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25 de abril de 2021

Oscar 2021 - A Voz Suprema do Blues, Mank e Pieces of Woman



O jabá gratuito agora é da Netflix e o Combo Breaker do Oscar dessa vez vai prestigiar três produções que constam no catálogo da locadora vermelha e que estão disponíveis para serem vistos AGORA.

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A VOZ SUPREMA DO BLUES



Lançado direto na Netflix e dirigido por George C. Wolfe, A Voz Suprema do Blues (“Ma Raineys’s Black Bottom”) se passa nos anos 20 e narra um dia de gravação em estúdio de Ma Rainey, a cantora que é conhecida como a “Mãe do Blues” por ter popularizado o estilo musical na América. Enquanto a personagem vivida magistralmente por Viola Davis (ganhadora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2017 por “Um Limite Entre Nós”) precisa se impor para que seu trabalho não seja controlado pelos empresários brancos a seu redor, nós somos impactados pelo imenso talento da atriz que interpreta a blueseira de maneira visceral, firme e colérica.



Em paralelo à história da Mãe do Blues, nós vemos os desentendimentos da artista com seu trompetista Levee (Chadwick Boseman), um rapaz cheio de mágoas do passado que de maneira ambiciosa sonha com sua própria carreira musical, à frente de uma banda e independente de Ma Rainey.

A Voz Suprema do Blues é o clássico “filme de Oscar” cheio de diálogos intensos, interações fantásticas entre bons atores e interpretações que a gente já imagina no telão no dia do anúncio de “melhor ator/atriz”. Tanto Viola quanto Chadwick estão fulgurantes em cena e é impressionante imaginar que aqueles personagens — que são baseados em pessoas reais — não são exatamente do jeito que ambos interpretaram.



Como não podia deixar de ser — afinal é um filme com “blues” no nome — as sequências musicais são excelentes e mostram que tanto Viola quanto Chadwick se prepararam para seus papeis. Embora tenha sido dublada posteriormente pela cantora de soul music Maxayn Lewis no filme, a intérprete de Ma Rainey soltou a voz mesmo durante as gravações, tanto que é ela cantando durante a canção “Those Dogs of Mine”. Já Boseman, em pró de passar maior veracidade a seu personagem, estudou trompete antes das gravações para poder dedilhar corretamente o instrumento e passar a imagem de virtuosismo. No documentário “Chadwick Boseman Para Sempre” — também disponível na Netflix — alguns músicos instrumentistas elogiam a performance do ator no filme e comentam que ele se dedicou realmente a seu papel de Levee.



Já visivelmente abatido e ofegante em algumas cenas mais pesadas, o ator de 43 anos quis fazer de seu último papel um dos melhores de sua curta carreira e a intensidade de seu personagem tirou de Boseman uma atuação, sem meias palavras, digna de aplausos. Com o tempo a gente se acostuma a ver filmes medíocres pipocas que não exigem muito de seus atores, assim como personagens vazios que não têm nada para dizer, mas quando nos deparamos com algo como A Voz Suprema do Blues, é preciso elogiar e elogiar muito. 



Tendo como coadjuvantes nomes como Glynn Turman (o Toledo), Colman Domingo (Cutler) e Michael Potts (Slow Drag), todas as interações de Levee com seus colegas de banda são maravilhosas, bem como os diálogos e provocações entre eles até o desfecho chocante da história. O monólogo em que Levee explica sua aparente subserviência ao produtor branco Sturdyvant para os colegas, relacionando aquilo à maneira como seu pai reagiu no passado após o estupro da sua mãe por um grupo de homens brancos — e como ele os caçou um a um —  é com certeza o ponto alto do filme, e a entrega do ator fica evidente tanto em seu olhar quanto em sua voz. Se Boseman ainda tinha algo a provar para alguém sobre seu talento cênico, agora não tem mais.

A Voz Suprema do Blues disputou as categorias do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático e Melhor Ator em Filme Dramático, dando o prêmio póstumo a Chadwick, que faleceu em decorrência a um câncer em agosto de 2020. Viola Davis e Boseman também disputam o Oscar na mesma categoria e o filme ainda concorre às estatuetas de Melhor Design de Figurino, Melhor Design de Produção e Melhor Maquiagem e Penteado.


MANK



Cidadão Kane (1941) de Orson Welles, é considerado até hoje o melhor filme da história e é um consenso entre 10/10 estudantes de cinema sobre sua qualidade narrativa, sua montagem e edição pouco ortodoxa para a época. Se nós ficamos impressionados com a maneira não-linear com que Quentin Tarantino costumava contar suas histórias nos anos 90, Welles em seu primeiro filme nos anos 40 já fazia isso e de maneira muito talentosa.



O que pouca gente sabia é que muito das peripécias cinematográficas experimentadas por Welles na época provinham especialmente de um roteiro muito bem escrito que NÃO pertencia ao genioso e arrogante diretor — cria do rádio, onde fez muito sucesso com sua famosa transmissão de A Guerra dos Mundos — e sim de Herman J. Mankiewicz, um roteirista quase em fim de carreira que fez de Cidadão Kane sua obra-prima.

O filme Mank dirigido pelo badaladíssimo David Fincher (de Clube da Luta e Se7en) narra a história de Mankiewicz dos áureos anos 30 até a conclusão de seu trabalho, encomendado pessoalmente por Orson Welles. Enquanto luta contra o alcoolismo, um casamento à beira do colapso e problemas de saúde decorrentes de um acidente automobilístico, Herman se vê pressionado a escrever o roteiro que vai tirá-lo do ostracismo e devolvê-lo ao estrelato hollywoodiano onde ele já esteve diversas vezes.



Verdade seja dita, o ritmo de Mank é horrível. Com bem mais de duas horas de projeção, a história se arrasta até sua conclusão e causa bastante sono em seu longuíssimo caminho. Além de passar por nossos olhos com passos de tartaruga, o filme tem uma montagem estranha e enquadramentos de câmeras que dão pouco destaque aos atores, sempre mostrando tudo muito de longe e não se preocupando em identificar os personagens. A passagem de tempo e o vai e volta na linha narrativa mostrando em flashbacks o que levou Mank ao quase esquecimento é muito bem marcada com legendas óbvias na tela, mas isso não faz com que o ritmo melhore. 



