15 de julho de 2011

O politicamente correto contra o Humor afrodescendente

Hoje isso pode até soar inverossímil, mas houve uma época em que os humoristas da TV podiam fazer livremente piadas racistas, homofóbicas e de cunho meramente jocoso que ninguém parecia se ofender. Houve também um período em que a TV mostrava filmes de terror ou com conteúdo erótico sem se importar com o horário da grade, e nenhuma criança ou adolescente cresceu perturbada ou pervertida (bem, quase nenhuma) por conta disso. Hoje, esses mesmos “ex-garotos”, todos devidamente barbados e independentes, olham para a realidade e notam a sociedade de bundas-moles que o Brasil hipocritamente tem tentado se tornar, comparada ao que era num passado nem tão distante assim. Reflexos dos novos tempos? Era de aquário chegando? Não sei, só sei que um súbito moralismo parece ter se instaurado e não dá indícios de que irá embora tão cedo.

O Brasil viveu seu período mais negro... Digo, seu período mais afrodescendente durante a Ditadura Militar (que durou de 1964 até meados de 1985), e houve uma época muito extensa de cerceamento da liberdade artística acima de tudo. Quando essa fase conturbada enfim terminou, um grito de liberdade foi dado, e foi aí que a classe artística, em especial aqueles que tinham acesso direto com o grande público seja escrevendo letras musicais ou piadas, pôde enfim falar na cara do país tudo aquilo que estivera engasgado durante anos. E olhe que tinha um bocado de coisas a ser dito!

Dá pra imaginar o que aconteceu em seguida: Liberdade de expressão em sua mais pura e deslavada forma.

Com o progresso e a revolução tecnológica a Internet começou a ocupar um espaço, que até então, só era usado pela televisão, e todo o controle massivo e político de seus canais (mais notoriamente a TV do “plim-plim”). O povo só assistia o que eles permitiam, logo, se não houvesse nada que atrapalhasse o andar da carruagem como alguma crise econômica, ninguém teria do que reclamar. A mesma técnica do pão e circo já comentada aqui.

Atualmente é muito mais fácil dar voz a sua opinião pela Internet, seja através das redes sociais, blogs ou sites de relacionamento, e as palavras ditas ganham um âmbito muito mais extenso do que se era possível em tempos remotos. Como se pode falar o que quiser (e como consequência, às vezes, ouvir muito do que não se quer também), é mais fácil se convencer pessoas que pensam como você a protestar por algo, reclamar ou simplesmente xingar muito no Twitter! Estaria aí a explicação para aquele ditado ridículo de que a voz do povo é a voz de Deus?

Em que momento nos tornamos um povo melindrado que se ofende com qualquer piadinha? E a partir de quando as ditas “minorias” ganharam força absoluta de entrar com processos contra humoristas por qualquer comentário que os ofenda, se escondendo atrás do agora crescente combate ao preconceito?

Em tempos menos enfadonhos, tínhamos o Dedé chamando o Didi de “cearense”, de “Paraíba” sem que os nordestinos organizassem marchas para protestar contra o humorístico Os Trapalhões. O próprio Mussum, na brincadeira do contexto, reclamava que o chamassem de “preto” (“Pretis é seu passadis!”) e rolavam também muitas piadas sobre negros e gays no programa. Vale lembrar que, posteriormente, um homossexual assumido passou a integrar o grupo, ou alguém se esqueceu do Jorge Lafond?

Os Trapalhões seria um programa que não teria espaço na TV atual devido o nível de piadas de cunho, digamos assim, preconceituoso que eram feitas na época. O melhor quarteto de humor do país estaria condenado a pagar processos e mais processos se existissem na TV do século XXI, e jamais seriam conhecidos ou reconhecidos pelo que sempre souberam fazer muito bem: Causar o riso.

E alguém aí se lembra do Caco Antibes do humorístico Sai de Baixo e suas intermináveis "observações" sobre pobre? Não me lembro de ter havido nenhuma passeata dos menos favorecidos economicamente contra o personagem de Miguel Falabella!



Os componentes do CQC, programa jornalístico/humorístico da Band, vêm experimentando toda a marcação cerrada sobre o que eles dizem livremente no próprio programa e no Twitter, e não são raras as notícias de grupos ou entidades que entram com processos contra alguns deles por conta disso.

