ou seis anos. Devia ter passado na mão de uns dois ou três donos antes de mim. Era meu preferido.

— Nós já lemos esse mais de dez vezes!

Eu não sabia como chamar minha própria atenção e então dei duas batidas na porta antes de fazer minha voz soar. O meu eu jovem me olhou de olhos arregalados e engoliu em seco. Tinha cabelos crespos bem vastos, caindo por cima das orelhas. O nariz era grande, tinha braços finos, pernas compridas e esqueléticas. Parecia um espantalho. “Agora me lembro porque eu era tão ridicularizado na escola”.

— Quem é você?

O garoto magrelo me perguntou botando o gibi de lado, e de repente, me lembrei que não tinha ensaiado aquele diálogo por tempo suficiente em minha cabeça. Indiquei a cama, já adentrando o quarto e era como se o moleque fosse cair desmaiado a qualquer momento. “Alguém faça um sanduíche para esse garoto! ”.

Eu me sentei a seu lado e percebi que não havia forma mais simples de dizer aquilo. Fui direto:

— Eu sou o seu eu de 2020.

Era fácil perceber algumas semelhanças entre nós dois e notei que o meu eu mais magro ficou a esquadrinhar meu rosto enquanto eu apanhava o gibi sobre a cama e dava uma folheada. Marvel Especial 2. Os maiores combates entre o Homem Aranha e seu arqui-inimigo Duende Verde. A última história do compilado era “A noite em que Gwen Stacy Morreu”... minha preferida.

— Como... como você chegou aqui?

A voz era mais aguda, mais limpa. Naquela época eu alcançava notas maiores, tinha uma afinação diferenciada. Adorava imitar as vozes de desenhos animados, de atores famosos e de cantores. Sabia que não tinha mais aquela capacidade hoje em dia.

— Tenho certeza que você vai acreditar se eu disser que foi de maneira mágica.

Não houve qualquer questionamento. Eu era uma pessoa bem mais razoável naquele tempo.

Embora eu não tivesse planejado muito bem o que iria dizer ao meu eu de 14 anos, algo me induziu a conversar comigo mesmo e dizer bem francamente tudo que tinha nos acontecido nos vinte e tantos anos que nos separavam. Depois de aceitar o fato de que o sujeito calvo, barbudo e meio pançudo à sua frente era sua versão futura, o garoto começou a me fazer perguntas de maneira curiosa.

— Como é o futuro? Existem mesmo carros voadores? A ciência já inventou a cura para todas as doenças?

Eu dei uma risada sarcástica. Olhei bem no fundo daqueles olhos ainda cheios de esperança — eu nem sabia mais como era ser tão inocente — e o trouxe para a minha realidade:

— As pessoas ainda nem aprenderam a andar segurando guarda-chuva sem esbarrar umas nas outras, imagina dirigir carros voadores! — Ele me olhou incrédulo — E nesse exato momento o mundo em 2020 está tentando se recuperar de uma pandemia que em muitos países ainda está matando muita gente.

Havia agora terror em seu rosto.

— Uma pandemia? Então é muito grave!

— Sim. O vírus é chamado de Covid-19, ataca os pulmões, causa dificuldades respiratórias... seríssimo. Só no Brasil já matou mais de 190 mil pessoas.

— Mas ainda não descobriram uma cura? — Ele se ajeitou na cama sentado a meu lado. Estava bastante interessado.

— Ah, sim. Alguns laboratórios já desenvolveram vacinas que tem sido aplicadas em países da Europa e também nos Estados Unidos. Muita gente já tem sido imunizada.

— Mas e no Brasil?

Eu nem sabia como começar a explicar que por conta de uma burocracia burra e por uma falta de planejamento do Ministério da Saúde o Brasil ainda não tinha criado uma estratégia de vacinação. Também era difícil explicar que havia uma vacina sendo desenvolvida em parceria com um laboratório chinês no país, mas que ainda não tinha eficácia comprovada. E como eu ia dizer ao garoto que o próprio Presidente da República estava jogando futebol e minimizando a pandemia — mais de 10 meses depois — enquanto o governo não tinha feito nenhum pedido de vacinas a nenhum dos laboratórios que as estavam disponibilizando em outros lugares do mundo?     

— Mas como vão ficar as pessoas? Por que o Presidente não toma uma atitude?

— As pessoas continuam morrendo nos hospitais e muitas das que não estão doentes ainda, continuam se aglomerando em festas de fim de ano e comemorações com os amigos. O Presidente é o maior exemplo da falta de noção com a periculosidade da doença. Ele é seguido por grande parte dos brasileiros e para essas pessoas, tudo que ele fala é lei. O homem é um negacionista, chamou o Covid-19 de "gripezinha", diz que ninguém deve ser obrigado a se vacinar e não tem pressa nenhuma para que a população comece a ser vacinada. 

— Mas isso é terrível! — Alarmou-se meu eu de 14 anos.

— Nesse momento, em 2020, tem jogador de futebol famoso bancando festinha para mais de 500 pessoas no litoral, ex-BBB se aglomerando com outros famosos em festas clandestinas, vizinhos comemorando Natal e ano novo amontoados e até parentes indo para a praia e postando vários stories como se nada de grave estivesse acontecendo.

Havia confusão no olhar do garoto.

— O que é um “ex-BBB”? E o que significa postar stories”?

— Não se preocupe. Não é nada muito importante.

