Chegou aquela época do ano em que a gente deixa um pouco de lado os filmes de bonecos fazendo “piw piw” e assume a nossa persona de Rubens Ewald Filho para falar um pouco sobre FILMES QUE PRESTAM de verdade.
No Combo Breaker de hoje, vou destacar Emilia
Pérez, Anora e Conclave, todos eles disputando com Ainda Estou Aqui o prêmio
máximo do cinema no Oscar 2025.
Sigam-me os bons!
Emilia Pérez
Dirigido pelo já polêmico Jacques Audiard (“Ferrugem e Osso”,
de 2012) Emilia Pérez conta em forma de musical a história do chefe de cartel
de drogas mexicano, Juan Manitas (Karla Sofía Gascón) que decide contratar uma advogada
em evidência na mídia para que ela possa ajudá-lo a fazer a sua transição de gênero em
sigilo. "Matando” assim a sua persona masculina para sempre.
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Jacques Audiard e o elenco de Emilia Pérez |
No enredo, a advogada Rita Mora (Zoë Saldaña) acabou de
ganhar uma causa onde conseguiu safar um criminoso da prisão quando ela é abordada por
Manitas, que lhe oferece uma caralhada de dinheiro em troca dos seus serviços.
Em seu primeiro encontro para tratar sobre negócios, Rita fica
cara a cara com o narcotraficante em seu esconderijo, e se sente tentada a ajudá-lo com o seu problema de falta de identificação de gênero, porque, afinal, ela é
uma fodida que precisa muito da grana.
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Karla Sofía Gascón como "Manitas" e Zoë Saldaña |
Nesse encontro, Rita também conhece a esposa de Manitas, Jessi (Selena Gomez), além dos dois filhos do casal, e isso faz com que ela repense momentaneamente em aceitar ou não a proposta do traficante.
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Selena Gomez e sua fluência ZERO em espanhol |
Embora isso não fique muito claro ao espectador num primeiro momento, Manitas não pretende voltar a ver a sua família após a sua redesignação sexual, dando também um “migué” em seus comandados e na sua vida criminosa. É por essa razão que Rita chega a pensar em desistir de ajudá-lo.
Por fim, ela aceita e foda-se! “Vou ficar milionária e a
família do meu cliente que se lasque!”
Logo após Rita concordar em conhecer algumas das clínicas que façam a cirurgia
de transgenitalização de maneira discreta, vem uma das cenas mais constrangedoras
que eu já assisti na minha vida. O momento em que a advogada visita uma clínica na Tailândia e
que rola o musical que virou meme na internet de tão absurda!
“Homem para mulher ou mulher para homem?”
“Homem para mulher”
“Então, pênis para vaginaaaa”
É sério. Fiquei imaginando alguém que passou por uma transgenitalização de verdade assistindo a essa sequência vergonhosa que trata com humor escrachado um assunto tão sério!
E tudo isso com musiquinha e dancinha… como se o filme fosse
editado por um adolescente no TikTok!
O filme em si tem muitos momentos embaraçosos e a listagem
parece infindável quando paramos para pensar um segundo sobre o que estamos assistindo
na tela. Para começar, a maneira estereotipada com que o diretor Jacques
Audiard enxerga o México e a sua cultura. O francês chegou a visitar o país
antes das filmagens, mas admitiu que a visão que ele tinha do México “não
condizia com a realidade que ele encontrou lá” ao visitá-lo.
No final, ele mandou um foda-se ao que os mexicanos poderiam pensar a esse respeito e decidiu continuar até o fim com a
sua representação preconceituosa sobre o que ele pensava ser o México —
um lugar onde a criminalidade impera, com mariachis cantando no meio da rua, onde se faz pouco caso quanto aos desaparecidos mexicanos mortos pelo narcotráfico e onde as cidades têm um aspecto de mundo pós-apocalíptico de tão sujas e destruídas.
É como se um norte-americano tentasse fazer um episódio dos Simpsons sobre o Brasil sem nunca ter visitado o país e colocasse no desenho todos os seus preconceitos e estereótipos representados graficamente na tela, com macacos espalhados pela cidade, mulheres nuas andando nas ruas sacudindo os peitos e selva onde deveria haver prédios e asfalto.
Já pensou se isso tivesse acontecido???
Em outra de suas falas polêmicas, Audiard ainda relacionou o idioma espanhol — falado em quase 80% do seu filme — com pobreza e depois pediu desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas de alguma forma pelo seu filme.
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Declarações polêmicas de Jacques Audiard |
É o famoso "foi mal, eu tava doidão"!