A história tem um fundo político muito intenso, envolve nomes reais dentro da ficção, fala da eterna briga entre democratas e republicanos, comunismo, nazismo, mas passa muito superficialmente pelas características de tudo isso, deixando vago quem é quem e qual sua real importância dentro da trama. Muita coisa passou simplesmente batida por mim ao longo do filme sem que eu conseguisse sequer entender nos diálogos e isso fez com que minha experiência com Mank não fosse boa.

Então a culpa de não ter gostado é sua que é burro, Rodman!

Não discordo!

O fato de que para nós brasileiros a história americana nos pareça nublada e desconhecida ajuda bastante também a querermos ignorar todo o background político da obra de David Fincher para focarmos mais na trajetória de Mankiewicz em busca de seu roteiro perfeito — e dos créditos no material final —, mas como uma coisa está intimamente ligada a outra — o personagem Mank é extremamente politizado — a história acaba nos parecendo bem menos atrativa no final das contas.

Gary Oldman em cena com Amanda Seyfried


Em tempos, Gary Oldman está muito bem no papel do protagonista — e dizer isso é quase chover no molhado! —, mas esse claramente não é seu melhor personagem da vida. Atuações viscerais, histriônicas, escandalosas e até caricaturais é o que esperamos quando vemos seu nome no cartaz de um filme, mas seu Mank não exige nada disso, o que no frigir dos ovos, lhe rende apenas uma interpretação OK, nada muito digno de Oscar — talvez, quem sabe, pelo conjunto da obra. 

O elenco de Mank ainda conta com Tom Burke interpretando Orson Welles, Lily Collins como Rita Alexander — a grande parceira de processo criativo de Mank —, Tuppence Middleton como a “Pobre Sara”, esposa de Mank e Amanda Seyfried como Marion Davies, a atriz e consorte do poderoso empresário William Randolph Hearst (Charles Dance, o Tywin Lannister de Game of Thrones) que é a verdadeira inspiração de Mankiewics para compor seu “Cidadão Kane”.



Mank disputa 10 categorias do Oscar 2021, entre elas Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Atriz Coadjuvante (Amanda Seyfried) e claro, Melhor Ator, com Gary Oldman enfrentando outros nomes de peso como Anthony Hopkins (por “Meu Pai”), Riz Ahmed (“O Som do Silêncio”), Steve Yeun (de The Walking Dead direto para o Oscar por seu papel em “Minari”) e Chadwick Boseman, do já comentado A Voz Suprema do Blues.

E agora você, querido leitor, já pode rir à vontade da minha cara que ousou criticar David Fincher em um post!


PIECES OF WOMAN



A estreia do diretor húngaro Kornél Mundruczó em longas-metragens de sucesso não poderia ter sido mais acertada. Pieces of Woman é um drama daqueles que te deixa arrasado de ponta a ponta e que te mantém pensando na história ainda durante um tempo após a projeção, com a cabeça enfiada no travesseiro e encarando o teto.



Antes de ver o filme, eu já tinha lido e ouvido comentários sobre a tal “cena do parto” que havia tirado de Vanessa Kirby uma interpretação magnífica, por isso, quis conferir o trabalho com meus próprios olhos, o que nem de longe me preparou para o que vi. A tal cena, não é simplesmente “uma cena” e sim uma sequência INTEIRA de um parto em casa totalmente filmado em plano-sequência. Eu já tinha visto inúmeras tomadas de ação que utilizavam esse recurso narrativo que nos faz acompanhar de maneira íntima o que está acontecendo em tela — David Leitch faz isso muito bem em Atômica e Sam Hargrave segue a mesma linha em O Resgate —, mas confesso que fiquei impressionado com a maestria com que isso acontece durante um trabalho de parto.

Molly Parker e Vanessa Kirby


A todo momento eu fiquei tentando enxergar os cortes para a montagem do “plano-sequência falso” na edição ou mesmo as pausas e tiradas de câmera para que os atores pudessem trabalhar — em cena, Kirby divide espaço com Shia LaBeouf, que interpreta seu marido Sean e a parteira Eva, interpretada por Molly Parker —, mas confesso que fui derrotado. Toda a sequência leva bem mais de 10 minutos e quase não há espaço para improvisos ou distrações. A cena é bem cotidiana e se passa inteira dentro de uma casa comum. Sean arrasta os chinelos pelo corredor, ele escorrega no chão liso, se enrola todo para sair de baixo da esposa enquanto a sustenta para que Eva confira a dilatação, a câmera segue o trio pelo corredor escuro, entra com Molly dentro do quarto para que ela prepare a cama onde vai acontecer o parto e depois vai até Martha, a personagem de Vanessa, para vê-la dentro da banheira. E tudo isso sem pausas, sem que vejamos a equipe técnica por trás da gravação, sem sombra de câmera nas paredes, de gruas ou qualquer outra coisa que nos tire da imersão da história.

Mas, Rodman… você acabou de descrever 100% do que COSTUMEIRAMENTE é o cinema! Qual sua surpresa?

Essa é a magia do cinema, caro padawan! Não importa quantos filmes assistamos na vida, o cinema SEMPRE é capaz de nos surpreender, mesmo usando recursos que já vimos antes empregados de maneira ainda mais criativa!

Claro que devemos pontuar as participações de Parker e LaBeouf nessa sequência de tensão incrível, mas não tem como não elogiar e MUITO o talento de Vanessa Kirby que entrega tudo perfeitamente — trejeitos, movimentação pesada e lenta de uma gestante —, quase nos fazendo acreditar que ela está prestes a parir de verdade! Enquanto reclama que está enjoada e esbraveja por conta da dor que está sentindo, Martha ainda solta alguns arrotos pontuais, passando uma noção muito íntima de que está vivendo maus bocados internos ali, sem falar nas expressões de dor e no jeito de quem não sabe muito bem onde pôr a mão ou que fazer em seguida. Eu fiquei impressionado com toda essa sequência e tive vontade de aplaudir de pé enquanto minha mente não parava de ecoar a pergunta "como eles enfiaram um bebê de verdade nessa cena sem cortes, sem a gente perceber?"

A bebê de Martha e Sean [SPOILER] não sobrevive como vocês já devem imaginar e toda a história do restante do filme se passa durante os diferentes tipos de luto que tanto os pais da criança sofrem quanto todos a seu redor, incluindo a mãe da protagonista Elizabeth (Ellen Burstyn), sua irmã Anita (Iliza Schlesinger) e até o cunhado Chris (Ben Safdie). Enquanto o processo contra a parteira Eva transcorre de maneira bem escandalosa na mídia, com ela acusada de negligência na hora do parto em casa, nós acompanhamos o cotidiano do casal, que age de maneira distinta pela perda da filha. Enquanto Sean se descontrola totalmente, querendo com o apoio da sogra — que o odeia — que a justiça seja feita contra a parteira, a própria Martha assume uma postura mais defensiva, meio que tentando esconder o próprio luto diante das pessoas, embora diversos sinais em suas expressões indiquem ao espectador que há sim um sofrimento interno muito grande, como não poderia deixar de haver.