Eu tinha percebido que aquelas notícias sobre o futuro haviam tirado um pouco do brilho juvenil do rosto do garoto. De repente, eu estava me sentindo meio sádico em apagar de forma tão brusca o sorriso de alguém que ainda tinha uma vida inteira pela frente, mas precisava ser assim. Era necessário um choque de realidade. Ele precisava entender que as coisas tinham que ser diferentes e que somente com uma nova atitude eu teria, quem sabe, a chance de me tornar um adulto feliz, um adulto realizado. Aquele magrelo era a minha melhor chance.

— Mas e nós? Como estamos em 2020, em meio a pandemias, ex-BBBs e stories?

— Nada bem. — Eu dei uma suspirada. Ajeitei minha coluna dolorida e continuei — Nós estamos desempregados nesse momento, nossa última namorada nos deixou e não há qualquer perspectiva de melhora para os próximos meses. Decididamente eu não vejo solução para nossos problemas. Na verdade, eu tenho pensado muito em acabar com tudo de maneira brusca ultimamente... para tentar evitar isso é que estou aqui.

Ele ficou triste. Deu uma olhada rápida para a capa da revistinha em cima da cama. Seus olhos pararam na imagem de Gwen Stacy estatelada no chão enquanto seu namorado Homem Aranha se desespera em pé diante de seu corpo.

— Me fale um pouco sobre essa namorada... o que aconteceu?

Fiz uma pausa. Busquei uma maneira simples de começar a contar.

— Ficamos dois anos juntos. Ela era uma ótima companhia. Inteligente, divertida. Meio mimada também… mas eu gostava disso. Me deu a maior força quando eu mais precisei. Ficou sempre ao meu lado. Começamos a namorar porque um precisava do outro naquele momento. Ela também estava passando por momentos difíceis em sua vida e eu meio que servi de bote salva-vidas em meio a uma tempestade. Depois de algum tempo, toda minha baixa autoestima, minhas inseguranças e minhas paranoias começaram a cobrar o preço e aquilo me afastou dela. Ela jogou na minha cara que eu a estava prendendo, que por minha causa ela não saía mais com os amigos e que não fazia mais as coisas que gostava. Disse também que se sentia na sombra da minha ex-namorada e que eu nunca a tinha superado verdadeiramente.

— E isso é verdade?

— Não totalmente. No começo tinha sido apenas para que eu conseguisse esquecer a ex, mas depois se tornou algo real. Algo forte. Eu gostava verdadeiramente dela, mas eu tinha dificuldades para demonstrar isso. Sempre foi difícil deixar uma pessoa entrar em minha vida, ainda incomodava só de pensar na dor que era perder alguém, vê-la se afastar, ir embora sem olhar para trás... por isso, eu tinha medo em dizer que a amava e que a queria em minha vida para sempre. Eu não queria perdê-la também...   

— Mas não adiantou muito, né?

— Não. No começo do ano ela resolveu terminar tudo. Disse que “nosso ciclo tinha se encerrado” e paramos de nos falar.

— Nunca mais ouviu falar dela?

— Nos falamos algum tempo depois. Ela até me contou que estava grávida...

— Nós temos um filho? — A expressão de felicidade no rosto do garoto foi breve, mas intensa. Outra vez tive que quebrar sua expectativa.

— Não, não temos. — Havia tristeza agora em minha voz. Parecia que um nó tinha apertado minha garganta — Ela me contou algumas semanas depois que tirou o bebê. Passamos três meses juntos sem que ela tivesse coragem de me contar sobre a gravidez e decidiu sozinha que não queria ter a criança. Nós nos encontramos depois e ela me contou toda a história. Disse que um filho àquela altura da vida só a iria atrasar e que ela não tinha qualquer plano de cuidar de uma criança. Eu não tinha como não concordar com ela e embora eu não pudesse mais fazer nada, fiquei algumas semanas depois daquilo apático, sem saber o que pensar. Eu sabia que para ela um bebê não seria algo positivo naquele momento, mas me doeu muito saber que eu tinha perdido um filho — um menino — que eu nem sabia que tinha existido. De alguma forma, aquilo acabou alimentando a minha já costumeira depressão. Eu estava cada dia mais perdido.

O garoto ao meu lado não sabia bem o que dizer. Naquela época eu era extremamente tímido e retraído, era péssimo em comunicação. Eu morria de vergonha da minha aparência, era inseguro com meu corpo e não me achava bom suficiente em nada, embora tirasse boas notas na escola. O trauma de ser ridicularizado nas aulas de educação física, de ser sempre criticado e xingado de “magrelo” haviam criado uma aura de insuficiência ao meu redor, algo que me acompanhou por muitos anos... tentei colocar muito daquilo para fora nas sessões de terapia em 2018, mas havia algo dentro de mim que não podia ser compartilhado com mais ninguém, algo que nem mesmo eu conseguia exprimir e que me fez parar com as visitas ao consultório. Comecei a achar que estava fazendo a psicóloga perder seu tempo comigo e que aquilo que estava quebrado não tinha mais conserto.

— E como ela ficou depois do aborto?

— Não sei. Ela teve alguns problemas de saúde depois, mas ficou bem em seguida. Parei de acompanhá-la, mas soube que arrumou outras pessoas... deve estar fazendo tudo que dizia que não conseguia fazer ao meu lado, sabe? Sendo feliz... não a culpo.

— Então nós estamos sozinhos...?

— Sim. Aliás... como sempre.

Mais uma vez a nuvem de tristeza sobre seus olhos.

