O ano era 1999, e lá estava eu numa sessão matinê de cinema,
antes do horário da escola para ver um Star Wars pela primeira vez em tela
grande. A Ameaça Fantasma havia acabado de estrear, e aquele filme trazia de
volta um clima de aventura e ficção que não se via desde 1983, ano em que O
Retorno de Jedi aportou nos cinemas, encerrando aquela trilogia clássica criada
por George Lucas. Ninguém sabia o que esperar de A Ameaça Fantasma, apenas que
ele contaria uma história dos primórdios de Uma Nova Esperança, na época em que
Darth Vader ainda era só o Anakin Skywalker, um pequeno escravo que vivia em
Tatooine junto da mãe.
A minha situação?
Eu NUNCA havia assistido um Star Wars antes disso, tudo o
que eu tinha eram alguns flashes de memória de um cara grande vestido uma
armadura preta e que em algum momento havia cortado a mão de um outro cara
loiro com uma “espada laser”, mas além disso, tudo o que eu sabia era o que
havia lido em jornais que foram publicados na época falando sobre o que
significava Star Wars para a cultura pop. Tatooine, Skywalker, sabres de luz...
Tudo isso não passava de nomes para mim, sem significado algum. E então a magia
me capturou!
Quem é fã desde sempre DETESTA a chamada “trilogia nova”,
essa iniciada em 1999, mas para mim, mesmo hoje sabendo da qualidade inferior
dos três filmes com relação aos da trilogia clássica, foi ali que tudo começou.
Eu estava numa sessão em que deviam ter mais umas cinco ou seis pessoas
ocupando os demais lugares, e até o final do filme eu estava SOZINHO no cinema,
curtindo cada cena, cada momento da aventura daqueles jedis e daqueles seres de
outro mundo (ou outros mundos). Eu não ia ao cinema desde 1994, quando vi Rei Leão pela primeira vez, e a magia de Star Wars me capturou de uma forma muito
precisa, me fazendo querer saber mais sobre aquele universo e aqueles
personagens.
Numa época em que DVDs ainda nem existiam e que fitas cassetes
eram caras, me contentei em esperar o SBT reprisar os três primeiros filmes já
remasterizados e com uma nova dublagem que colocava, por exemplo, Guilherme
Briggs no lugar de Francisco Milani para dar voz ao mercenário Han Solo vivido
por Harrison Ford. Esses filmes que passaram no SBT já faziam parte da
restauração feita por George Lucas em comemoração aos vinte anos da saga, e
incluíam cenas digitais (como a cena em que Han encontra o Jabba) e novos
cortes como “Greedo atirou primeiro”.
Dali pra frente eu me tornei um fã incondicional da saga
estelar, e não parei mais de acompanhar cada filme que era lançado ou novidade
que surgia a respeito de Star Wars. Tinha muita vontade de saber mais sobre o
universo expandido e seus livros, e me lembro que uma das primeiras vezes que
tive acesso a Internet, corri para colher textos que falavam sobre esse
universo expandido, e o que havia além da morte do Imperador e de Darth Vader.
Quando o episódio III acabou, senti um vazio imenso com relação à saga, e as
palavras de George Lucas “esse é o último filme” me fizeram acreditar que Star
Wars estava acabado para sempre e que nada novo com relação a filmes seria
criado dali para frente. Então veio a Disney, e todos se regozijaram.
O DESPERTAR DA FORÇA
Sempre achei injusta a expressão “Star Wars só fica bom
quando sai das mãos do George Lucas”, até porque, querendo ou não, o papudinho
barbudo era o grande criador da porra toda. Como ele podia não saber o que
estava fazendo se ELE HAVIA INVENTADO todo aquele universo do qual éramos fãs?
Ele havia criado um dos vilões mais épicos de todos os tempos, ele havia
desenvolvido a arma “mais elegante” do cinema (ou vai dizer que você nunca quis
ter um sabre de luz??), o conceito de planetas, de uma guerra entre República e
Império, entre a Força e o Lado Sombrio... Além disso, ele criou os personagens
mais carismáticos de todos os tempos. Han Solo, Chewbacca, RD-D2, C3-PO... Até
mesmo Luke Skywalker, interpretado por Mark Hamill, que era um ator BEM RUIM na
época, tinha seus momentos, e sempre achei bem injusto a forma como começaram
acusar Lucas de ser o grande “merdeiro” por trás da nova trilogia. Desde a
escolha do elenco até algumas decisões equivocadas (Midi-Chlorian?? Jar-Jar
Binks?) Lucas errou muito nos episódios I, II e III, porém isso não podia
apagar os méritos que ele havia conquistado com os episódios IV, V e VI.
