“Não tinha medo o tal João de Santo Cristo era o que todos diziam...”.
Dirigido pelo estreante
René Sampaio e escrito por Paulo Lins (autor do livro Cidade de Deus que
inspirou o filme), o longa-metragem Faroeste Caboclo chegou aos cinemas depois
de um grande período de espera desde que foi anunciado, e arrebatou um público
surpreendente (em torno de 1,3 Milhões de espectadores) logo no primeiro mês da
estreia.
Baseado na música
homônima de Renato Russo (líder da Legião Urbana falecido em 1996) o filme
conta a história de João (Fabrício Boliveira), um rapaz negro, pobre e nordestino que decide mudar
sua própria sorte indo de Santo Cristo para Brasília, a capital de seu país. Cansado
de sua vida dura e sofrida, João passa por diversas provações enquanto procura
seu lugar ao sol próximo do Planalto Central, local bastante retratado nas
canções de Renato Russo à frente da Legião.
"Ele ficou bestificado com a cidade" |
Os fãs fervorosos de
Renato e da Legião Urbana talvez se decepcionem com a montagem adaptativa que René Sampaio
procurou fazer para a música, que muitos apontavam como um roteiro pronto de
cinema devido sua qualidade descritiva, e já em seus primeiro minutos, a
narrativa visual do longa deixa bem clara as intenções do diretor em
transformar Faroeste Caboclo (o filme) em algo além do que um simples
videoclipe da música.
O elenco do filme é
integrado por bons nomes como o ator baiano Fabrício Boliveira, a atriz Isis
Valverde, Marcos Paulo (ator falecido no final de 2012 que interpreta o Senador pai de Maria Lúcia) e Antônio Caloni, o
diretor até consegue conduzir boas cenas de drama e de ação utilizando o
talento do elenco, porém o filme carece de um ritmo definido, o que faz com que
alguns momentos-chaves sejam quebrados o tempo todo por flashbacks inesperados e
cortes secos em cenas mais movimentadas.
"Quando criança só pensava em ser bandido..." |
A montagem de Sampaio
tem um quê de cinema americano, em alguns momentos somos transportados para o
clima de velho-oeste (com boa trilha incidental), em outros somos surpreendidos
por angulações de câmeras em locais inesperados (como dentro de um balde d’água
vindo de um poço artesiano), mas na maioria das vezes ele torna as cenas um
tanto quanto monótonas, com uma película envelhecida que dá ao filme aquele
clima tão característico de desolação nordestina, do qual já estamos meio
fartos de assistir desde a infância. Afinal, o que é que o cinema brasileiro
produzia antigamente além de filmes sobre o Nordeste brasileiro?
Mas, Rodman... O João é
nordestino! Como você queria que fosse a retratação do Nordeste no filme?
O problema nem é com a retratação
do Nordeste, e sim com o tipo de montagem que o diretor escolheu, fazendo com
que o filme não possuísse características próprias.
"Era o terror da cercania onde morava..." |
A falta de trilha
sonora na maioria das cenas incomoda. Ouvimos acordes de Faroeste Caboclo no
início do filme, algumas músicas que remetem a filmes de velho-oeste (por vezes
cortadas secamente ao estilo Tarantino) e há também o bom Rock N’ Roll
brasileiro (músicas da Plebe Rude e do próprio Aborto Elétrico, antiga banda de
Renato Russo), mas na maioria das cenas só o que escutamos é o silêncio. Até mesmo
nas mais tensas demonstrações dramáticas.
O texto de Paulo Lins
constrói uma narrativa objetiva e de fácil digestão, porém muda (como toda boa
adaptação) pontos principais da música da qual se baseia, o que faz com que
tenhamos surpresas na linha de roteiro com a qual já estávamos acostumados desde
que decoramos a letra de nove minutos para cantar nas rodas de violão da hora
de intervalo da escola. Não, João de Santo Cristo não sobrevive nessa versão,
se é o que você está pensando, jovem padawan, mas existem sim muitas alterações
na história.