— Você e eu não vamos ser muito felizes na parte sentimental, garoto. Acostume-se com isso. Você vai ter a sua primeira namorada aos 17 anos, mas não vai ser nada que dure mais do que algumas semanas... e nada além de beijos. Você vai se iludir com algumas colegas de curso técnico, vai achar que está apaixonado, mas saiba que tudo não vai passar de devaneios seus. A mesma coisa vai acontecer na faculdade, mas aí vai aparecer uma garota que vai arrebatar você. Que vai te fazer sentir coisas que você nunca sentiu antes na vida e que vai te apresentar a um mundo cheio de amor, carinho e prazer. Muito prazer!

Ele pareceu se animar. O brilho nos olhos voltou.

— Vai durar uns dois anos… mas aí ela vai quebrar seu coração e vai te deixar sozinho outra vez. Vai parecer que seu mundo acabou — e por um tempo ele vai mesmo! — vai parecer que nada mais importa, mas um dia você vai se recuperar. Nesse período, o grande amor da sua vida vai ter se casado com outro cara e ter filhos com ele, mas você vai encontrar consolo também nos braços de outras garotas. A maioria, meras companhias para tempos tristes. Outras que vão deixar marcas até hoje impossíveis de apagar… e no final, vamos acabar sozinhos. Como sempre foi.

Comecei a ouvir um som do lado de fora da casa e percebi que minha viagem no tempo estava prestes a acabar. A máquina do tempo estava pronta para voltar para a nossa época.

— Mas e a nossa família? E nossos amigos? Tem tanta coisa que eu ainda quero saber! — Disse o garoto.

— Alguns dos nossos tios partiram dessa existência, mas nossa família está bem. Estão todos se cuidando direitinho em meio a pandemia e ninguém tem cometido excessos. Nossa mãe, nossos irmãos, nossos sobrinhos…

— E nosso pai?

— Esse sumiu no mundo há muito tempo e não temos notícias. Mas quem se importa?

O garoto pareceu espantado.

— E nossos amigos?

— Melhor impossível. A maioria constituiu família, estão bem empregados e felizes. Entre eles tem gerente, engenheiro, professor, tecnólogo... alguns eu não sei direito porque perdemos contato. O isolamento social a que eu e você vamos nos prestar é bem mais profundo, vai além daquele que a pandemia exigiu. Como eu disse… nós estamos sozinhos.

— Mas e a gente? Conseguimos nos formar? Realizamos nosso sonho de ser desenhista pelo menos?

O som do lado de fora agora era mais alto. Dava para sentir as paredes vibrando. A máquina do tempo queria partir.

— Nos formamos sim, mas jamais realizamos o sonho de ser desenhista. Esse sonho ficou para trás junto com um monte de revistas em quadrinhos que acumulamos com o tempo e que agora pegam poeira dentro de um baú velho. Mas não fique triste — fiz uma pausa o encarando — por um tempo vamos trabalhar com algo muito parecido com isso e vai ser um período muito bom da sua vida. Breve, mas bastante intenso.

Eu me levantei da cama. Já era hora de partir. Sentia que não tinha contado nada que valesse realmente a pena para o garoto, mas esperava que aquele bate-papo com meu eu do passado tivesse feito sentido, que aquele garoto pudesse mudar as coisas, que fizesse o rumo da minha vida lamentável se alterar.

— Preciso ir agora. Tem mais alguma coisa que queira saber do futuro?

Ele encarou mais uma vez o gibi sobre a cama e respondeu rapidamente:

— Nós não gostamos mais de quadrinhos? Tudo que as histórias do Homem Aranha nos ensinou ficou no passado?

Abri um sorriso.

— Nós ainda adoramos quadrinhos… mas se prepare que com o passar dos anos eles vão ficar cada dia mais caros! Tente não gastar tanto com eles. — Dei uma risada — A parte boa é que agora os personagens de gibi são populares e vão existir muitos filmes e séries sobre eles para a gente assistir.

— É sério? Vai ter um filme do Homem Aranha?

— Em 2020 já terão sido feitos pelo menos 7 filmes do Aranha!

Os olhos do garoto brilharam mais uma vez. Nada que eu o havia contado antes pareceu mexer tanto com suas emoções.

— A Marvel vai ter um estúdio de cinema próprio e vai levar um monte de super-heróis para a telona. Você vai se emocionar vendo o Hulk protegendo a Betty Ross de um helicóptero, vai chorar vendo o Capitão América gritar "Avante Vingadores" e antes disso, vai se sentir uma criança novamente quando ver o Homem Aranha se balançando pelos prédios numa tela de cinema pela primeira vez. Vai ser algo tão marcante que você nunca mais vai se esquecer!

— Caramba! — Seus olhos tinham ficado marejados de verdade. Eu tinha me esquecido como era ser tão jovem e tão cheio de vida. Aquele garoto era tudo que eu tinha esquecido como ser, e mesmo depois de contar todas as agruras que iríamos encarar nos próximos anos, ainda assim ele ficava emocionado em falar sobre seus personagens de quadrinhos preferidos. Nossa grande fuga da realidade. Nosso único refúgio.

Eu já estava próximo da porta quando mais uma pergunta chegou a meus ouvidos:

— Mas e a DC? Como serão os filmes do Superman, do Batman, do Flash?

Eu não sabia bem como responder aquilo e preferi me abster de uma resposta. Já tinha decepcionado aquele garoto demais por uma hora, ele não precisava saber a verdade.

