Desde Setembro de 2011 fora do ar por causa de uma piada infeliz sobre a cantora Wanessa Camargo e seu, na ocasião, vindouro filho, o comediante (humorista, “estandaper”) Rafinha Bastos, que na época aparecia duas vezes por semana na Band, na bancada do CQC e em uma pegada mais jornalística às terças-feiras no comando de A Liga, parece ainda estar vivendo seu inferno astral; Alvo de vários processos e ainda tendo seu DVD A Arte do Insulto, proibido de ser vendido em lojas em decorrência de uma piada (outra vez infeliz) sobre seu pênis e a APAE.
Sempre achei de mau gosto piadas ou brincadeirinhas sobre pessoas que apresentam algum tipo de doença genética ou deformidades físicas e/ou mentais, e acho que devo isso ao tipo de educação que tive na infância, ou o medo que me botavam quando ameaçava sacanear alguém visto como excepcional. “Não fala assim de quem tem Síndrome de Down. Deus castiga!” ou então a célebre “Um dia você vai ter filho. Vai que ele nasce assim também!”. Seja como for, isso se tornou uma verdade para mim, e desde então eu não faço brincadeiras com pessoas especiais e nem tampouco me sinto à vontade ouvindo alguém contar alguma piada sobre. E sim, eu me senti desconfortável com a piada do Rafinha quando assisti seu DVD, mas quem disse que só por isso eu posso me sentir no direito de processar o cara? Ninguém me obrigou a ver o vídeo!
Entre comer a mãe e seu bebê e usar camisinhas retardantes, está novamente o politicamente correto, um fantasma que, disfarçado de “defensor da moral e dos bons costumes” vem assombrando a maioria dos humoristas, engessando-os e fazendo com eles tomem mais cuidado com o que falam na TV, nas redes sociais e até mesmo em seus shows fechados, temerosos de tomar um processo nas costas. Processos, aliás, que devem estar deixando a comunidade de advogados em polvorosa, vendo a fonte mais do que rentável que podem ter em mãos.
No caso de Wanessa, seu bebê, Rafinha e seu afastamento da TV, o que rolou foi mais uma sucessão de interesses envolvendo patrocinadores do programa CQC, o Sr. Ronaldo Nazário e o marido da cantora, o empresário Marcus Buaiz, amigo pessoal de Ronaldo e parceiro de negócios. Claro (e aqui o trocadilho da palavra não foi proposital!) que a corda acabou arrebentando para o lado do mais fraco. Rafinha saiu do CQC e meu interesse (e o de muitos fãs por aí) pelo programa também diminuiu, não somente por sua saída, mas pela prova de que afinal, os interesses financeiros acabaram vindo em primeiro lugar, em vez do humor livre.
Por causa da piada e das críticas de racismo (da outra vez ele foi citado como antissemita), Danilo redigiu um texto (que não faz muito tempo, circulou pelo Facebook) sobre o assunto e alegou que o racismo, na verdade, está na cabeça de quem leu a piada. Segue um trecho escrito pelo humorista:
"Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?
Na piada do King Kong, não disse a cor do jogador. Disse que a loira saiu com o cara porque é famoso. A cabeça de vocês é que têm preconceito."
Mostrando um desprendimento grande além de um jogo de cintura incrível, apesar de às vezes fazer uma ou outra piada de cunho “politicamente incorreto”, o humorista deu uma aula sobre racismo e como a sociedade realmente enxerga (errôneamente) esse problema:
"Se você me disser que é da raça negra, preciso dizer que você também é racista, pois, assim como os criadores de cachorros, acredita que somos separados por raças. E se acredita nisso vai ter que confessar que uma raça é melhor ou pior que a outra, pois, se todas as raças são iguais, então a divisão por raça é estúpida e desnecessária. Pra que perder tempo separando algo se no fundo dá tudo no mesmo?
Quem propagou a ideia que ‘negro’ é uma raça foram os escravagistas. Eles usaram isso como desculpa para vender os pretos como escravos: ‘Podemos tratá-los como animais, afinal eles são de uma outra raça que não é a nossa. Eles são da raça negra’.
Então quando vejo um cara dizendo que tem orgulho de ser da raça negra, eu juro que nem me passa pela cabeça chamá-lo de macaco, MAS SIM DE BURRO.
