30 de novembro de 2019

Bastidores de O Crime da Rapieira


Eu ainda estava no Ensino Fundamental quando começou minha paixão pelo gênero romance policial. Minha irmã mais velha tinha em casa um livro chamado "Enigma na Televisão" de Marcos Rey e foi com esse título - da maravilhosa série Vaga-Lume da Editora Ática - que comecei a me interessar por esse tipo de literatura. Algum tempo depois, descobri que a pequena biblioteca da escola tinha outros volumes desse mesmo autor e me lembro que viciei em sua forma de contar as histórias policiais, sempre colocando muita ação e aventura em seu texto. Era meu tipo preferido de leitura.


Marcos Rey o Enigma na Televisão


Hoje eu sei que Marcos Rey influenciou MUITO do que escrevo desde a adolescência, e O Crime da Rapieira é meio que uma homenagem a esse período tão saudoso de minha vida, em que eu estava descobrindo o fantástico mundo da leitura. 

O Crime da Rapieira

Eu devo ter uns cinco ou seis roteiros inacabados na gaveta. Alguns deles devem estar completando aniversário de 10 anos inclusive, mas por alguma razão O Crime da Rapieira acabou furando a fila de "publicação" e ganhou um começo, meio e fim antes de seus irmãos mais velhos. Uma das minhas características mais básicas - de acordo com a astrologia - é que eu não consigo deixar coisas inacabadas, mas se alguém pudesse vasculhar meus HDs, pastas e cadernos, veria que isso é uma mentira bem absurda. O que mais tenho nas gavetas é textos nunca finalizados, e eu não saberia dizer a razão específica para que isso acabe acontecendo. Mas vamos nos concentrar aqui no conto atual.


Eu tive a ideia para o conto O Crime da Rapieira enquanto estava a caminho de uma assistência técnica em Jundiaí. Nada de bar, casa de prostituição ou sei lá onde mais os grandes escritores - hall onde não me encaixo, claro! - têm suas grandes inspirações. Meu home theater começou a apresentar problemas técnicos e isso me obrigou a procurar uma assistência. Eu estava no banco de trás do UBER quando passei em frente a uma loja de fantasias e a ideia veio como um estalo. "E se eu escrevesse um conto sobre um crime que acontece em uma festa à fantasia?". A primeira linha de roteiro surgiu assim mesmo como estou descrevendo... Do nada. Eu poderia mentir, dizer que eu estava em um bar, fumando um Dunhill enquanto o copo de uísque me encarava do balcão. Que a fumaça do cigarro me trouxe ideias sobre o conto e que comecei a rascunhá-las em um guardanapo... Mas nada disso combinaria comigo. Eu não fumo. Eu não bebo. Não frequento bares. Escrever em guardanapos é uma bosta! A caneta sempre rasga o papel! Por isso, voltemos à realidade. 



Ainda no carro, eu pensei o plot principal do conto, que seria a confusão causada por dois convidados da festa que vestiam a mesma fantasia. BINGO! Eu tinha a ideia principal. Agora vinha a parte mais difícil: Escrever! 


Aqui no Blog eu passei os últimos 9 anos criticando muitos escritores, roteiristas, desenhistas e criadores de um modo geral. Quando estamos do lado de cá, é bem fácil até "meter o pau" em algo que consideramos aquém de nossas expectativas, algo que não atendeu aquilo que esperávamos ser o certo - como se essa ideia de certo e errado se aplicasse na arte! -, por isso, como espectador, eu me dei ao luxo de criticar várias obras cinematográficas, televisivas ou literárias em meus posts, o que me colocou numa posição muito confortável, como aquele crítico esnobe e babaca que de trás de seu monóculo se acha acima do bem e do mal, e que por causa disso, se dá ao direito de julgar o que é feito por outrem. Mas aí o calo sempre aperta quando estamos do lado de lá. O lado do criador. 



Quando decidi escrever OCR eu não tinha muito a ideia de que seria tão complicado amarrar as pontas quando o texto estivesse sendo finalizado. O que era para ter no máximo 5 capítulos acabou com 14 devido a forma como fui achando mais pontas soltas enquanto amarrava outras. Eu nunca tinha organizado as ideias à caneta, num caderno, antes de começar a escrever qualquer coisa no computador, mas dessa vez achei importante, já que eu estava querendo contar uma história de crime que precisava manter o leitor interessado. A solução do crime não podia ser tão óbvia ou tão simples de ser descoberta se eu quisesse no mínimo chamar a atenção para meu conto. Além disso, eu precisava seguir fiel a minha ideia inicial de causar a confusão nos leitores de quem afinal tinha matado a vítima. 