O meu eu de 14 me acompanhou até o quintal e me viu entrar na máquina do tempo. Antes de me despedir, dei-lhe um último conselho e ele me ouviu com atenção:

— Ah... e nos próximos anos, vê se evita usar muito boné e tome menos banhos quentes. E faça mais exercícios físicos também. Daqui a 20 anos você vai me agradecer!

Uma luz amarelada nos engolfou e a última coisa que vi foi o aceno do garoto magrelo que tinha sido a minha única companhia na última hora. Eu não sei se o havia deixado muito feliz com minha visita, mas voltei para 2020 com a lembrança daquele brilho nos olhos que eu nem sabia mais que um dia havia existido. Quem sabe agora que tinha me reencontrado, eu teria o meu tão esperado final feliz. Quem sabe?

AUTOR DESCONHECIDO  

22 de julho de 2020

Crônica de um romântico idiota


Eu sou aquele amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores...”, já diria o Roberto. É assim que me sinto às vezes nesse mundo tão acelerado onde tudo é tão efêmero e sem sentido. Num dia se está completamente apaixonado por alguém, no instante seguinte você está bloqueado, excluído e quiçá esquecido no Facebook desse mesmo alguém. Bizarro, muito bizarro.
Ser romântico e se entregar a relacionamentos não dava certo, e por isso eu não queria mais namorar. Não estava completamente feliz com minha vida de “passador de rodo”, mas também não queria me envolver seriamente com ninguém pelo simples fato do que isso significa a longo prazo: Uma porção de dores de cabeça e em especial um coração ferido e maltratado. 
Felícia me encontrou assim, ferido e cansado de sofrer. Mais de um ano em uma fossa profunda de onde eu ainda estava aprendendo a sair vagarosamente, cuidando de meu jardim para que as borboletas voltassem a sobrevoar. Afinal, ninguém consegue viver sozinho por tanto tempo... Mesmo que isso signifique ficar com várias pessoas erradas até encontrar a certa. Se é que essa desgraçada existe. 
Deixe-me contar um pouco sobre Felícia.
Nunca a tinha visto antes por ali. A primeira vez se deu quando uma pessoa me apresentou dizendo que ela havia me chamado de chato, sem nem ao menos eu saber de quem se tratava. Com sorriso largo ela me explicou que “não havia dito aquilo” ou que “não era verdade”, sei lá, mas não dei grande importância a isso. Fatos cotidianos em uma profissão em que “conhecemos” muita gente que nem ao menos sabemos o nome. 
Felícia era o nome dela.
Isso vim a saber mais tarde pela mesma pessoa que nos apresentou. Ela tinha algo que me chamava atenção. Não eram os cabelos loiros, nem a roupa que usava... O sorriso. Acho que era o sorriso. Largo, sincero. 
Nosso segundo contato foi quando ela apareceu na porta da sala do trabalho e me pediu em tom meio sussurrante que eu a adicionasse no Facebook. Brinquei que não podia fazer aquilo, pois estávamos proibidos de fazer tal ação na época. Era verdade, tínhamos que evitar contatos excessivos entre funcionários, nada de beijinhos, abraços ou contatos além daqueles necessários, mas algum tempo depois infringi essas regras, e a procurei na Rede Social. Ela estava com uma criança no colo na foto de perfil, dei uma fuçada de leve em seu álbum, em suas postagens e não percebi nada de mais. Nenhum sinal de namorado, ficante, peguete e afins. Sempre começo por essa parte. 
O terceiro contato foi um beijo no ar que ela me mandou através do vidro da mesma sala e que me deixou intrigado. “Hmm, acho que rola um interesse”, pensei eu na ocasião. Mais tarde ela me confessou que não havia, o que me levou a elaborar outra teoria: “Deve fazer com todo mundo então. Nada de especial”. 
Ironia do destino ou não, depois que seu nome já havia se tornado recorrente quando conversava com aquela pessoa que nos apresentou, eu vim a substituir o dito cujo em suas férias trabalhistas, e acabei me tornando mais próximo de Felícia e seus amigos. De uma forma ou de outra, com essa aproximação, ela realmente começou a apresentar interesse (desta vez era, não é possível!). Começamos a conversar pelo Messenger do Facebook cada vez com maior frequência e deixamos de ser estranhos um para o outro. Em certo grau pelo menos. Sem saber, eu estava à procura de uma companheira SIM, embora meu cérebro gritasse “é fria, filho da puta!”, e quanto mais descobria sobre ela, mais me interessava. “Ela gosta de séries e do Homem de Ferro! Porra! Não pode ser algo ruim!”, pensei, e continuei me enganando enquanto me envolvia em conversas cada vez mais reveladoras. 
Uma das primeiras características que descobri sobre Felícia era que ela era extremamente ciumenta e possessiva, algo que também considero um dos meus piores defeitos. Dizem que quem sente ciúmes é porque tem medo de perder aquilo que possui, e pra mim isso sempre rolou como um mantra sagrado, embora eu soubesse que os ciúmes sufocam a pessoa amada a ponto dela não querer mais que você se preocupe com ela. No caso de Felícia, ela deixava explícito, mesmo antes de namorarmos, que não gostava que eu tivesse qualquer contato mínimo que fosse com qualquer outro ser humano do sexo feminino. Apelidinhos a outras meninas então estavam totalmente proibidos, e às vezes eu recorria a certos diminutivos na hora de chamar uma fulana ou outra. Ela mesma eu aprendi cedo a chamar de “”. Achava carinhoso, e imaginava que aquilo nos aproximava. Pelo menos em minha cabeça. 
O fato é que a evolução de nossos papos via Facebook aconteceu naturalmente, seus ciúmes aumentaram e meu interesse por ela também. Na época eu estava de rolo com outra moça que trabalhava na mesma empresa. Não tinha qualquer interesse conjugal com ela, e em minha mente comecei a imaginar se Felícia, por sua vez, daria, quem sabe, uma boa namorada. “Já faz algum tempo, hein, Rodrigo. Ela é divertida, bonita, inteligente e gosta de séries e do Homem de Ferro, quem sabe rola?”. 