Toda a simbologia em volta da maçã e do depoimento sob pressão de Martha no julgamento de Eva fazem de Pieces of Woman um filme extremamente tocante e que nos faz enxergar como às vezes nossos sentimentos diante da perda podem ser completamente fora da curva, e como eles, em sua essência, são uma maneira que nosso subconsciente tem de lidar com o luto de maneira muito particular. Seguramente, o longa-metragem não é o melhor dessa safra 2020, mas com certeza é um dos mais bonitos e bem-feitos da última década.



Em tempos, a lindíssima e talentosa Vanessa Kirby disputa o Oscar de Melhor Atriz esse ano com a favorita da noite Frances McDormand (que já foi premiada em 1997 por Fargo, em 2018 por Três Anúncios de um Crime e que em 2021 concorre por seu trabalho em Nomadland) e Viola Davis de A Voz Suprema do Blues. A briga vai ser boa, mas estaremos na torcida.


P.S. – No já mencionado documentário Chadwick Boseman Para Sempre artistas como Danai Gurira (a Okoye de Pantera Negra e Vingadores: Ultimato), Spike Lee (que dirigiu Boseman em Destacamento Blood), Denzel Washington (produtor de A Voz Suprema do Blues), Glynn Turman e a própria Viola Davis falam sobre a dedicação do ator em seus trabalhos anteriores, além de prestarem uma linda homenagem a Boseman que já se enquadra na categoria de um dos melhores artistas de sua geração. Impossível não se emocionar com a história de vida do eterno Pantera Negra. Wakanda Forever!

P.S. 2 - Eu fiquei apaixonado por Vanessa Kirby desde quando a vi em Missão Impossível: Efeito Fallout e até hoje fico impactado com o sorriso dessa mulher. Uma pena que ela não tenha mostrado tanto essa bela característica em Pieces of Woman, embora tenha usado algo melhor: seu talento cênico incrível!



P.S. 3 - Amanda Seyfried disputa o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Mank esse ano e não sei se vai ganhar, mas em 2010 ela venceu dois prêmios muito importantes do Blog do Rodman, o de Beijo mais excitante da História do Cinema e Melhor Beijo que todo Nerd punheteiro sempre quis dar na Megan Fox! Puta que pariu! Que Garota Infernal!



P.S. 4 - Depois de Ninfomaníaca (2014), parece que o Shia LaBeouf se especializou em mostrar a piroca nas produções em que aparece e repetiu a dose em Pieces of Woman. Quem quiser dar uma conferida no material do rapaz, está lá pela metade do filme, embora esse seja um DETALHE PEQUENO em meio à grandiosidade do filme! 


 

NAMASTE!    

24 de abril de 2021

Indicações ao Oscar 2021



O cinema costuma refletir o que acontece na vida real e como não podia deixar de ser, esse ano o Oscar vai premiar ótimas obras de ficção baseadas na realidade, entre elas, três produções que falam de racismo e preconceito étnico: Judas e o Messias Negro, Os 7 de Chicago e Dois Estranhos.

Sigam-me os bons!


Fundado em 1966 pelos estudantes negros de Oakland (Califórnia) Huey Newton e Bobby Seale, o grupo dos Panteras Negras foi criado para combater a violência policial praticada sobretudo contra os afro-americanos, ação que na época, estava se intensificando devido a luta pelos direitos civis. Vendo seus pares recebendo um tratamento cada vez mais agressivo na sociedade à medida que tentavam reivindicar por melhores condições humanitárias, Newton e Seale decidiram igualar suas forças com a Polícia, tornando os Panteras Negras, à princípio, um grupo armado que monitorava as ações truculentas contra negros, coibindo também qualquer manifestação de racismo.   

Nos primeiros anos da fundação dos Black Panther, o grupo não só conseguiu mais adeptos de seus ideais na própria Califórnia, como também acabou ganhando projeção nacional, espalhando células por todo os Estados Unidos. As ações radicais — incluindo as armadas — começaram a se tornar mais sociais e o grupo logo transformou-se num partido, passando a usar sua influência para construir clínicas médicas populares — que atendiam a comunidade pobre, negra e latina —, escolas e até organizando mutirões para entrega de alimentos. Entre suas muitas ideologias, os Panteras Negras pregavam a sociedade autogestionária — onde os negros governariam a si mesmos —, crítica aberta ao sistema capitalista, liberdade para determinar o destino da comunidade, moradia, educação decente e isenção do serviço militar para homens negros.

A expansão das células do partido pelo país claramente passou a incomodar o governo da época — liderado na Casa Branca por J. Edgar Hoover — que via na sua influência um perigo para a sociedade branca predominante. Apoiados por grande parte da população que via na segregação racial o status quo que deveria ser seguido em seu país, os governantes usaram o FBI para implodir a organização dos Panteras Negras, implantando agentes infiltrados em suas células e enfraquecendo o grupo ano após ano. Dois dos casos mais emblemáticos envolvendo membros do partido foram o de Bobby Seale durante o julgamento dos “7 de Chicago” em que o cofundador dos Panteras Negras foi amarrado e amordaçado perante a corte a mando do juiz responsável pelo caso e o do jovem líder do partido em Illinois Fred Hampton que foi assassinado à queima-roupa pela Polícia em sua casa, diante da esposa grávida de oito meses. Ambas as histórias reais estão sendo retratadas em filmes distintos e concorrendo ao Oscar de 2021.


JUDAS E O MESSIAS NEGRO



Dirigido pelo norte-americano Shaka King de 41 anos, Judas e o Messias Negro conta sem grandes filtros a dramática ascensão e queda do líder carismático Fred Hampton, que aos 21 anos veio a se tornar um dos mais importantes e influentes líderes do partido dos Panteras Negras. Interpretado na tela por Daniel Kaluuya (do excelente Corra!), Hampton era um orador talentoso que baseava seus discursos, sempre bastante inflamados frente a sua comunidade, em nomes como o de Malcolm X e do pastor Martin Luther King, ambos assassinados por suas crenças ainda durante a década de 60. Como o “Presidente” do partido em Illinois, Hampton usou de sua persuasão para abraçar outros grupos em pró da sua causa — seguindo a ideologia já comentada dos Panteras — como os porto-riquenhos e os sulistas, que tal qual os negros, eram marginalizados e condenados à extrema pobreza no estado americano.

