4 de abril de 2011

VIPS

Domingão. Eu estava praticamente acordado à 24 horas depois de ter ido a uma festa que acabou por volta das 4 da manhã. Dancei, bebi, me diverti. Estava a fim da minha cama, mas chegando em casa encontrei visitas indesejadas, o que me fez cair na estrada de novo.

Meio que sem rumo decidi ir ao cinema apenas com uma leve ideia do que queria ver (não havia consultado o roteiro de filmes em cartaz). Fiquei um bom tempo de olho no painel do Cinemark procurando um filme decente e um horário aceitável que não me fizesse esperar mais de duas horas pela próxima sessão. As opções eram poucas (sempre descarto os dramas, animações e filmes com títulos desconhecidos) e após ler a sinopse num dos folders do cinema, me decidi por VIPS, filme nacional protagonizado por Wagner Moura. Por que não, pensei. Comprei o ingresso fiz algumas compras na Saraiva logo em frente e e fui para a sala depois. Nada poderia ser pior do que ficar em casa com as visitas inoportunas.

O que posso dizer sobre o filme de antemão, de forma que prenda sua atenção para o resto da leitura é que Wagner Moura mais uma vez rouba todas as atenções em cena com sua atuação primorosa. E olhe que dessa vez ele não representa apenas um papel em cena, mas vários. O filme dirigido por Toniko Melo (que entre outras coisas já dirigiu episódios da série Som & Fúria para a Globo em parceria com a produtora O2 Filmes) conta a história de Marcelo (Moura), um rapaz que possui um único intuito na vida: Ter o reconhecimento do próprio pai.

Com uma meta na cabeça e um talento especial para se fazer passar por outras pessoas (todas mais interessantes que ele mesmo), Marcelo decide um dia sair de casa e ir em busca de seus sonhos, deixando a mãe Sílvia(Gisele Fróes) sem saber de seu paradeiro. A partir de então, seguindo seu sonho de ser um piloto (assim como o pai) e viajar o mundo, Marcelo ruma para o Mato Grosso após conseguir uma passagem de forma bem sagaz (ele se finge de um sobrinho do dono da companhia de ônibus), e lá, na região Centro-Oeste do país começam suas aventuras.

A primeira passagem marcante que avisa o espectador de que Marcelo já é um segundo personagem é o corte de cabelo, que se transforma de liso para ondulado. O rapaz meio tímido e quieto também já está mais falante e mais safo, e embora ainda não tenha se tornado um piloto, já está bem mais próximo dos aviões que tanto venera, trabalhando num aero-clube e aprendendo a voar com um piloto mais experiente.


O filme faz com que nos apeguemos ao personagem de Wagner Moura de tal forma que em pouco tempo (em especial depois que ele deixa de ser um estudante meio bocó) já estamos torcendo para que suas armações deem certo. Aprovamos tudo, desde de trapaças a roubo de avião. Aprovamos até quando ele se torna Carrera, um relativamente famoso piloto que trabalha para um traficante paraguaio. Quase não há limites a simpatia que assumimos pelo personagem, e isso porque à princípio, o filme se trata como uma história bem humorada e não necessariamente um drama.


É como Carrera (por causa do modelo da Porsche) que conhecemos o "antigo" Marcelo em boa parte do filme, e é na pele do piloto de traficante que o personagem ganha de vez o público. A cena em que ele sobre no palco e "encarna" Renato Russo à frente da Legião Urbana é uma das melhores, e não há quem não caia no riso dentro da sala de projeção.


Um dos fatos curiosos é que mesmo na fronteira do Paraguai com o Brasil, a Legião Urbana é bem conhecida (nesse ponto da história é bom notar, que estamos 6 anos no passado) e o próprio Toniko Melo já dirigiu vários videoclipes da banda de Brasília. Uma homenagem que vem bem a calhar e que torna a película muito descontraída nesse ponto. Após todo o sucesso que Carrera consegue trabalhando com o velho traficante (Jorge D'Elia) que o assume como um tipo de filho, e depois das histórias que ele mesmo inventa sobre si para a Polícia local, a estrada começa a chegar ao fim, e seu "disfarce" começa a ruir. Depois de ser preso em um transporte de carga ilegal, correndo o risco de entregar as ações de seu velho empregador, Carrera é obrigado a abandonar seu personagem a pedido do próprio paraguaio que lhe entrega uma mala de dinheiro em troca de seus bons serviços ao longo daquele tempo. Mostrando conhecer sua verdadeira identidade, o velho o manda de volta para sua mãe e já em casa ele decide começar a planejar seu próximo golpe, como um profissional, analisando cuidadosamente os alvos.


Por que não assumir a identidade de um jovem empresário, o herdeiro da companhia aérea GOL Henrique Constantino (que existe na vida real)?