Falando em burro, cresci ouvindo que eu sou uma girafa. E também cresci chamando um dos meus melhores amigos de elefante. Já ouvi muita gente chamar loira caucasiana de burra, gay de v***** e ruivo de salsicha, que nada mais é do que ser chamado de restos de porco e boi misturados.
Mas se alguém chama um preto de macaco é crucificado. E isso pra mim não faz sentido. Qual o preconceito com o macaco? Imagina no zoológico como o macaco não deve se sentir triste quando ouve os outros animais comentando:
- O macaco é o pior de todos. Quando um humano se xinga de burro ou elefante dão risada. Mas quando xingam de macaco vão presos. Ser macaco é uma coisa terrível. Graças a Deus não somos macacos.
Mas o que quero dizer é que na verdade não sei qual o problema em chamar um preto de preto. Esse é o nome da cor não é? Eu sou um ser humano da cor branca. O japonês da cor amarela. O índio da cor vermelha. O africano da cor preta. Se querem igualdade deveriam assumir o termo ‘preto’ pois esse é o nome da cor. Não fica destoante isso: ‘Branco, Amarelo, Vermelho, Negro’?. O Darth Vader pra mim é negro. Mas o Bill Cosby, Richard Pryor e Eddie Murphy que inspiram meu trabalho, não. Mas se gostam tanto assim do termo negro, ok, eu uso, não vejo problemas. No fim das contas, é só uma palavra. E embora o dicionário seja um dos livros mais vendidos do mundo, penso que palavras não definem muitas coisas e sim atitudes”.
No ar com seu programa Agora é Tarde, uma espécie de Talk Show com participações especiais de outros humoristas de Stand-Up como Marcelo Mansfield, Gentili tem provado que seu senso crítico (Aquele mesmo que o faz ser visto como arruaceiro, bocudo ou politicamente incorreto) é a principal característica de seu humor, e é exatamente isso que incomoda os facilmente melindráveis.
Os engravatados do Planalto foram os principais alvos do humorista quando ele esteve à frente do quadro Controle de Qualidade do CQC, onde os repórteres de preto cobravam os políticos abertamente sobre falcatruas, esqueletos de seus armários ou colocavam no ar alguma declaração comprometedora de nossos excelentíssimos representantes. Programas como esse, que deixam nossos políticos em saia justa, logo eles que estão acostumados a acharem que seus eleitores é que são palhaços, não são costumeiros em nosso país, e por gostar tanto do programa é que eu me senti ofendido com o afastamento de Rafinha Bastos por uma questão que eles mesmos defendiam: A liberdade de expressão. No final das contas o dinheiro falou mais alto, e só o público perdeu com isso. Que me desculpem Felipe Andreoli e Mônica Iozzi, dois dos integrantes do programa que igualmente admiro, mas o CQC não é o mesmo sem o Rafinha e o Danilo. Quadros como o Proteste Já (onde Danilo levou muita porrada), por exemplo, nunca mais tiveram a mesma credibilidade sem eles no comando.
Seja como for, esse avanço gradativo do cerceamento ao humor livre é preocupante, e não é de hoje que falo sobre esse assunto, vendo o quão chato tem se tornado o Brasil e seu povo (em especial uma ou outra organização) altamente suscetível a piadas, sejam de mau gosto ou não. Um país onde as leis costumam ser mais rígidas com quem faz piada, obrigando-os a pagarem indenizações gordas, do que com quem comete crimes mais graves, não deve ser levado a sério. O Brasil por si só é uma enorme piada, e de muito mau gosto. Se a questão é fazer com que nos paguem em dinheiro aqueles que não têm respeito por nós e nos transformam em piada, e aí? Quem vai nos indenizar pelo nariz de palhaço que colocam em nossos rostos desde sempre nesse país de bunda-moles?
Não gostar de uma piada de mau gosto é direito de qualquer cidadão, mas proibir que piadas, sejam sobre qualquer assunto, sequer venham à público faz parte de um autoritarismo, que se não me engano, foi banido junto com a Ditadura Militar. Enquanto a hipocrisia de quem se revolta com piadas for maior do que a indignação com os reais problemas do Brasil, esse país continuará conhecido como aquele que leva piada à sério e que trata como piada os assuntos sérios.
NAMASTE!