Judas e o Messias Negro


Em paralelo à ascensão de Hampton junto aos Panteras Negras, o filme acompanha também a vida de William O’Neal (LaKeith Stanfield), um ladrão de carros trapaceiro que acaba sendo cooptado por um agente do FBI chamado Mitchell (vivido pelo comumente conhecido “Matt Damon genérico” Jesse Plemons) para trabalhar infiltrado junto à célula de Hampton. Se vendo sem saída e aceitando trabalhar para o governo em troca de um salvo-conduto, “Wild Bill” acaba entrando para os Panteras Negras, chegando a se tornar o chefe de segurança do partido enquanto espiona secretamente as ações de Hampton.

Judas e o Messias Negro


Apesar de não impressionar tanto em seu início lento ou ousar com tomadas de câmaras mirabolantes — e nesse caso desnecessárias — Judas e o Messias Negro compõe muito bem seus personagens principais, tornando bastante imersivas suas jornadas pessoais. É impossível não reagir positivamente às sequências em que Hampton discursa diante de uma plateia exultante ou que ele simplesmente convence novos adeptos à sua causa — entre eles a célula conhecida como “The Crowns”, que eram rivais aos Panteras em essência, mas que partilhavam de vários de seus ideais — e exatamente por isso, o filme se coloca como um elemento importantíssimo para entendermos melhor essa época tão conturbada da história americana e cujas consequências se estendem até os dias atuais. De certo modo, a luta de Hampton contra o racismo perdura até hoje, travada agora por outras pessoas.

É importante salientar que em vários momentos do filme nos é mostrado em detalhes que, apesar das ações sociais em pró da comunidade carente da região onde a sede do partido está instalada, os Panteras Negras consideram o uso da força contra a Polícia para se fazer entender, mas que isso em nenhum momento desabona o motivo pela qual eles se organizaram. O endosso pela causa antirracista ganha ainda mais intensidade conforme mergulhamos no plano sujo do agente Mitchell e seus superiores para destruir Fred Hampton — com o óbvio aval do Presidente J. Edgar Hoover, em tela vivido por Martin Sheen — usando a figura de O’Neal, e simplesmente não tem como não nos colocarmos do lado dos oprimidos. Nesse sentido, Judas e o Messias Negro presta um excelente serviço de conscientização às causas raciais e nos faz ter empatia não só ao que Fred Hampton representava na vida real, como também a todas as pessoas que sofreram injúrias e acabaram pagando com suas próprias vidas acima de tudo pela cor de sua pele.

O assassinato brutal de Fred Hampton estimulou diversos protestos na comunidade negra dos Estados Unidos ao final da década de 60 e somente muitos anos depois é que foi pago uma indenização à sua família e a dos outros membros do partido mortos durante a ação desproporcional da Polícia, que disparou quase 100 tiros na invasão à casa, contra um disparado em autodefesa. Apesar disso, não houve qualquer declaração de desculpas ou de arrependimento por parte das autoridades após a derrota nos tribunais. 

É impossível não comparar Judas e o Messias Negro com outra grande porrada visual que é Infiltrados na Klan (comentado aqui) de Spike Lee, o vencedor de Melhor Roteiro Adaptado do Oscar 2020, já que ambos falam de assuntos semelhantes — racismo, infiltração de agentes em grupos rivais... —, mas apesar de ser um material mais cru de uma realidade sem floreios, o filme de Shaka King carece de ritmo em certos momentos comparado ao de Lee, o que felizmente é compensado pela brilhante atuação do protagonista Daniel Kaluuya, que desponta como um dos mais importantes atores negros de Hollywood. Toda a motivação de Hampton está entranhada na interpretação do ator e ele chega ao Oscar 2021 como um forte candidato ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante, ao lado do parceiro em tela LaKeith Stanfield.

Além de Melhor Ator Coadjuvante, a produção disputa também Melhor Filme, Melhor Roteiro Original e Melhor Fotografia. Se destacando como o primeiro filme a ser produzido inteiramente por negros (entre eles Ryan Coogler, diretor de Creed e Pantera Negra da Marvel), Judas e o Messias Negro não concorreu ao prêmio máximo do Globo de Ouro desse ano, mas Daniel Kaluuya foi premiado como Melhor Ator Coadjuvante na categoria.

Judas e o Messias Negro não está disponível em nenhuma plataforma de streaming no Brasil e atualmente pode ser visto apenas em alguns cinemas do país, com todas as restrições atuais por conta da pandemia de Covid-19.

NOTA: 9


OS 7 DE CHICAGO



Tanto Judas e o Messias Negro quanto Os 7 de Chicago se passam praticamente na mesma época dos anos 60 e chegam mesmo a “compartilhar” alguns personagens, visto que Bobby Seale — que é apenas mencionado em Judas — faz parte inicialmente do julgamento dos "7 de Chicago" e é orientado, na ausência de seu advogado na corte, pelo próprio Fred Hampton, nesse filme, interpretado pelo ator Kelvin Harrison Jr.. 

Os 7 de Chicago


A participação de Seale (vivido por Yahya Abdul-Mateen II, o Arraia Negra de Aquaman) na produção dirigida por Aaron Sorkin é bem mais intensa, visto que é protagonizada por ele a cena absurda — e revoltante — em que o juiz tendencioso Julius Hoffman (Frank Langella), na tentativa de calá-lo por sua insistência em querer se representar sozinho diante do júri — doente, o advogado de Seale está ausente do julgamento —, manda que os seguranças batam, amarrem e amordacem o homem diante de todos, numa tentativa truculenta de “manter a ordem” no tribunal. 

Assim como os outros réus do famoso caso, Seale é acusado de causar tumultos em protestos contra a obrigatoriedade do alistamento de jovens para combater na Guerra do Vietnã e apesar de não estar necessariamente aliado aos demais, acaba sendo julgado em paralelo, até ser absolvido de todas as acusações posteriormente. É notório no filme o desprezo que o juiz Hoffman sente pela figura de Seale e é bem claro o tratamento diferenciado que ele, por ser preto, recebe do magistrado, incluindo aí a ordem de violência física.