Logo que a Disney comprou os direitos da franquia e todos os
estúdios (Rancho Skywalker e a ILM) de George Lucas, e anunciou que colocaria
J.J. Abrams à frente do filme, o mundo Nerd entrou em polvorosa, e durante os
últimos três anos não se falou em outra coisa além de Star Wars. A marca se
mostrou tão forte que revitalizou todos os setores em que ela podia ser
utilizada, e se você não vive em Marte ou em algum planeta da Orla Exterior,
deve ter notado o aumento do termo “Star Wars” em tudo que envolve séries,
jogos e brinquedos.
É gostoso viver em uma época em que TODO MUNDO sabe o que é
Star Wars, ou que pelo menos já tenha ouvido falar. Até quem nunca tinha visto
nenhum dos seis filmes anteriores entrou no Hype de O Despertar da Força e o
filme funcionou como um imenso catalisador, já que pegou os novatos, os velhotes
e até mesmo quem só vai ao cinema de vez em quando pra ver “qualquer coisa”.
J.J. e sua equipe, conseguiram fazer um filme grandioso que homenageia a
trilogia clássica, nos faz esquecer da “nova” e isso sem esquecer de apresentar
elementos novos que vão compor o futuro da saga. Está tudo lá em um pouco mais
de duas horas, e nas duas sessões em que vi o filme, não havia um lugar vazio
sequer. O público queria ver, afinal, que furdunço era esse aí de que tanto
falavam.
OS PERSONAGENS
J.J. Abrams sabia que para conquistar vários públicos
distintos ele precisaria mesclar o velho com o novo, e com relação aos
personagens isso funcionou MUITO BEM. Os fãs antigos bateram palmas quando Han
Solo (Harrison Ford) e Chewie (Peter Mayhew) entraram em cena, dentro da
Millenium Falcon que acabara de ser recuperada depois de anos perdida, e
ouviu-se interjeições de felicidade quando os androides R2-D2 e C3-PO (Anthony
Daniels) voltaram a aparecer, mesmo que por pouco tempo em cena. A mesma coisa
aconteceu no reencontro de Leia Organa (Carrie Fisher) e Han Solo depois de
anos separados, e até mesmo o fan-service de J.J. que mostrou objetos da
trilogia clássica, como a esfera de treinamento do Luke no Episódio IV e o
xadrez de monstros holográficos do Chewie serviu para alegrar os fãs mais
velhos. Nós precisávamos dessa ligação com a trilogia clássica para saber que
Star Wars estava de volta, mas ao mesmo tempo precisávamos de coisas novas. O
que viria dali pra frente?
A introdução dos protagonistas foi certeira, e em vinte
minutos de filme não tinha um ser humano na plateia que não estava torcendo
efusivamente pelo stormtrooper FN-2187 (John Boyega) e pela catadora de lixo de
Jakku Rey (Daisy Ridley) ou que não tivesse lamentando a “morte” do carismático
piloto Poe Dameron (Oscar Isaac).
Diferente de Hayden Christensen que era um
protagonista horrível nos episódios II e III, e do qual mais sentíamos ódio do
que amor, Finn, Rey e Dameron criaram empatia com o público logo em sua
primeira aparição. Eles eram personagens que nos contavam muito mesmo em
silêncio, e isso fez com que criássemos ligações afetivas com eles. Antes mesmo
de Finn tirar seu capacete, nós sabíamos que ele não queria fazer parte
daquilo, e que ele era um cara diferente daqueles soldados vestindo armadura
branca e que seguiam ordens sem pestanejar. Já Rey, não há como não nos
comovermos com aquela situação em que ela vive, num planeta deserto tendo que
trabalhar arduamente para garantir a “meia porção” que vai alimentá-la naquele
dia. Fazia tempo que eu não via personagens tão bem construídos em um filme de
aventura, e muito disso se deve também ao elenco.
À vontade em seus papeis, tanto Daisy Ridley quanto John
Boyega agarraram sua oportunidade em dar as caras em uma produção gigantesca
quanto Star Wars e não soltaram, dando veracidade a seus personagens. Apesar de
ser um desertor que precisa fugir de sua antiga vida (a única que ele conhece)
a todo custo, Finn não se restringe a ser um personagem dramático, e graças ao
talento de Boyega, o personagem ganha uma personalidade única, que nos faz
vê-lo como a nós mesmos dentro da tela, soltando um “uhuuu” no interior de uma
Tie-Fighter ou soltando uma piada ocasional disfarçada de comentário sério.
Muito se questionou sobre o fato de Finn ser um protagonista negro em meio ao
universo caucasiano criado por George Lucas, mas se você está imerso na
aventura desde o início, e preocupado com a história, não faz qualquer
diferença o personagem ser branco, negro ou azul. Finn não é um “personagem
negro” interpretado por um “ator negro” e sim um personagem interpretado por um
ator negro que merece todos os méritos pelo carisma de seu FN-2187.