Já havia me ferrado muitas vezes em minha vida devido minha sinceridade, mas resolvi jogar logo todas as cartas na mesa com ela. Se Felícia ia se interessar, queria que fosse pelo Rodrigo de verdade, e não um amante latino que eu podia muito bem inventar por mensagens. Ela conhecia meu lado profissional e por mensagens conhecia quem eu era de verdade. E o que sou? Um romântico idiota com a sensibilidade de uma menina de 8 anos que não aprende com os erros. 
Eu vinha de um relacionamento que tinha acabado do nada e que havia me destruído emocionalmente (devido essa minha tolice de sentimentalismo). Contei tudo para ela. O que tinha passado, como me sentia e ela começou a me dar forças a sair daquela posição passiva em que me encontrava. Vários amigos haviam tentado antes, “sai dessa”, “não tem só ela de mulher no mundo”, “sai comendo as piranha tudo”, “dá o troco, engravida outra!”, mas claro que nessas horas palavras entram por um ouvido e saem por outro sem qualquer efeito. Nunca curti conselhos e nem autoajuda. Sempre achei melhor me entregar à depressão. Era mais fácil do que aceitar a realidade de que, enfim, meus amigos estavam certos. Era hora de partir para outra. 
As palavras de Felícia de que “eu era um idiota por achar que nenhum relacionamento mais daria certo apenas porque um foi uma bosta” entraram em minha mente, não porque ela era mais convincente do que meus amigos, mas porque eu achava que ela dizia aquelas coisas porque ela mesma queria ser o agente transformador da minha vida. “Ei, grande imbecil! Eu quero fazer a diferença. Me deixa ser a pessoa que vai mudar sua ideia quanto a relacionamentos!”. E a esperança nasceu novamente.
A segunda etapa de nosso “quase” relacionamento se deu quando ela me apresentou um aplicativo de celular chamado Whatsapp, que eu desconhecia. Quando indaguei de o porquê ela queria que eu instalasse, ela foi curta e grossa: “Vou fazer você se apaixonar por mim!”. Gargalhei por horas daquela observação. Eu estava interessado sim por ela, apesar de seu gosto peculiar por caras de barba e cheios de tatuagens, porém achei graça de sua petulância em dizer que eu iria me apaixonar por ela se conversássemos através do tal aplicativo. Instalei tão logo ela me mostrou o caminho das pedras e de lá pra cá, iniciamos uma forma de contato mais direta e mais simples. Como eu havia usado de sinceridade o tempo todo sobre minhas fraquezas (ignorando o manual do macho que diz que NUNCA devemos expor nossas fraquezas às mulheres), ela talvez tenha pensado o mesmo, e confessou algo que pela primeira vez me fez sentir certo desprezo por ela, algo que até então me parecia improvável. Felícia fumava, e aquela era uma das poucas regras, mas importantes, que eu impunha a mim mesmo na hora de um relacionamento. Fumar era sacanagem. Em minha mente era como se a telinha de Felícia tivesse se apagado na abertura do Big Brother, e depois daquela revelação desconsiderei completamente iniciar qualquer relação com ela. 
Podem me acusar do que quiser. Preconceituoso, frescurento, intolerante. Foda-se. Detesto drogas, cigarros e detesto quem faz uso desse tipo de substância. 
Mas era a Felícia... Minha candidata à namorada. A primeira em muito tempo. 
Dei-lhe uma chance e ela pareceu realmente disposta a largar o “vício” em nome daquilo que eu demonstrava querer com ela. 
Quando veio o primeiro encontro, achei que finalmente a coisa ia engrenar. Me preparei fisicamente e mentalmente para aquilo. Coloquei uma roupa bacana (nem lembro qual!), passei perfume... Mas no final, acabei sendo eu mesmo, nada de personagens. Ao vivo é mais difícil fingir ser outra pessoa. Fomos ao cinema. Ela estava maquiada, bonita, mas seu perfume me incomodou... Suas atitudes também. Dentro do cinema não rolou nada demais. “Ei, é um primeiro encontro! Esperava o que?”. Vimos o filme, comemos pipoca (sem sal) e depois a acompanhei até o ponto de ônibus. Tive a amarga sensação de que eu não a conseguia agradar com meu humor natural. (Sério! Eu não forço pra ser bobo. Eu SOU!). Pelo contrário. Ela parecia detestar tudo que eu falava. Dava cortes secos e às vezes até patadas. Achei desagradável. Foi ali que descobri que além de ciumenta, ela era meio estúpida. Não por querer, talvez, mas me senti meio que acuado. Apenas um pensamento vagava em minha mente... “Como lidar?”. Não havia respostas. 
O primeiro beijo rolou, com direito a mordidas e tudo mais. Foi breve. Esperava mais, mas pra um começo estava bom. Fui pra casa com a sensação de “Hmm... talvez não tenha sido uma boa ideia”, mas depois resolvi insistir. A primeira impressão não era a que ficava.   
Nossos encontros posteriores, sempre difíceis e com aquele clima de “sou casado e minha mulher não pode ficar sabendo” por causa da condição lá da empresa, foram melhorando o clima entre nós. No terraço de um Shopping, com vista a um estacionamento (muito romântico!), no entanto, que conheci Felícia de verdade (ou o que eu pensava ser). As conversas não duravam mais do que três horas, porém os contatos faziam valer a pena. Seus belos olhos negros não fitavam os meus, mas seu abraço aconchegante estava sempre presente. Os beijos rápidos eram característica dela mesmo, não era só uma primeira impressão. Fugia sempre que podia deles. Mas todo o resto era muito bom. Vai saber... de repente eu que beijo mal pra caralho e nunca ninguém havia me dito aquilo! 
Ali naquele terraço aprendemos que também discordávamos muito fácil um do outro, e que ela tinha um lado competitivo muito grande, que a fazia entrar em conflito comigo por qualquer assunto. Eu não sabia se era sua personalidade que era forte demais ou se ela simplesmente era uma teimosa de primeira estirpe, daquelas que não aceitava estar errada em nenhum momento. Sempre tive problemas com capricornianas...  
Foi naquele terraço que também aconteceu uma das coisas que acabou definindo nosso relacionamento, e aquele, segundo ela mesmo, também foi o motivo definitivo que a fez acreditar que eu era o cara certo para ela. Nem estávamos namorando oficialmente ainda (apenas extraoficialmente) e já falávamos de nossos filhos. Decidimos até os nomes dos dois. Bianca e Henrique. 