Os 7 de Chicago


De maneira bem didática em forma de flashbacks e da narração sucinta do personagem Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen, de Borat) em um show de stand-up, Sorkin mostra toda a trajetória de cada um dos 7 membros até sua chegada ao fatídico dia do confronto com a Polícia, durante a Convenção Nacional Democrata de 1968 em Chicago, Illinois. Acusados de conspiração e incitação à revolta contra a Guerra do Vietnã — em que os EUA estavam presentes desde 1964 —, Tom Hayden (Eddie Redmayne), Abbie Hoffman (o já citado Sacha Baron Cohen), Rennie Davis (Alex Sharp), Jerry Rubin (Jeremy Strong), David Dellinger (John Carroll Lynch), Lee Weiner (Noah Robbins) e John Froines (Daniel Flaherty) passam por um extenuante julgamento que demora seis meses e em que a promotoria tenta de várias maneiras comprovar a culpa deles em toda a ação que levou ao uso excessivo de força por parte da Polícia. Representados pelo advogado William Kunstler (Mark Rylance) e procurando comprovar sua inocência enquanto dezenas de testemunhas são ouvidas, os 7 são interpelados pelo promotor Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt), que apesar de toda a pressão para que faça-se cumprir a lei, no filme, não acredita 100% na culpa dos rapazes.

Os 7 de Chicago


O longa tem uma montagem dinâmica entre as cenas e a história é conduzida sem grande barriga no miolo, fazendo com que até mesmo o espectador mais leigo em direito penal consiga acompanhar do preâmbulo da narrativa até seu desfecho, em tela, apoteótico. Embora conte com vários floreios que servem para uma condução mais adequada da trama — algo bastante comum em adaptações de histórias reais para o cinema — Os 7 de Chicago é até bastante fiel ao que aconteceu de fato em 1968, incluindo as piadas da dupla Abbie e Jerry com o juiz Hoffman e a leitura dos nomes dos mais de 5 mil soldados americanos mortos no Vietnã durante o julgamento. Filmes que narram julgamentos sempre me atraíram desde a adolescência — e Hollywood sabe bem transformar qualquer caso em espetáculo! —, mas costumeiramente eles são chatos e arrastados, algo que não acontece aqui.

Na festa do Oscar, além de Melhor Filme, The Trial of the Chicago 7 concorre a Melhor Ator Coadjuvante (com Sacha Baron Cohen, que realmente está incrível como o provocador Abbie Hoffman), Roteiro Original, Fotografia, Montagem e Canção Original (“Hear My Voice”, interpretada pela cantora Celeste).

Assim como outros 17 títulos que disputam o Oscar esse ano, Os 7 de Chicago está disponível na Netflix e pode ser assistido até a noite da premiação.

NOTA: 8,5


DOIS ESTRANHOS



Dirigido por Martin Desmond Roe e escrito por Travon Free, Dois Estranhos (no original “Two Distant Strangers”) é um daqueles curtas que possivelmente nunca iríamos dar uma chance de assistir se por um acaso não fosse indicado ao Oscar, mas que é uma bofetada na cara de quem acha que cinema tem que ser obrigatoriamente apenas diversão. Confesso que não sou muito de assistir curtas-metragens e que ignorava completamente a existência de Dois Estranhos até muito recentemente, mas agradeço muito a facilitação que hoje os serviços de streaming como a Netflix trazem ao disponibilizar esse tipo de material, os tornando mais acessíveis para um público como eu.

Produzido na onda de choque que foi o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e tendo como enfoque principal o racismo, Dois Estranhos narra em 32 minutos — menos que muito episódio de série — a desventura do personagem Carter James (Joey Bada$$) que após acordar no apartamento de uma namorada casual, decide seguir para sua casa tranquilamente, tendo a infelicidade de topar com o policial linha-dura vivido pelo ator Andrew Howard no caminho. 

Joey Bada$$ e Andrew Howard de Dois Estranhos


Por puro e simples preconceito racial, o homem aborda Carter de maneira intimidatória, usando de argumento o cigarro que ele está fumando, além do maço de dinheiro que ele guarda na mochila, fruto de seu trabalho como designer gráfico. Sem dar qualquer chance do rapaz se explicar, o policial entra em conflito físico com Carter o derrubando no chão e o asfixiando, de maneira muito semelhante ao que Derek Chauvin fez com George Floyd em maio de 2020 em Minneapolis. A sensação ao assistirmos a cena fictícia é tão assustadora quanto a que tivemos com o vídeo real — incluindo a mesma frase de súplica "I can't breathe!" — e após a “morte” de Carter, o personagem entra num looping temporal — como no Dia da Marmota — que o leva sempre ao mesmo desfecho violento: com ele sendo vítima fatal do policial branco.

Apesar de ser um filme curto com poucos personagens, “Two Distant Strangers” é de uma carga emocional muito grande que nos faz enxergar pela ótica de uma pessoa negra os preconceitos e infortúnios diários com que eles convivem, sendo sempre vítimas de desconfiança, de olhares tortos e da completa desumanização por parte de quem não é dito “de cor”. No curta, mesmo tentando abordagens mais brandas e procurando evitar o confronto a cada nova chance de vida, Carter acaba percebendo que o policial não está a fim de ser empático com a sua figura — mesmo ele provando se tratar de uma pessoa boa cujo cão o está esperando para ser alimentado em casa — e mesmo quando tudo aponta para um desfecho colorido e reconfortador, a dura realidade volta a bater em nossa cara, mostrando que nem todo mundo consegue ter um final feliz numa sociedade tão racista e preconceituosa.

De uns tempos pra cá, eu tenho tentado estudar sobre direitos civis e entender mais sobre o racismo estrutural que permeia o nosso meio — e casos como o João Alberto Silveira Freitas do Carrefour nos mostram que a realidade está bem mais próxima de nós do que imaginamos —, mas é cada dia mais complicado tentar entender o que leva o ser humano em pleno século XXI ainda querer que haja segregação racial ou a querer que as pessoas negras aceitem que o seu “não gostar de negros” é a sua opinião e não estupidez pura e simples. Enquanto os corpos de novos George Floyd e outros João Alberto vão sendo empilhados, a sociedade continua negando a existência de um preconceito racial, inflamando cada dia mais um discurso vazio e rasteiro para justificar a sua ignorância.

Mais do que nunca, é preciso que seja dito… Vidas Negras Importam!