O sotaque britânico de Daisy Ridley dá um charme a mais a
sua Rey, e nos remete a outros atores ingleses que deram vida a personagens das
trilogias anteriores. Ridley demonstra logo que não é só uma menina bonita, e
sua personagem mesmo sem qualquer fala nos primeiros minutos em que aparece nos
convence de o quanto é batalhadora e corajosa, vivendo em um planeta inóspito e
árido. Ao mesmo tempo em que sua vida parece ser dura, ela continua
demonstrando ter esperança quanto à volta dos familiares que a deixaram ali
para ser cuidada por um dono de ferro-velho, e embora seja uma “mulher” sozinha
num mundo de machões, ela consegue se virar muito bem, cuidando do próprio
nariz (e quebrando o dos outros!).
Ainnn Rodman! Uma protagonista mulher que só está ali para
preencher cotas!
Sério, gente! O mundo se tornou um lugar muito chato de se
viver. Quem foi o filho da puta que foi assistir O Despertar da Força e se
incomodou com o fato da protagonista ser uma menina? Ou que ficou torcendo
CONTRA ela por ela ter uma pepeca em vez de uma piroca?
Pelamor de Odin!
Rey é uma das personagens femininas mais bem construídas da
saga Star Wars inteira, e não falo só por ela ser “corajosa e impetuosa”, até
porque Leia e Amidala também eram e possuíam a profundidade de um pires! Ela
conquista seu espaço com pouquíssimo tempo em tela, e não só nos faz torcer por
ela como nos faz acreditar que ela MEREÇA segurar a lightsaber de Luke
Skywalker no final do filme. Rey com certeza terá um futuro brilhante nos dois
próximos filmes que vão fechar mais essa trilogia, e não tenho dúvidas que por
muito tempo ela vai ser a PRINCIPAL heroína do cinema, servindo de exemplo para
gerações e gerações de meninas que vão poder se espelhar nela assim como nós
meninos crescemos mirando no exemplo de Luke Skywalker.
E o BB-8, hein?
Eu achei que seria impossível substituir em nossos corações
o bom e velho R2-D2, mas depois de ver o pequeno BB-8 rolando pela tela cheio
de personalidade, eu devo admitir que fiquei dividido. É impressionante como a
magia do cinema consegue imprimir tanto carisma em uma personagem que é uma
bola metálica e que não tem expressão facial. Durante todos os momentos fiquei
me lembrando de Wall-E, o primeiro robô que me fez chorar aos soluços no
cinema, e BB-8 foi tão bem construído que por diversos momentos vi o cinema
entoar um “Oooiiiinnnnnnn” em uníssono quando o pequeno robozinho aparecia em
cena. Além de ser muito importante para a trama inicial do filme (já que ele
esconde dentro de si o pedaço de um mapa que vai conduzir a Resistência até o
paradeiro do desaparecido Luke Skywalker), BB-8 é o personagem mais fofo do filme,
ainda mais quando ele parece ter uma verdadeira devoção ao R2-D2 que está
desativado desde a partida de seu mestre Skywalker. Devo confessar que não
gostava da ideia de ter um substituto do “Arthur” na nova trilogia, mas com o
desenrolar da história faz sentido que outro robô faça parte da aventura, já
que R2 está desativado.
A AÇÃO
Uma das primeiras dicas que dou, se é que você ainda não viu
o filme, é: Veja em IMAX!
Depois que conheci a reprodução em IMAX nunca mais achei qualquer
graça no 3D tradicional, e não consegui ter qualquer imersão no filme da
primeira vez que o assisti. A direção de J.J. é precisa no quesito “te colocar
dentro da ação”, e é impressionante o quanto o IMAX potencializa essa
característica.
Em vários momentos me senti fugindo das explosões causadas
pelos Tie-Fighters e voando junto com as X-Wings, isso porque as cenas te
colocam DENTRO do filme pela forma como J.J. optou filmá-las. Um dos grandes
problemas da trilogia “nova” de George Lucas foi exagerar no CGI e ser incapaz
de gravar qualquer cena, por mais simples que fosse, SEM a muleta dos efeitos
digitais. Revendo os três filmes, dá pra notar que o velho Lucas colocou CGI
até mesmo em lutas que podiam ser apenas coreografadas com atores reais, isso
sem falar na imensidão dos cenários de chroma-key que tornaram os filmes
datados e falsos ao extremo. Nesse sentido, Abrams ganhou vários pontos,
aumentando as cenas com efeitos práticos e em locações reais, que não nos davam
aquela sensação de “cacete! Que bagulho falso!”.