Ao longo do texto, eu descobri que não é tão simples assim escrever sobre crimes e investigações policiais, ainda mais se o objetivo principal é manter um mistério de "quem matou fulano", como acontece muito nas novelas noturnas da TV. Escritores como Agatha Christie, Sidney Sheldon e claro, o mestre Arthur Conan Doyle são reconhecidos até hoje por sua habilidade IMPAR de fazer esse tipo de coisa por páginas e mais páginas de incontáveis livros, mas eu, um simples aspirante a escritor de contos, não tenho toda essa habilidade. 

Outro desafio importante em OCR foi o de se fazer uma investigação criminal com o acesso tão fácil de informações proporcionado pela internet nos dias de hoje. Vocês já pensaram em como deve ser difícil para os investigadores manter as informações de crimes sigilosas em um cenário, sendo que em todo lugar tem uma câmera apontada para você e que todo mundo tem um celular na mão? Parte da história fala sobre isso, em como um jornalista pode conseguir facilmente informações usando apenas as redes sociais, arquivos de câmeras de segurança ou o próprio celular. 



As duas personagens principais de meu conto são estudantes de jornalismo que acabam sendo jogadas bem no meio de uma cena de crime, e juntas elas mergulham de cabeça na investigação, passando muitas vezes por cima da autoridade da Polícia até solucionar o caso. Eu quis que tudo funcionasse o mais realista possível, por isso precisei fazer muita pesquisa sobre investigação criminal, sobre Polícia Civil, Polícia Militar e até mesmo com o modus operandi de um jornalista nos dias de hoje.



Embora tenha sido um trabalho árduo de alguns meses, foi bem gratificante escrever O Crime da Rapieira, e espero que cause a sensação que eu quis imprimir no texto, aquela da leitura leve e instigante da época da coleção Vaga-Lume. 

O conto pode ser lido na plataforma Wattpad, onde já publiquei mais três textos, entre eles A Salvação, o western A Vida e a Sorte de John Stone e Pássaro Noturno - Origens, sobre o meu primeiro super-herói brasileiro da Legião Nacional

Abaixo, uma degustação do primeiro capítulo de OCR:

O CRIME DA RAPIEIRA
“Segundo dia”
Sexta-Feira

Aquela tarde não podia estar mais agitada no 14º DP de Pinheiros. O delegado Marcondes de Sá acomodava o corpanzil em sua cadeira quando viu as novas testemunhas adentrarem sua sala. O investigador Noronha os acompanhou até a mesa, esperou que se sentassem e em seguida saiu, ajeitando o aviador acima do nariz. Marcondes viu à sua frente um senhor grisalho aparentando uns quarenta e poucos anos. Estava muito bem trajado de terno Armani preto, camisa Hugo Boss branca e sem gravata. Seu olhar incisivo marcava o rosto ovalado. Seus olhos verdes pareciam escanear cada centímetro quadrado da mesa, onde pilhas indisciplinadas de relatórios brigavam por espaço com um porta-retratos velho, uma luminária, um telefone sem fio e uma caneca fumegante de café. Ao lado do homem estava uma moça caucasiana de cabelos castanhos e olheiras evidentes no rosto enrubescido. Seu tronco e seus membros tremiam quase como se ela não os pudesse conter.
- A moça aceita uma água?
Ela assustou-se com o tom de voz ríspido do delegado. Seus olhos não o encararam um só momento desde que havia se sentado diante dele na mesa. Um ventilador barulhento movimentava-se acima de suas cabeças.
- Minha filha está sob forte estresse. – Falou o homem de cabelos grisalhos, envolvendo os ombros da garota - Tivemos que medicá-la com um calmante para trazê-la aqui. Se o senhor puder ser breve com o depoimento todos nós agradeceremos.
- Farei o possível. – Respondeu Marcondes, com tom irônico. – O senhor deve ser Marco Aurélio Telles de Mendonça, pai da senhorita Regiane Telles de Mendonça. – E indicou a moça ao lado dele, no que o homem assentiu. – Sua filha estava presente na cena de um crime que aconteceu em sua residência ontem à noite por volta das 22:00 horas. Onde o senhor e sua esposa estavam nesse horário?
Marco soltou a filha brevemente e voltou-se para o delegado à sua frente:
- Eu estava em um jantar de negócios próximo ao Trianon-MASP. Tínhamos uma reserva em um hotel da região e passaríamos a noite lá. Voltamos imediatamente quando Regiane nos ligou desesperada.
- Entendo. – Suspirou. - O senhor estava ciente que sua filha daria uma festa em sua casa no mesmo horário?
- Sim, estava. Ela pediu autorização uma semana antes e minha esposa e eu concedemos.
- A ideia do open-bar foi dela?
- Sim. Ela já é maior de idade não vi problema em autorizar uma festa com bebida liberada. Minha única ressalva foi com relação a mobília da casa. Não queria ver nada quebrado ou fora do lugar no dia seguinte. – E mais uma vez os olhos de Marco pareceram condenar a bagunça sobre a mesa do delegado, que não se importou.
- Sua casa costuma ter um segurança particular 24 horas por dia. Onde ele estava no momento da festa?
- Seguindo ordens de Regiane, ele ficou de prontidão dentro da sala de controle, vigiando as câmeras pelas telas de monitoramento. A sala fica próximo da entrada principal e ele foi para lá para ficar de olho caso acontecesse algum acidente.
- O que acabou não resolvendo muito! – Ironizou o delegado.
Em seguida o homem buscou pacientemente um envelope pardo na gaveta à sua direita e o pousou sobre a superfície de mogno. Deu um gole no café que cheirava bem, pousou a caneca estampada com o símbolo da Polícia Civil sobre um papel manchado, abriu o envelope e tirou de dentro algumas fotografias. Naquele momento, uma batida na porta anunciou a chegada de um estagiário administrativo da Polícia ao depoimento. Tão logo o rapaz magro, de roupas amarfanhadas tomou seu lugar diante de um computador no canto da sala, a voz de Marcondes fez-se ouvir novamente:
- Agora que meu estagiário retornou do café, podemos dar início ao depoimento da senhorita Regiane. – Ele apanhou as fotos e escolheu uma, colocando-a sobre a mesa, à vista da garota. – Você reconhece a pessoa da foto?
Um rapaz caucasiano de olhos estáticos, barba por fazer e rosto pálido aparecia na foto. Ele estava no chão da despensa onde um dos empregados da festa da noite anterior tinham-no encontrado caído, morto.
- Conheço... Conheço sim! – Regiane deu uma olhada breve na foto, mas aquilo bastou para reconhecê-lo.
- Ele era um dos convidados da sua festa? – Marcondes retirava da mesma gaveta uma lista de nomes digitados com várias anotações de caneta vermelha por cima. – Como ele se chamava?
- Jonathan. Jonathan Braga. E sim, eu o convidei para a festa. – Sua voz era trêmula. Deu outra olhada na pele esbranquiçada de Jonathan ali na foto. Seu coração acelerou dentro do peito.
- A festa era à fantasia, correto? – Marcondes dava uma olhada na lista que tinha em mãos, procurando algo. – Aqui diz que o rapaz Jonathan estava fantasiado de havaiano. É possível confirmar isso com esta outra foto. – E Marcondes pegou de baixo da pilha de fotos diante de Regiane uma que mostrava o rapaz morto de corpo inteiro, largado no chão com uma perfuração no plexo. – O investigador Noronha, que foi até a sua casa pela madrugada, relatou que foi você mesma quem entregou a ele a lista de convidados da festa, mas que não sabia com detalhes quem estava fantasiado de que. Está correto?