Dois Estranhos disputa o Oscar de Melhor Curta-Metragem em live-action e tem tudo para fazer história na premiação em tempos tão necessários de obras diretas e concisas como essa. Fica nossa torcida.

NOTA: 10 


P.S. – O Pantera Negra da Marvel chegou a ser chamado de “Black Leopard” em 1972 para que houvesse uma dissociação do Rei de Wakanda com o partido político homônimo do personagem e tanto Jack Kirby quanto Stan Lee, os criadores dele, sempre negaram a influência dos Panteras Negras para o desenvolvimento de T’Challa. Em tempos, a primeira menção a um grupo denominado “Panteras Negras” surgiu nos EUA em 1965, mas o grupo criado por Huey Newton e Bobby Seale só surgiu um ano depois, na mesma época em que o Pantera Negra da Marvel fez sua estreia nas HQs do Quarteto Fantástico.

Pantera Negra socando nazista

 

P.S. 2 - A cena em que o cachorro do personagem Carter James de Dois Estranhos é focalizado esperando ele enquanto seu dono é baleado pelo policial filho da puta deu um gatilho foda! Ainda estou de luto pelo meu amigo Peter e cada referência canina na ficção me causa um turbilhão de lágrimas!


Fontes:

Para entender os Panteras Negras

Quem foi o Messias Negro

Quem foram os The Crowns

O Pantera Negra da Marvel e seu contexto político

O Caso João Alberto Silveira Freitas

O Caso George Floyd


NAMASTE!

22 de abril de 2021

Soul entre os Dois Irmãos de Mulan - Oscar 2021


No Combo Breaker dessa semana o Blog do Rodman vai fazer um jabá DE GRAÇA para o Disney Plus e falar de três filmes do catálogo da plataforma que vão disputar o Oscar 2021.

Sigam-me os bons!

MULAN



Há algum tempo os estúdios Disney vêm tentando adaptar suas animações clássicas para novos públicos, mas a cada novo lançamento, fica bem claro que é uma tarefa difícil agradar tanto aos fãs dos desenhos antigos quanto os novos. Com a estreia de Mulan em setembro (2020), não foi diferente, e o filme dirigido pela neozelandesa Niki Caro sofreu críticas duras até mesmo antes de seu filme dar as caras no serviço de streaming da Disney.



Em geral, o público que estava acostumado com a animação de 1998 torceu logo o nariz para as modificações anunciadas para o live-action e muita gente nem quis conferir o resultado. Entre as grandes alterações, constam a ausência do carismático Mushu  que no desenho funcionava como a voz da consciência da protagonista — e a adaptação do personagem Li Shang, o oficial comandante que acaba se apaixonando por Mulan enquanto ela ainda está disfarçada como um soldado do exército chinês. 

Mushu e Li Shang
Mushu e Li Shang


No filme, os roteiristas optaram por dividi-lo em dois personagens distintos, um o Comandante Tung (Donnie Yen) que adota uma postura mais paternal com Mulan e outro, Honghui (Yoson An), que assim como ela, é um jovem recém-alistado no exército e por quem a garota acaba desenvolvendo certo afeto. Vale lembrar, que no desenho, Li Shang sempre foi visto como um símbolo bissexual forte, uma vez que ele já gostava de Ping (o nome que Mulan adota para ingressar como um homem no exército) muito antes de saber que ele na verdade era ela. Nem é preciso dizer o quanto essa decisão desagradou os fãs do original.



Apesar de todas as críticas quanto às mudanças — que não se limitam apenas a Mushu e Li Shang — o longa-metragem, que foi uma grande aposta da Disney para abraçar ainda mais o público asiático, funciona muito bem como um produto independente, se o desassociarmos da animação. A produção de figurinos, cenários e ambientação é impecável, além do que o trabalho de fotografia da diretora australiana Mandy Walker é bastante impactante em várias cenas, causando a imersão necessária para a história.



O elenco de Mulan também não decepciona, começando pela protagonista vivida por Liu Yifei que garante ótimas cenas de ação e transparece a bravura da sua guerreira chinesa. Yifei é mais comumente vista em produções asiáticas e chegou a fazer participações também na série Once Upon a Time. Em Mulan, a atriz de 33 anos não compromete em seu papel principal, mas fica bem óbvio que ela não convenceria ninguém se fazendo passar por um homem. Enquanto na animação a personagem passa por toda uma masculinização — sacrificando inclusive os cabelos longos —  para poder substituir o pai na guerra, visualmente quase nada é alterado entre a Hua Mulan do filme e sua personificação masculina Hua Jun. Mesmo assim, isso não compromete a atuação de Yifei, que consegue fazer com que nos importemos com sua heroína ao longo de sua jornada, como diria a Lumena!



O elenco estelar de Mulan ainda traz o já veterano Jet Li na pele do Imperador chinês — e confesso que demorei para o reconhecer embaixo da indumentária pomposa —, o já comentado Donnie Yen como o Comandante das tropas chinesas, a atriz Gong Li como a bruxa Xian Lang — personagem que não existe na animação de 1998, mas que casou bem com o clima mais místico do live-action — e Jason Scott Lee que vive o antagonista principal do filme Bori Khan, substituindo o guerreiro huno do desenho Shan-Yu — apesar dos dois serem semelhantes em aparência. 



Assim como a animação noventista, o longa Mulan é baseado livremente na história folclórica chinesa “A Balada de Mulan” e no original, a guerra da China não é contra os hunos — como vimos no desenho — e sim contra os invasores Rouran, cujo líder tribal é representado no filme pelo personagem de Scott Lee. A motivação de Khan em querer acabar com a dinastia chinesa no filme de Niki Caro também é bem mais plausível, já que ele faz tudo a seu alcance para vingar a morte do pai nas mãos do imperador e também para manter a terra e a cultura do seu povo, oprimido pelos chineses. Se a gente pensar bem… ele não está tão errado assim!

Quem não é velho como eu nem deve saber, mas Jason Scott Lee estrelou a primeira cinebiografia de Bruce Lee nos anos 90 (Dragão – A História de Bruce Lee, de 1993), e eu também demorei um pouco para reconhecê-lo no filme, agora no alto dos seus 54 anos. Estamos ficando velhos, Magneto!   



Vale a pena assistir, Rodman?