Para jogar de vez uma pá de merda sobre o filme, a própria
atriz que interpreta a personagem título do filme acabou sendo desmascarada
como sendo uma bela de uma racista ainda durante a campanha de premiações do longa. Em postagens antigas, a espanhola Karla Sofía Gascón destilou o seu veneno nas redes sociais contra
negros, muçulmanos e outras minorias, esquecendo completamente que ela também faz
parte de uma minoria, a das pessoas trans.
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"... a sua religião [Islã] é incompatível com os valores ocidentais." |
Em tempo, Emilia Pérez tem VARRIDO as premiações a que tem sido
indicado desde o ano passado, e entre esses prêmios, levou, inclusive o Golden Globe de Melhor Filme de Comédia ou Musical, Melhor Atriz Coadjuvante (para Zoë
Saldaña), Melhor Filme em Língua Não-Inglesa e Melhor Canção Original com “El
Mal” na interpretação das próprias Zoë Saldaña e Karla Sofía Gascón.
Emilia Pérez concorre a 13 estatuetas do Oscar nesse ano e mesmo com o escândalo das declarações infelizes de Gascón e do show de estereótipos criado pelo diretor francês, o filme tem fortes chances de garantir pelo menos uma dessas estátuas, batendo de frente com “Ainda Estou Aqui” em todas as categorias que o brasileiro também disputa.
Na internet, nem os próprios mexicanos “representados” no
cinema pelo filme "tankaram" essa produção, e até a comunidade LGBT pareceu não ter ficado muito satisfeita com a maneira no mínimo desrespeitosa com que foi
mostrada em tela.
Mas, sabe quem adorou o filme e que tá doido para premiar Emilia Pérez por “dar visibilidade à causa trans”? Os velhos da academia de cinema estadunidense que, na realidade, tão pouco se fodendo tanto para as pessoas trans quanto para os mexicanos!
Anora
Tirando Emilia Pérez, que já assisti tendo alguma noção do que
se tratava a história do filme, esse ano eu tentei ver as produções que
disputam o Oscar de Melhor Filme antes de me inteirar sobre as suas sinopses,
ou mesmo dar uma conferida nos trailers.
A tragicomédia Anora foi um desses casos que assisti “no pelo”. Até antes
de começar a projeção, eu não fazia a mais puta ideia do que se tratava o
filme, mas acabei me surpreendendo muito positivamente com a produção que levou
a Palma de Ouro em Cannes em 2024 — um dos prêmios mais prestigiados do cinema.
Na história, Ani — ou Anora, como ela realmente se chama — vivida
pela atriz Mikey Madison, é uma jovem stripper do Brooklyn que, numa noite de
sorte, é indicada por seu cafetão para entreter o filho de um oligarca russo na
boate em que trabalha.
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Mikey Madison como a dançarina erótica Ani |
Pela fluência de Ani no idioma do rapaz Ivan (Mark
Eydelshteyn), a “dançarina erótica” acaba pegando simpatia por ele, o que mais
tarde, após novos encontros — inclusive fora da boate — ocasiona um
improvável romance entre os dois.
Decidida a aceitar a sugestão de Ivan de se casar com ele para que o russo tenha direito à cidadania norte-americana — e fugir da intransigência de seus pais milionários —, Anora passa a viver uma história de Cinderela contemporânea por alguns dias.
Em Las Vegas, o casal resolve consumar o
relacionamento intempestivo e se casa de forma impulsiva. Quando a notícia do
casamento chega à Rússia, o conto de fadas é rapidamente ameaçado: os pais do
jovem partem para Nova York com a irredutível intenção de anular o matrimônio.
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Ivan e Ani |
Ah, Rodman… o filme é só isso? Uma história de comédia romântica? Que bosta!
Aí é que está a graça do roteiro escrito e dirigido por Sean
Baker (de Tangerine, 2015). Partindo desse plot super simples é que o filme
começa a desenvolver uma história muito dinâmica e extremamente divertida
enquanto os capangas armênios do pai de Ivan começam a se meter no casamento do
casal, além de caçar o jovem russo por Nova York no momento em que ele decide sumir
do mapa simplesmente para não ter que lidar com os mandos e desmandos dos pais
autoritários.
As interações de Anora com os atrapalhados empregados armênios
são hilárias e é impossível ficar indiferente ao humor crescente que o filme
vai nos apresentando a cada nova cena, e a cada nova encrenca a que a moça vai
se metendo para não perder todo o luxo e a riqueza com que ela foi agraciada ao
se casar com o moleque irresponsável.
Aliás, entre as concorrentes de Fernanda Torres ao prêmio de
Melhor Atriz do Oscar, Mikey Madison é uma das mais fortes de todas. Em cena,
além das inúmeras tomadas de strip-tease e de sexo que ela protagoniza diante
das câmeras, a jovem atriz de 25 anos — que despontou no sexto filme da
franquia Pânico como a personagem Amber e que foi uma das hippies malucas do bando de
Charles Mason em Era Uma Vez… Em Hollywood — dá um verdadeiro show de interpretação
nas sequências cômicas, mas principalmente nas dramáticas, o que justificou o
seu prêmio no Bafta de 2025 como Melhor Atriz — desbancando a favorita do
público, Demi Moore de A Substância.