Nunca soube se ela fez aquilo de caso pensado ou se foi por pura intuição feminina, mas quando ela descreveu a cena mais linda de todas, eu não pude conter as lágrimas que se formaram em meus olhos. Sempre quis ter um filho que eu pudesse doutriná-lo ao caminho da Força e que eu pudesse ensiná-lo que com Grandes Poderes vem Grandes Responsabilidades de maneira que ele acabasse gostando das mesmas coisas que eu, e quando ela descreveu nosso pequeno Henrique correndo para mim sentado no sofá e dizendo que queria ver desenho comigo e que a mamãe não queria deixar, e que esse mesmo menino estava com uma capa presa às costas, tipo um super-herói, aquilo mexeu comigo de uma forma que nunca antes havia acontecido. Eu pensava em ter filhos, mas a mãe desse filho nunca estava clara em minha mente. O fracasso dos demais relacionamentos havia matado esse desejo, e Felícia soube trazê-lo de volta de maneira muito sutil. De repente eu vi em seu rosto a mãe que eu queria dar ao Henrique, e um sentimento inédito me tomou. Ela usou aquela cena mais vezes em nossas conversas, e em todas eu fui às lágrimas. Era aquilo que eu queria. Era Felícia que eu queria. Descobri que ela estava certa. Eu havia me apaixonado por ela... 

PS. - Esse trecho foi tirado de um e-mail antigo que seria enviado para a tal Felícia, mas que nunca foi concluído. Estava perdido nos rascunhos de uma conta antiga do Outlook.
O namoro acabou porque ele começou por um motivo todo errado. Felícia na verdade tinha ficado com "a tal pessoa" mencionada no texto que os tinha apresentado, mas sempre negava isso a Rodrigo, dizendo que "nada a ver". Ela tinha ficado com Rodrigo apenas como uma maneira de fazer ciúmes a tal pessoa — já que todos eram de um mesmo ambiente da empresa — e ao mesmo tempo tentar esquecê-la. Logo, ela mentiu o tempo todo para Rodrigo, que trouxa, acabou se apaixonando de verdade por ela.
Felícia só foi admitir às lágrimas a Rodrigo o caso anterior com a outra pessoa (que era casada e com FILHOS!) no dia em que eles terminaram o namoro, na escadaria da casa dela.
Rodrigo tem a aliança do namoro guardada até hoje... PARA LEMBRAR O QUANTO ELE É UM TREMENDO OTÁRIO!
Enquanto eles ficaram juntos, a tal pessoa fazia vários tipos de picuinhas e inventava um sem número de historinhas para que Rodrigo e Felícia se separassem.
Rodrigo assistiu Man of Steel com Felícia no cinema... E ele chorou vendo a cena em que o pequeno Clark Kent aparece no quintal de casa fazendo pose de herói... com uma capa amarrada nas costas. Isso foi depois da fantasia que Felícia contou a ele sobre o filho deles.
Bem depois do término, por WhatsApp, Felícia falou a Rodrigo em tom agressivo que "por sem quem você é, VOCÊ VAI ACABAR MORRENDO SOZINHO!". Rodrigo teve outros namoros depois dela... Ainda não morreu (até a conclusão desse post), mas está sozinho. Praga de ex pega.
"Felícia" é um nome fictício para ocultar a verdadeira identidade da garota, mas essa é uma história real.
NAMASTE!

27 de março de 2020

Pássaro Noturno - A Corporação Bastidores


No ano em que o Blog do Rodman comemora 10 anos de existência, o Pássaro Noturno está comemorando 25 anos. Não foi por acaso que decidi dar vida aos contos do herói nacional somente agora nessa época de comemorações, mas claro que gostaria de tê-lo feito antes, para que todo mundo pudesse conhecer Henrique Harone e seus incríveis amigos há mais tempo. 