Se você não é extremamente apegado à animação e quer ver um filme bacana com muita aventura e ação, além de curtir cenários maravilhosos da cultura chinesa, vale sim, jovem padawan! Mulan não é nem de longe tocante como o desenho — principalmente se compararmos o final apoteótico de uma China agradecida reverenciando a Mulan no final da animação —, mas traz bons questionamentos sobre a posição feminina numa cultura tão machista, embora esse tema esteja diluidíssimo em meio a efeitos visuais e cenas de pancadaria. A Mulan do filme não ser apenas uma mulher muito bem treinada que se equipare a homens em combate também diminui bastante a personagem e o apoio na muleta do domínio do “Chi” que ela possui desde criança a torna só alguém muito privilegiada que não se esforçou para ter suas habilidades. É como se a Mulan do live-action gritasse para o espectador:

“Se eu tenho o domínio do Chi e as outras pessoas não, É PORQUE EU MERECIIII! ”



Em tempos, ignorado completamente pelo Golden Globes, Mulan concorre a duas categorias no Oscar, o de Melhores Efeitos Visuais e o de Melhor Figurino, que tem tudo para levar para casa. Vamos ver se depois de tanta crítica, algum prêmio o filme leva!

Nota: 8


SOUL



Para mim, assim como para outros adoradores de animações, o selo “Pixar” vem acompanhado de uma expectativa imensa que só pode ser compensada com um balde de lágrimas que carregamos ao final da sessão de cinema. Pelo menos ao meu ver, tem sido assim desde Toy Story — menos o 4! —, passando por Wall-E, Ratatouille e chegando nos mais modernos como Divertida Mente e Viva – A vida é uma festa. A gente meio que se acostumou a esperar sempre o máximo de emoção num desenho animado do estúdio e não tinha como ser diferente com Soul, o que deixou um pouco daquele gosto amargo na boca.

Você quer dizer com isso que Soul é ruim, Rodman?

Não, nem de longe, caro padawan! A minha decepção com Soul tem mais a ver com a minha expectativa que estava no pico antes de eu começar a assistir do que propriamente com o desenvolvimento da história e dos personagens em si. Mas tentarei explicar.

Para começar, é bom lembrar que Pete Docter, o diretor do filme, não é nenhum iniciante e que tem no currículo além de Monstros S.A., os magníficos Up – Altas Aventuras e Divertida Mente, tendo ele ganhado o Oscar de Melhor Animação pelos dois últimos. Além da direção, Docter participou do roteiro de incontáveis outros sucessos da Pixar, o que o gabaritava imensamente para ser o grande cara por trás de Soul.



Soul é uma imersão psicológica bastante contundente não só ao nosso lado espiritual — e à primeira vista é muito fácil relacionar certos elementos narrativos com uma ou outra religião —, mas principalmente a nossos medos mais “modernos”. Apesar de ser uma animação que esteja ali para agradar também as crianças, a mensagem principal é sim para nós os adultos e quando mergulhamos na história, a mensagem nos pega de maneira firme. 

No enredo, o personagem Joe Gardner (dublado por Jamie Foxx) é um professor de música frustrado que ainda busca um lugar entre os grandes musicistas de jazz da cidade, embora esconda um passado de rejeições que faz com que até sua mãe duvide de suas capacidades instrumentistas, embora ele as tenha. A realidade se mostra bem irônica, no entanto, quando sua grande chance de mostrar seu talento na banda da cultuada “jazzista” Dorothea Williams (Angela Bassett) acaba sendo frustrada por um acidente que encerra sua participação no “show da vida”. E não… isso não é spoiler. Tem até no trailer!



Sem conseguir mostrar do que é capaz para Williams na Terra, Joe embarca numa jornada desesperada para tentar voltar para seu corpo, mostrando a todos do lado de lá do desconhecido que ele não está pronto para morrer e que a sua missão ainda não terminou. Auxiliado pelos mentores espirituais denominados “Zé” — um deles dublado pela brasileira Alice Braga — e tendo que servir ele próprio como conselheiro da alma impetuosa 22 (dublada por Tina Fey), Joe acaba descobrindo que sua jornada nunca foi se tornar um músico prestigiado e sim aproveitar melhor as pequenas coisas da vida, sendo esse seu propósito específico.



E nesse ponto o filme me atingiu fulminantemente!

Não só pela pandemia, mas por diversos outros motivos, eu me tornei uma pessoa reclusa que simplesmente não vê mais significado na vida e que não acredita mais em “propósito” (falei um pouco disso aqui recentemente). Nesse quesito, Soul é brilhante, já que mostra ao espectador tanto na figura do Joe — o sujeito inconformado com a própria vida, aquele que acha que precisa de um sentido para viver — quanto na 22, que é uma alma que simplesmente se recusa a nascer em um corpo na Terra, não vendo nem sentido ou qualquer motivação para estar entre os mortais. Enquanto a convivência entre eles os ensina novas perspectivas — e também a nós que estamos assistindo sua aventura — o filme leva os personagens a diversos cenários oníricos e subconscientes, lidando muito bem com assuntos como depressão e ansiedade, dois males que nos acompanham diariamente nessa corrida constante da vida adulta para ser alguém.



Mas afinal… nós temos mesmo que encontrar nosso propósito ou basta vivermos um dia de cada vez, fazendo o máximo pelo nosso próprio bem-estar e daqueles a nosso redor?

Soul nos leva a essa reflexão e cada um acaba tendo sua própria resposta ao final do filme, enquanto os créditos sobem e as lágrimas escorrem dos olhos.



Apesar de toda essa carga emocional, ainda não considero Soul um dos melhores trabalhos de Pete Docter, mas talvez ele ganhe maior espaço em meu coração ao longo dos anos.

Soul disputa o prêmio de Melhor Animação no Oscar 2021 e já garantiu a Docter o Globo de Ouro na mesma categoria e também em Melhor Trilha Sonora. Para mim, apesar do filme deixar um pouco o tema música em segundo plano, eu acho que a trilha tinha obrigação de ser mais inspirada e impactante, algo como o excelente “Whiplash” — só pra ficar no tema jazz — que gruda suas músicas na mente mesmo horas e horas após a exibição. Mas quem sou eu para criticar os véi que premiam as categorias do Golden Globes, não é mesmo?

Nota: 8,5


DOIS IRMÃOS



Eu preciso admitir aqui que não tinha a menor vontade de assistir Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (no original “Onward”) e que tinha agido SIM com preconceito quanto à temática da animação, bem como o visual dos personagens.

Aiiiiin, Rodman! Seu elfofóbico!