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Mikey Madison em "Pânico", "Era Uma Vez... Em Hollywood" e em "Anora" |
Anora foi o filme mais divertido entre todos os que assisti
a concorrer ao Oscar desse ano e o único que eu toparia rever futuramente.
O longa arrecadou mais de US$ 20 milhões de bilheteria e, além do prêmio de Melhor Atriz, disputa também o Oscar de Melhor Filme, Melhor
Direção (para Sean Baker), Melhor Roteiro Original, Melhor Ator Coadjuvante
(para Yura Borisov, que interpreta um dos principais capangas do sogro de
Anora) e Melhor Montagem.
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O diretor Sean Baker e o ator Yura Borisov |
Conclave
“Cardeal Bellini. Quem você indica para o paredão do Vaticano e o porquê
em trinta segundos!”
Uma boa definição para quem ainda não viu Conclave e
pretende assistir ao longa dirigido por Edward Berger (de Nada de Novo no Front de
2022, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional) é que a história é um Big Brother de cardeais que se juntam para eleger o
novo Papa.
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O diretor de Conclave, Edward Berger |
Aliás, a ironia da coisa em um filme que trata sobre esse
assunto estar em voga exatamente na época em que o Papa vigente, Francisco,
está sofrendo com problemas graves de saúde é uma puta campanha de marketing involuntária
do Vaticano ao longa, não é?
Brincadeiras idiotas à parte, Conclave segue os passos do cardeal
Lawrence (Ralph Fiennes) do momento em que ele é obrigado a reunir um grupo de
sacerdotes para eleger o sucessor do Papa que acabou de falecer até a escolha,
de fato, do novo pontífice.
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Ralph Fiennes como o cardeal Lawrence |
Cercado por líderes do mundo todo nos corredores do Vaticano
— incluindo um misterioso religioso mexicano —, Lawrence descobre uma trilha de
segredos profundos que podem abalar a própria fundação da Igreja.
Nesse meio-tempo, é claro que rolam várias intrigas entre os
sacerdotes durante a reunião do conclave — que é como é chamada a reunião geral
para eleger um novo Papa —, bem como compra de votos, lavação de roupa suja
sobre o passado de alguns deles e muito, muito golpe baixo.
Pra ser um BBB, só falta mesmo a apresentação do Tadeu Schmidt,
porque o resto está todinho lá!
Apesar de ter feito pouco alarde “no mundo real” quanto ao
plot twist final do longa, Conclave consegue subverter muito bem a expectativa
do público até o desfecho da narrativa, tornando as sequências de contagem de
votos e o suspense envolvendo quem será o novo Papa interessantes — mesmo parecendo
de início que o enredo não vai sair da mesmice de roteiro que outros filmes envolvendo
o Vaticano já construíram em Hollywood.
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Carlos Diehz como o cardeal latino Benitez |
Além de Fiennes que está cotado ao prêmio de Melhor Ator no
Oscar 2025, o filme ainda conta no elenco com os excelentes Stanley Tucci (como
o cardeal Bellini), John Lithgow (como cardeal Joseph) e Isabella Rossellini
(como a irmã Agnes).
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Stanley Tucci, John Lithgow e Isabella Rossellini |
Conclave está indicado a oito estatuetas do Oscar, incluindo
Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Isabella Rossellini), Melhor Roteiro
Adaptado, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora, Melhor Figurino e Melhor
Montagem.
Conclave levou o prêmio de Melhor Elenco no SAG Awards desse
ano e isso pode servir de termômetro para quem vai ganhar o Oscar de Melhor
Filme em 2025. Nos últimos anos, o SAG anteviu a maioria dos filmes que
acabaram saindo vitoriosos de dentro do Dolby Theatre em Hollywood.
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Conclave premiado pelo Screen Actors Guild |
E, cá entre nós, entre todos os que disputam a estatueta
mais cobiçada do Oscar, Conclave é o filme com “mais cara de Oscar” de
todos!
A minha torcida é para Ainda Estou Aqui, por razões óbvias,
mas se for para não ser clubista, quero muito que Anora leve o de Melhor Filme…
até porque a Fernanda Torres vai levar o de Melhor Atriz COM CERTEZA!
Eu falei também sobre “A Substância” (que concorre a Melhor
Filme) e “Divertida Mente 2” (Melhor Animação) no resumão dos filmes de 2024.
Clica no banner aí e seja feliz.
NAMASTÊ!
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