Pássaro Noturno - A Corporação fecha a primeira trilogia que imaginei lááááá em 1995 e coloca o protetor de São Francisco d'Oeste (enfim) frente a frente contra seu principal rival, o magnata Edmundo Bispo



Para os dias atuais eu precisei fazer diversas alterações no que imaginava ser esse confronto final, mas acabei gostando da versão moderna. Na minha cabeça era algo mais épico com batalhas longas e demoradas contra um exército, findando com o desmoronamento do prédio da Xeque Mate, mas conforme ia escrevendo, percebi que isso não ia caber no roteiro. O Edmundo Bispo atual é mais um empresário com muita grana pra gastar do que um super-vilão clássico que dá risadas sarcásticas e parte ele mesmo para cima do herói. Escrevi Bispo mais como alguém inalcançável, por trás de paredes e mais paredes de burocracia, advogados e dinheiro do que alguém que dá para pular em cima e cobrir de porrada, e achei que assim fiz mais justiça ao que são os verdadeiros inimigos da sociedade atual.



Quanto ao Henrique Harone, o que muda nele nesse novo conto?



Bem, ele ainda é só um moleque de 15 anos com recursos tecnológicos, que erra e acaba sendo obrigado a aprender com esses erros, mas há uma grande evolução no personagem que vimos lá no primeiro conto. Cuidei para que sua evolução não fosse só física, como ele pensava no segundo conto, e ao final de "A Corporação" temos vislumbres do que o Pássaro Noturno vai se tornar no futuro, quando então ele se une a Legião Nacional (a equipe de super-heróis brasileiros que já tenho desenvolvida, mas não publicada).



O treinamento físico pesado que Henrique, Ricardo e Antônio fazem com Sebá mostra resultados nesse novo capítulo e embora nenhum deles possa ser considerado um mestre em artes marciais - algo que seria forçado até mesmo dentro do universo de super-heróis - eles começam a se virar melhor contra adversários físicos. Pelo menos bem melhor do que no desastre que foi sua primeira missão em campo no penúltimo capítulo de "Ataque Triplo". 

A escolha pelo uso do Fei Hok Phai surgiu quando escrevi um conto que já mostrava o futuro do Pássaro Noturno, já ao lado da Legião Nacional, e assim, decidi manter a existência dessa arte marcial em sua origem. Pelo que estudei, essa variação de Kung Fu foi difundida pelo Mestre Lope e adaptada no Brasil - possui até hoje uma academia na região de Santo André - e fez ainda mais sentido ser algo que Sebá, um capoeirista baiano, também dominasse, além da arte marcial de origem africana. À princípio, parece uma mistureba louca, mas não vi qualquer problema em tornar isso um elemento importante da origem do herói noturno. 



O traje de Pássaro Noturno também passa por uma modificação em A Corporação, ainda em consonância com o que acabei falando antes sobre o poder de adaptação de Henrique ao que ele necessite em campo de batalha. O capuz fechado e o sistema de refrigeração interna no uniforme acabam atendendo uma necessidade que ele observou quando enfrentou a gangue de Gerônimo Falcão. A máscara aberta no queixo (estilo "Demolidor") além de deixar visível sua boca, o deixava vulnerável a fumaça e gases letais, o que o levou a vedar a entrada e ainda instalar um sistema de refrigeração e um respirador, tudo possível graças ao CAD (seu supercomputador) e os equipamentos que materializam seus projetos (no caso seu "Sarcófago" e sua Matriz de Impressão). 

Como Henrique destaca no texto, esse é seu quarto traje fabricado, sendo que o primeiro era apenas um protótipo nunca utilizado, o segundo foi o que ele utilizou ao cair do alto do prédio da Xeque Mate (em Origens) e o terceiro foi o que ele usou em Ataque Triplo



Em seu arsenal, Pássaro Noturno trocou as estrelas ninja que usou contra os capangas de "Belo" Falcão por boleadeiras e apresentou pela primeira vez seus discos metálicos de arremesso, armas que permitem que ele ataque seus adversários à distância. A Corporação marca também a estreia do Imã, sistema magnético capaz de disparar um campo que pode repelir um alvo de 80 kg pela distância de 10 metros com a força de até 7840 Joules (juro que fiz até um cálculo para chegar a esse valor, para tornar o equipamento mais verossímil! Desculpe se errei algo, professores de Física!). Como tinha destacado no primeiro post sobre meus contos, o Imã é a arma mais eficaz guardada no cinturão de Pássaro Noturno, e seu uso salva a vida do herói em mais de um caso nesse novo conto. 



Ferina

A adição da Ferina ao "Clube dos Otários" formada por Henrique, Ricardo e Antônio era só uma questão de tempo, já que ela vinha sendo rascunhada desde o primeiro conto e desde sempre em minha mente. Para quem achou uma surpresa que os perdedores do Ensino Fundamental conseguissem recrutar uma menina para seu clube de heróis, a meu ver, nunca foi algo distante de acontecer. Nos primórdios da criação do Pássaro Noturno sempre houve uma Ferina, o único ponto inédito foi sua origem, que desenvolvi inteira agora que tive essa chance. Como era costume naquela época - os anos 90 -, a Ferina era só uma parceirinha do herói forte e inteligente, e admito que ela era mais rasa que um prato. Eu nunca tinha pensado em aprofundar ela ou lhe dar uma origem, algo que senti necessidade agora.