Me desculpem os elfos azuis que estiverem lendo esse post, mas eu tinha ligado o meu completo foda-se para a animação, até o momento em que começaram a chover críticas quanto a Soul ter vencido o Globo de Ouro de Melhor Animação no lugar de Onward. Naquele momento, eu que ainda não tinha visto Soul, percebi que para fazer um post mais abalizado de indicações ao Oscar, eu precisava assistir aos dois e tirar minhas próprias conclusões. E a verdade é uma só: ambos os filmes não se comparam.

Antes que facas e foices comecem a ser arremessadas, vale lembrar que as duas produções levam o selo Disney / Pixar, o que faz com que qualquer que seja o resultado de uma “briga” entre elas, o Mickey vai contar dinheiro do mesmo jeito! Em favor de Dois Irmãos, a pegada “Disney” na animação é mais notória, já que a aventura do subtítulo deixa bem clara que a história é sim mais leve e bem mais focada no público infantil do que Soul, por exemplo. É meio que querer comparar Shazam! da Warner, que tem uma cara mais infantiloide e bobalhona com a obra-prima da sétima arte que é Zack Snyder’s Justice League, o filme mais adulto de todos os tempos — e nem ouse discutir, padawan! Eu envelheci mais 15 anos só em assistir as quatro horas daquela porra!

Apesar de não serem histórias para um mesmo público, é inevitável não compararmos os dois filmes, já que ambos disputam o mesmo prêmio de Melhor Animação, e nesse quesito é bom referenciar aqui, me fazendo queimar bastante a língua e engolir a minha elfofobia a seco, que Dois Irmãos é sim mais divertido que Soul.

O que? Calúnia! Difamação, Rodman!

Onward é escrito e dirigido por Dan Scanlon, que diferente de Pete Docter, não tem um currículo tão impressionante, estando à frente anteriormente apenas do fraquinho Universidade Monstros, o prequel de Monstros S.A. Apesar da pouca experiência na direção, Scanlon entrega um filme bem redondo e de fácil digestão para o público, em especial por fazer com que nos importemos logo de cara com o personagem loser da vez dublado pela eterna viúva do “Senhor Stark” Tom Holland



Num mundo mágico onde os seres que o habitam — além de elfos tem trolls, unicórnios, fadas e centauros — simplesmente deixaram de usar a magia pela conveniência das modernidades tecnológicas, no dia do seu aniversário de 16 anos, Ian Lightfoot (Holland) recebe da mãe Laurel (Julia Louis-Dreyfus) um presente que guardou por anos, dado pelo pai já falecido do garoto elfo. Segundo a carta deixada por ele, o artefato vai permitir que o antigo patriarca da família retorne para conviver com os filhos durante um dia através de magia. O presente em si é um cajado e as instruções deixadas pelo pai exigem que um dos meninos — Ian e seu irmão mais velho Barley, dublado por Chris Pratt — utilize a magia adormecida para trazê-lo dos mortos, o que obviamente dá errado num primeiro momento.



Tendo destruído no processo de ressuscitação a gema mística que seria usada como intermédio entre os mundos — e tendo trazido apenas a metade da cintura para baixo do pai de volta — todo o plot dos dois irmãos se desenvolve pela busca de uma outra “gema fênix” para trazer o restante do pai, o que faz com que eles partam numa jornada ensandecida pelo mundo místico que agora não é mais como antigamente.



Cheio de referências a jogos de tabuleiro de RPG, com uma trilha sonora recheada de Rock N’ Roll com orquestras e um humor muito característico, Dois Irmãos é com segurança a animação mais divertida que assisti nos últimos tempos e também um dos últimos filmes que consegui assistir de uma tacada só, sem nem me levantar para fazer qualquer outra coisa. A aventura dos irmãos Lightfoot é mesmo digna de ser acompanhada na íntegra e não causa nenhum sentimento de estranheza pela ambientação pouco comum daquele mundo fantástico representado na tela. A forma criativa como os roteiristas representam alguns seres místicos já tão inerentes no nosso imaginário popular é muito boa, e mesmo não estando nos melhores dias da minha vida, confesso que abri um sorriso com a gangue das fadas motociclistas. Outro ponto de risos contidos foi a performance a laUm Morto Muito Louco” do patriarca dos Lightfoot, com suas dancinhas e seu gingado um tanto quanto etílico. Hilário!  



Claro que por se tratar de uma história sobre paternidade, a emoção é garantida no desfecho do filme e toda a nossa apreensão pela conclusão ou não da jornada dos personagens é compensada brilhantemente com um final bastante tocante entre os irmãos e seu pai. A Pixar já tinha me feito chorar com um robô apaixonado em Wall-E, já tinha me arrancado lágrimas da interação de uma criança com seus brinquedos e tinha feito eu me importar com um rato cozinheiro… mas fazer eu me debulhar em lágrimas por causa de uma van É SACANAGEM! O sacrifício da Guinevere ao som de “Rise to Valhalla” é um dos momentos mais épicos do filme. Chorei e não foi pouco!



Vale lembrar aqui que muito da minha emoção com o filme se deu também porque eu perdi o meu grande amigo canino no começo desse dia e ainda estava bastante fragilizado emocionalmente. A recuperação tem sido lenta e gradativa.

Hoje eu endosso o coro dos fãs que disseram que Dois Irmãos foi bastante injustiçado em não receber o mesmo tratamento midiático que Soul recebeu e assino embaixo. A pandemia e o não-lançamento do longa nos cinemas também prejudicou bastante a divulgação da animação e muito disso se refletiu no resultado do Globo de Ouro, que premiou Soul no lugar de Onward e de Os Croods 2: Uma Nova Era, da DreamWorks. Na categoria Melhor Animação do Oscar 2021, Onward vai enfrentar novamente Soul, além das animações A Caminho da Lua (Netflix), a irlandesa WolfWalkers (Cartoon Saloon) e Shaun, o Carneiro: O Filme (Netflix). As apostas estão altas, mas acho difícil que Pete Docter não leve mais essa estatueta para casa.

Nota: 9

Mulan, Soul e Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica estão disponíveis no catálogo da Disney Plus e podem ser vistos por lá exclusivamente até a premiação máxima do cinema estado-unidense mundial.

O Blog do Rodman vai acompanhar a cerimônia do Oscar dia 25 e em breve falaremos dos grandes vencedores da noite direto do tapete vermelho…

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Mentira, claro! Estarei de pijama em frente à TV assistindo a transmissão. Ainda estamos numa pandemia e eu não fui vacinado, porra!


NAMASTE!    

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