"Maria Lúcia era uma menina linda..." |
Seja por redução de custos (o filme tem apenas 1h40 e iniciou com
um orçamento de 6 Milhões) ou por questões de alteração de mídia (da música pro
cinema) algumas soluções encontradas foram interessantes, como a razão da
traição de Maria Lúcia (Isis Valverde), o desenvolvimento da personalidade do primo Pablo (César Troncoso) ou a criação dos coadjuvantes que cercam
os personagens que aparecem na letra da música (como o “padrinho” do Jeremias vivido
por Antonio Caloni). Outras, no entanto, enfraqueceram a história original e
não apresentaram inovações, como a mudança de cenário para o duelo entre João e
Jeremias (Felipe Abib). Cadê as bandeirinhas, o povo a aplaudir, o sorveteiro, as
câmeras e a gente da TV que filmavam tudo ali?
Achei desnecessária
essa alteração.
"Jeremias maconheiro sem vergonha organizou a Roconha e fez todo mundo dançar..." |
Por falar no duelo
final, o que me levou a dar a nota que darei ao filme ao fim do post foi
justamente o clímax dessa cena. Eu encarei todas as alterações de roteiro ao
material original como “licença poética”, aceitei as cenas corta-tesão, ignorei
o fato do filme ter um ritmo meio cansativo e aceitei até a falta de
trilha-sonora impactante... Mas não consegui engolir a sequência final, onde (sem
nenhum Spoiler) Jeremias mata João, que mata Jeremias que mata Maria Lúcia.
"Maria Lúcia pra sempre vou te amar..." |
Esse trecho da música,
a elevação do som, dos acordes mais agressivos marcam a mudança de clima da trajetória de vida do personagem principal. João perdeu
tudo que mais amava para seu pior inimigo, ele não está satisfeito e chama o
traficante para um duelo em plena Brasília. Ceilândia. Lote 14.
Essa parte da
história dá praticamente o título da música. É o que esperamos ver desde o
começo do filme (que numa bela montagem, mostra o desfecho logo no primeiro
minuto da reprodução), e aí René Sampaio numa falta de colhões épica tira todo
o impacto da cena para que ela fique mais “romântica”?
"... e um filho com você eu quero ter." |
Cadê todo aquele “ódio por dentro”? Cadê a
frase “Olha pra cá filho da puta sem vergonha Dá uma olhada no meu sangue E vem
sentir o meu perdão” que funcionaria como um tremendo bordão para desfecho de
cena? Cadê o sangue no “zóio” do Santo Cristo por tudo que Jeremias lhe fez ao
longo da história?
Achei o final bem apagado para a minha expectativa, e em minha opinião não fez jus ao
desfecho grandioso da obra de Renato Russo. A meu ver, faltou colhões para
fazer de Faroeste Caboclo um filme muito mais corajoso do que o que acabou
saindo. No final, percebemos que a história tinha grande potencial, mas acabou
se rendendo ao clichê, não permitindo um desenvolvimento melhor e mais
aprofundado.
"Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu..." |
Faroeste Caboclo não é nem de longe um filme juvenil como
muitos que são lançados no Brasil todos os anos, ele possui cenas fortes de violência, mostra sexo de maneira quase explícita (e sim! Tem peitinhos de Isis Valverde!)
e tira ótimas atuações de seus atores, porém, deixa a desejar em vários
aspectos, o que o permite figurar apenas na média de bons filmes fracos que o país verde
e amarelo produz.
Não li nenhum crítica ao filme, favorável ou não, portanto
não faço ideia como ele foi recebido aí fora. Como grande fã da música da
Legião Urbana o filme não me agradou muito, e como apreciador de cinema, apenas
o deixei na categoria de filmes bons, mas nem um pouco memoráveis.
NOTA: 7
PS.: Nada contra a atuação de Fabrício Boliveira, mas eu
torceria muito mais para o João de Santo Cristo se ele fosse vivido pelo Seu
Jorge. Aí sim teríamos um Santo Cristo foda, a nível Django do Tarantino!
NAMASTE!