Ela anuiu, olhando para o próprio colo.
- O investigador Noronha também relatou que oficialmente a festa era para 50 convidados, mas que tinha uma média de 80 pessoas na casa na hora do crime. A senhorita confirma?
Novamente Regiane anuiu, mordiscando o lábio inferior e apertando forte as mãos entrelaçadas sobre o colo.
- Isso nos dá uma média de umas trinta pessoas aproximadamente que esta lista aqui não identifica. – E Marcondes levantou o papel com os 50 convidados oficiais digitados com o tipo de fantasia que usavam e as características físicas, idade e curso da faculdade riscadas de caneta vermelha por cima. – O Noronha tentou fazer um levantamento das pessoas que você relatou como convidados oficiais. Todo mundo nessa lista já foi intimado a depor, mas faltam 30 nomes. A senhorita conseguiria lembrar de cabeça quem eram essas pessoas?
Marco Aurélio incomodou-se com a pergunta do delegado e subiu o tom:
- Isso é absurdo! Ninguém se lembraria de cabeça de 30 pessoas andando para lá e para cá dentro da própria casa. Em condições normais minha filha não seria capaz de lembrar, imagine à base de remédio e em estado de choque pela morte do amigo!
- Entendo sua preocupação, senhor, mas eu preciso fazer esse tipo de pergunta. – Irritou-se Marcondes - Houve um assassinato nas dependências da sua casa. Havia cerca de 80 pessoas lá dentro no momento do crime e 30 delas não foram identificadas. Ou eu tento afunilar essa lista o mais breve possível ou teremos um crime sem solução na mesa. Qual o senhor prefere?
O homem sentiu-se acuado.
- Volto a perguntar. Há alguma chance de a senhorita lembrar quem eram essas 30 pessoas que não tinham sido listadas previamente?
Regiane limpou as lágrimas que rolavam de seus olhos discretamente com os polegares. Em seguida balançou a cabeça negativamente.
- Antes de você, colhemos o depoimento do DJ, dos quatro garçons, dos bartenders, da recepcionista da festa e de seu assistente pessoal. Todos foram contratados pela mesma agência de eventos e todos negaram qualquer participação no crime, exceto o rapaz que encontrou o corpo de Jonathan Braga na despensa. O que ele estava fazendo próximo à cozinha nessa hora? – O estagiário digitava em seu teclado palavra por palavra do depoimento, registrando-o. Os olhos de Marcondes fixaram-se contemplativos no rosto avermelhado da menina.
- Não sei bem. A Ju me contou...
- “Ju”? Que “Ju”? – Interrompeu Marcondes.
- A Ju... Juliana, a hostess... Que estava encarregada da recepção... Ela me contou depois que o garçom tinha ido buscar mais gelo para as bebidas e que ela mesma pediu para que ele fosse buscar na despensa, ao lado da cozinha.
- Antes disso, onde ele estava?
- Não sei dizer. Eu estava dançando com meus amigos no jardim da casa a essa hora. O garçom saiu de dentro da casa e foi logo falar para a Ju... Juliana... Que tinha encontrado o John... – Ela desabou a chorar novamente.
As perguntas eram apenas para comparar com aquilo que o próprio garçom e a hostess já tinham contado a ele em depoimento mais cedo. Até aquele momento, Marcondes não tinha encontrado nenhuma incongruência no caso, comparando tudo que já tinha sido dito. O delegado permitiu uma pausa até que Regiane se acalmasse. Vinte minutos o interrogatório recomeçou.
- Preciso que se concentre na imagem que vou lhe mostrar, Regiane.
Ela anuiu e o aguardou encontrar a foto em meio à pilha.
- O que você está vendo aqui? – Ele dedilhou com seu indicador levemente a foto sobre a mesa.
- Uma... Uma espada suja de sangue?
Ela não sabia dizer ao certo.
- Essa é a arma usada no crime. Você sabe quem entrou na casa com essa espada?
Regiane segurou a foto em suas mãos e o papel tremulava. Enquanto ela analisava a imagem da lâmina prateada embebida em sangue, Marcondes dirigiu outra questão a seu pai:
- O senhor guardava alguma arma branca desse tipo dentro de casa?
- Não. – Ele fora enfático - A única arma que guardo em casa é uma pistola Glock 9mm, mas está bem escondida em meu cofre, em meu escritório no segundo andar.
Marcondes anotou em um bloco a informação. Em seguida seus olhos voltaram para Regiane.
- E então?
- Não tenho certeza.
Marcondes a sentiu insegura, e então colocou a lista dos nomes dos presentes sobre a mesa.
- Seu pai acabou de confirmar que não havia nenhum tipo de arma branca parecida com a da foto dentro de casa, logo, podemos supor que a arma foi trazida por um dos convidados. Quem poderia ter entrado com esse objeto na festa e perambulado com ele por lá antes de desferir o golpe fatal em Jonathan?
O silêncio na sala só era quebrado pelo girar ruidoso das pás do ventilador de teto e das teclas digitadas pelo estagiário. Os olhos de Regiane agora percorriam a lista de nomes e as marcações em vermelho feitas pelo investigador Noronha na madrugada após o crime. A garota lia nome por nome observando as anotações. Sua mente trabalhava o mais rápido que conseguia, tentando vencer a sonolência causada pelo calmante. Ela tentava relacionar os trajes com a arma do crime. Nenhuma fantasia deveria ter uma espada como adorno. Nenhuma, exceto a do Zorro.


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