Pensando por alguns minutos, consigo pensar em pelo menos
uma cinco ou seis cenas impactantes de o Despertar da Força em que o cenário é
real e em que as lutas e batalhas foram filmadas em lugares que existem de
verdade. Aposto que você também pode fazer esse exercício.
Sem as firulas de saltos exagerados que pareciam cutscenes
de videogame, as lutas com sabres de luz remeteram diretamente aos episódios
IV, V e VI, algo mais grosseiro, com menos técnica, mas que se assemelham mais
a uma batalha de “espadas” realista.
E fazia sentido, já que nenhum dos
protagonistas era um exímio jedi ou velhos experientes no uso da Força...
Exceto, o vilão do filme Kylo Ren!
PROBLEMAS DO FILME
Não é a primeira vez que o vilão do filme consegue estragar
quase que por completo uma história esse ano, e senti que Vingadores e o Homem
Formiga padeceram do mesmo mal, colocando inimigos fracos diante de heróis tão
mais carismáticos. Kylo Ren (Adam Driver) é um vilão medíocre, e as coisas só
pioram quando ele decide tirar seu elmo diante de Rey, procurando de alguma
forma... Hã... Assustá-la com sua feiura???
OK. Digam o quanto quiser que ele ainda é um vilão em
formação e que os sentimentos contrastantes com relação a Luz e o Lado Sombrio
o fazem se comportar feito um adolescente mimizento (o que de fato ele é!), mas
seja como for, é difícil engolir que um dos maiores anti-heróis da história do
cinema tenha perecido pelas mãos desse bosta!
Seu comportamento durante o filme todo só me faz pensar que
se Leia e Han tivessem dado uma boa surra nesse merdinha quando ele era menor
teria resolvido à maioria de seus problemas. Ele começa o filme muito bem,
comandando a missão mais sangrenta que já vi um grupo de stormtrooper
participar, matando aldeões a rodo e sem qualquer remorso, e nos primeiros
minutos acreditamos fielmente que aquele cara imponente vestindo preto e
falando com voz eletrônica é REALMENTE digno da herança de Darth Vader. A imponência
vai pra vala, no entanto, quando ele decide tirar o capacete e demonstrar o
quanto ele é só um moleque birrento que odeia os pais sem qualquer razão
aparente. O Anakin pelo menos tinha uma razão pra ser um cara revoltado!
O fato dele levar uma surra da Rey no final da história não
o deixa em melhor situação, já que ao contrário dela, ele tinha treinamento
jedi há muito mais tempo, com o agravante de ter cedido ao lado negro, o que o
deixa MUITO MAIS overpower. O que explica o fato dele ter sido deixado no chão
por uma aspirante a Miss-Gari sem treinamento jedi? Apenas o ódio pelo qual
todos os espectadores estavam sentindo dele pelo que tinha aprontado minutos
antes na cena da ponte?
Outro grande problema do filme foi o péssimo aproveitamento da tão badalada Capitã Phasma, interpretada por Gwendoline Christie, a Brienne de Game of Thrones. A personagem apareceu em tudo quanto foi poster, fazendo pose de quem ia mandar na porra toda e tudo que ela fez no filme inteiro foi dar um esporro em Finn por ele ter esquecido a bandoleira da arma tirado o capacete. Não participou de nenhuma batalha, não foi decisiva em nenhum momento e ainda entregou a rapadura para que Han e Finn exprudissem a Starkiller. Qual foi a importância dela mesmo para o roteiro?
Como era de se esperar de uma primeira parte de uma trilogia,
O Despertar da Força deixou várias pontas soltas que serão respondidas nos
próximos filmes (esperamos!), e uma delas é, quem afinal é o Supremo Senhor
Fodão Snoke (Andy Serkis), que aparece em projeções holográficas comandando as
ações de Kylo Ren e do General Hux (Domhnall Gleeson). Pouco sabemos do que
aconteceu entre o vácuo do episódio VI e o VII, e esperamos ávidamente por
respostas que digam o que Diabos aconteceu na Academia Jedi fundada por Luke, o
que Snoke tem a ver com isso e como ele conseguiu fundar a Primeira Ordem com o
poder bélico suficiente para criar a Starkiller, a irmã anabolizada da Estrela
da Morte.
Já foi complicado esperar 10 anos desde o final de A
Vingança dos Sith até que alguém resolvesse fazer outro Star Wars, e agora que
gostamos do resultado de O Despertar da Força, nos parece meio incômodo ter que
esperar até 2017 para que parte destas perguntas sejam respondidas. Mas o que
há se fazer, não é mesmo?
NOTA: 8,5
QUE A FORÇA ESTEJA COM VOCÊ!