Silmara Santoro foi apresentada logo no primeiro conto do Pássaro Noturno e ela foi o grande elemento de virada na vida de Henrique Harone, já que foi ela que deu algum propósito ao garoto. "Eu tenho um supercomputador embaixo da minha garagem e ele me dá vantagens técnicas. Vou me vestir de pássaro e sair por aí a noite". Esse era o Henrique Harone antes de se deparar com a realidade dura de Silmara e ver que as injustiças sociais estavam mais aprofundadas em sua cidade do que ele imaginava. Além dela inspirar seu codinome heroico, a garota serviu como um despertador da consciência de Henrique, que passou a ter um objetivo a cumprir depois disso. O problema de São Francisco d'Oeste não era somente um bando de aviõezinhos entregando drogas na calada da noite. A questão era imensamente maior e chegava aos altos escalões da cidade, passando pela prefeitura, fórum de justiça, delegacia e até mesmo a imprensa. Isso tudo enquanto a parcela mais pobre de São Francisco continuava sem acesso a serviços básicos de saneamento, saúde, informação e educação. Assim como no mundo real - e naquela música Bom Xibom Xibom Bombom - os ricos ficavam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, sem esquecer que a imprensa continuava noticiando apenas a evolução tecnológica pela qual a cidade passava, oferecida pelo "ilibado" empresário Edmundo Bispo. 



Silmara era uma garota marcada pela violência que passou nas mãos de "Belo" Falcão e seus capangas em sua infância e diferente de Henrique, ela entendia como funcionava o submundo do crime por estar em meio a ele desde pequena. Quando ela se junta a Pássaro Noturno, Thunderwing e Espião Negro, ela dá uma vantagem imprescindível ao time dos heróis, voltando a torná-los necessários na batalha contra a Corporação, após a derrota sofrida ao final de Ataque Triplo



Em minha mente, a Ferina (antes "Felina") era só uma cópia sem graça da Mulher Gato (ou da Gata Negra, com a qual eu tinha mais familiaridade), mas as mudanças a que me propus fazer com aquela que seria uma das personagens mais importantes de A Corporação exigia um pouco mais de esmero da minha parte. Para evitar novos problemas com direitos autorais (uma vez que já existe uma Felina na Marvel), modifiquei seu nome para Ferina e decidi deixar de lado seu visual de "gatinha" para algo que remetesse não só ao felinos como também a aves de rapina (nada a ver com o grupo da DC, estou falando de pássaros). Assim, a persona heroica de Silmara deixou de ser uma espécie de Hello Kitty das trevas para algo mais perto de uma coruja, ou pássaro noturno. 


Visual anterior de Hello Kitty das trevas e o atual

Seja como for, Silmara não queria sair voando por aí como seus colegas de equipe. Sua ideia era mais possuir uma identidade que a permitisse agir na encolha e usar força física somente  quando fosse necessário. O traje camuflado que a torna invisível por alguns minutos foi uma ideia que criei direto para A Corporação e que eu nunca tinha pensado antes. Como funcionava para sua primeira missão em campo, decidi incrementar, embora não fosse uma ideia sua e sim um projeto que já existia nos bancos de dados do CAD. O soco inglês elétrico era uma escolha óbvia como sua arma primária, já que ela não tinha qualquer treinamento em arte marcial e precisava sair na porrada de vez em quando. 



A parte mais divertida em escrever Pássaro Noturno - A Corporação foi a possibilidade de desenvolver melhor os personagens que antes eram só ecos em minha mente e que nunca antes tinham sido usados de verdade. Não tem como dizer que isso não foi satisfatório. Toda a construção ao redor dos personagens centrais também foi um grande desafio e me levou a fazer uso do Evernote para anotações diversas, ligações entre cenários, personagens coadjuvantes, pesquisas e a subdivisão de capítulos desde Ataque Triplo. Sem essas anotações prévias, eu teria me perdido feio no meio da narrativa e o Evernote me ajudou a manter tudo minimamente organizado para contar a história. 



Realmente não dá mais vontade de parar de expandir esse universo a cada nova ideia que vai surgindo, mas assim como todo filho, chega uma hora que somos obrigados a deixá-lo partir e ganhar suas próprias asas.

Nesse período difícil que o mundo vem vivendo devido a pandemia da Covid-19, é quase egoísta falar de criações e personagens fictícios, esperando que as pessoas se divirtam lendo algo assim, mas se você não tiver nada mais importante para fazer, eu gostaria que pudesse ler e curtir o novo conto que já está DE GRAÇA lá no Wattpad. Não é financiamento coletivo, não é Kindle, Amazon nem nada disso, você só precisa ter um navegador da internet para ler.

Mas Rodman, eu nem sei do que você está falando. Eu não li os outros capítulos!

Tudo bem, jovem padawan perdido. Os dois capítulos anteriores também estão disponíveis DE GRAÇA na plataforma Wattpad. Comece por Pássaro Noturno - Origens:



Depois leia Pássaro Noturno - Ataque Triplo



E finalize a trilogia com Pássaro Noturno - A Corporação.



Eu queria poder preparar um projeto gráfico mais elaborado e mais bem cuidado com ilustrações e imagens, mas o Wattpad não permite esse tipo de tratamento. Por isso, deixo disponível para download a versão em PDF que pode ser lida com alguns extras em tablet, celular ou qualquer outro sistema tecnológico do século XXI.          

Para download, Clique aqui!

Espero que gostem e não esqueçam de dar aquele incentivo seguindo o autor lá no Wattpad, curtindo as postagens e claro, votando nos capítulos. Se cuidem! Lavem bem as mãos, evitem aglomerações desnecessárias e 

NAMASTE! 

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