Deste ponto em diante é que percebemos que o filme se trata de um drama, pois as ações de Marcelo começam a nos mostrar que ele não está simplesmente fingindo ser outra pessoa e sim se escondendo atrás daquele personagem para não voltar a ser ele mesmo. A frase de sua mãe "desse jeito você nunca vai ser ninguém na vida" ecoa em sua cabeça o tempo todo, e o faz pensar que como Marcelo ele realmente não tem condições de ser nada além de uma sombra pálida do que seu pai gostaria que ele fosse. O remédio é assumir a vida de outras pessoas, e na pele do jovem empresário Henrique Constantino é que começamos a ser apresentados à fragilidade mental de Marcelo, que se vê tão envolvido com seu personagem que já não consegue mais limitar realidade de fantasia. As coisas começam a ruir.


O filme é claramente dividido em duas partes. Até o personagem Carrera temos muitos momentos divertidos e nos sentimos bem em presenciar as tramóias de Marcelo. Depois, quando ele assume a vida cheia de luxo e glamour de Constantino, percebemos que ele não quer somente se dar bem e sim ser realmente outra pessoa. Tanto que ele corre o risco de ser desmascarado quando aparece ao vivo no programa do Amaury Jr (Meu amigooooo) se fazendo passar pelo verdadeiro Constantino em uma balada do Carnaval de Recife, e quando uma velha conhecida (Arieta Correa) do próprio Constantino percebe a encenação. Daí pra frente a realidade começa a afetá-lo de forma física e ele percebe que não passa de um manequim que veste a máscara de outras pessoas para esconder seu verdadeiro eu.


Forte, não?


Algumas cenas nesse momento são chave para percebermos a fragilidade de Marcelo e para nos mostrar que muita coisa que ele acreditava se quer existia, mas falar delas é estragar toda a surpresa que faz do filme um ótimo exemplar dramático, embora não o pareça de início.


Wagner Moura entra em cada personagem que interpreta no filme. Ele realmente se torna um personagem diferente a cada metamorfose pela qual passa Marcelo e dá show em cada uma delas, mostrando que é com certeza, além do mais atuante, o melhor ator de sua geração.


O restante do elenco não serve muito além do que de apoio para as aventuras do camaleônico personagem de Moura.

Gisele Fróes, que interpreta a mãe de Marcelo me incomodou por algumas cenas me parecendo meio desconfortável no papel. Às vezes ela falava muito baixo, de forma meio tímida e não conseguiu passar muita emoção quando viu o filho de volta após sua passagem pelo Paraguai. Sua personagem, no entanto, não deixava de ser engraçada por conta disso, e ela meio que se vê realizada quando assiste o "Henrique Constantino" dando entrevista para o Amaury Jr. na TV.



O passado dela revela quem na verdade é o pai (ou não) de Marcelo, mas a meu ver ela não convenceu muito no papel, embora tenha ganho o prêmio de atriz coadjuvante no Festival do Rio por sua interpretação.

Outro nome de destaque no filme é o de Roger Gobeth (o eterno Touro dos primórdios de Malhação da Globo) que intrepreta um conhecido ator de TV que se torna uma espécie de braço direito do falso Constantino.

Além da gute-gute Marisol Ribeiro que interpreta a namorada do personagem de Gobeth, o filme também conta com uma participação no mínimo inusitada de Milhem Cortaz (o fanfarrão Capitão Fábio de Tropa de Elite) como uma espécie de gerente meio "cor-de-rosa" da pousada onde o falso Constantino fica hospedado em Recife. Hilário!

Os personagens de Jorge D'Elia (o patrão de Carrera) e Juliano Cazarré (o homem forte do patrão, Banã) tem interpretações dignas de prêmio também, e fazem parte dos melhores momentos do filme. D'Elia, à propósito, levou o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival do Rio, e realmente a cena em que ele se encontra com Carrera num casebre abandonado dizendo em castelhano que ficou feliz por ele não ter entregue a quadrilha quando foi preso, e logo em seguida alegando que sabe quem ele é na verdade é digna de filme hollywodiano.

Cazarré, por sua vez, faz as cenas mais cômicas, como no avião pilotado pela primeira vez por Carrera que faz o traficante suar frio enquanto pousa.



"Renato Russo do carajo!" é a melhor frase dita por ele, logo que o avião pousa, em referência à interpretação de Carrera para a clássica "Eu sei" da Legião Urbana.


VIPS não vai mudar sua vida, até porque não é sua proposta, mas vale como uma boa fonte de entretenimento durante a projeção.


Não espere por cenas de sexo ou de violência impactantes que você sairá decepcionado. VIPS nada mais é do que um ótimo exemplar da melhor leva de filmes que o cinema nacional vem sabendo produzir ultimamente, e se leva a sério até o ponto que precisa ser sério.
Assista sem medo e sem pré-julgamentos.
Na pior das hipóteses, se você não curtir a história, vai ver uma belíssima aula de interpretação de Wagner Moura.

NOTA: 8

NAMASTE!

Um comentário:

  1. Alguém sabe explicar por que o "piloto medroso" foi apresentando como "Carrera" à imprensa? Foi a polícia que apresentou ou foi o chefe do tráfico que fez o "piloto medroso" confessar que era "Carrera" se passando por ele para livrar a cara do verdadeiro Carrera?

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