Comentários como "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz", citada por Danilo Gentili (integrante do CQC) sobre a implantação do metrô num bairro nobre de São Paulo e “mulheres feias deveriam agradecer caso fossem estupradas, afinal os estupradores estavam lhes fazendo um favor, uma caridade”, dita por Rafinha Bastos em entrevista à revista Rolling Stones, repercutiram negativamente para os dois humoristas, que hoje são taxados de antissemitas e machistas, entre outros adjetivos muito piores. Os comentários foram sim, de muito mau gosto, vão contra tudo aquilo que representa a moral e os bons costumes e extrapola e muito o limite (se é que ele existe) do chamado humor negro... Digo, humor afrodescendente, arte que os dois companheiros de Stand Up Comedy são mestres.

Se por um lado todos podem falar o que querem gozando da liberdade democrática estipulada após o fim das censura e do regime militar, esse mesmo direito é dado a quem se sente ofendido com as piadas cada vez mais comuns que privilegiam o insulto, o preconceito e a humilhação. Outro caso de conhecimento geral foi o quadro do humorístico da MTV Comédia MTV “a casa dos autistas”, que gerou grande movimentação na mídia pela forma apelativa com que os atores liderados pelo talentoso Marcelo Adnet parodiavam a antiga Casa dos Artistas do Silvio Santos, utilizando personagens que fingiam ser autistas, pessoas que na vida real sofrem de uma disfunção global do desenvolvimento que afeta a capacidade de comunicação, de socialização e de comportamento do indivíduo.

Adnet, assim como Gentili e a piada sobre judeus, se desculpou posteriormente pelo ocorrido, e alegou que ele não podia ser responsabilizado pelo quadro, uma vez que ele nem concordava com ele, mas que fora obrigado a fazê-lo, respeitando o diretor do programa.

O caso que evidencia ainda mais essa ânsia das classes minoritárias de entrar com processos com qualquer coisa que se fale na mídia aberta, foi o do apresentador Marcos Mion do programa Legendários da Rede Record, que resolveu fazer uma brincadeira (nesse caso bem clara) sobre o “pacote” da colega de emissora travesti Nany People: “Ô, Nany, como você faz para esconder o pacote?”.

Segundo uma ONG gay, Marcos Mion estava discriminando Nany People por conta do comentário jocoso, o que logo foi derrubado por terra, uma vez que a própria Nany divulgou nota considerando a ação da ONG absurda e alegando ser amiga de Mion nos bastidores. Homens tem “pacote”, certo? Travesti é um homem fantasiado de mulher, certo? Logo, tem “pacote”, porra!! O que houve de discriminatório nisso??

Piadas antissemitas, possíveis apologias ao crime e tiração de sarro com pessoas deficientes físicas ou mentais obviamente causam desconforto a quem se sente atingido diretamente e são sim, de certa forma, condenáveis, mas a banalização com que esses “protestos” e “marchas” vêm sendo tratados tem transformado o Brasil num país com um ar falso de politicamente correto. Tudo é passível de melindragem, nada mais é levado na esportiva e de repente nos tornamos uma sociedade hipócrita que condena o humor negro (e em breve todo tipo de humor), mas que idolatra certas manifestações culturais como “pentadas violentas” e “surra de bunda”.

Não se veem protestos contra dinheiro na cueca de parlamentares ou da corrupção no futebol, muito bem disfarçada por baixo dos gritos ensandencidos da torcida apaixonada e da narração contagiante do Galvão Bueno. Então por que toda essa fúria contra o preconceito se nunca antes ninguém protestou contra nada de errado no Brasil? E por que não haver também marchas e passeatas contra o aumento de salário de parlamentares em detrimento do salário de fome que recebem os professores da rede pública, policiais e bombeiros? Ou contra a utilização de dinheiro público para a contrução e reconstrução de estádios para a Copa do Mundo, evento que não serve para nada além de enriquecer as empresas privadas e comerciais que faturarão alto com o turismo propiciado por ele? Ou vai dizer que Copa serve para mais alguma coisa?

Mas Rodman, em dia de jogo da Seleção eu só trabalho meio período. Sem falar que o futebol é a paixão nacional, e o povo é mais patriota em época de Copa!”

Ah, tá! Agora vi motivo!

Juro que não consigo entender o Brasil.

Protestos e indignações são bem vindos quando bem direcionados, o que me incomoda é o grau que isso está tomando no Brasil, quase como se estivessemos próximos da volta da censura (fato que já comentei aqui) no país. Em certos momentos vemos que é possível se falar o que quer, direito conquistado e irrevogável num país dito democrático, mas alguns assuntos ainda são intocáveis e quem ultrapassa essa linha paga o preço com belos e extensos processos nas costas. Não há uma solução prévia para isso, exceto que o bom senso impere na consciência de cada humorista antes de formularem suas piadas (que tal falarem apenas de papagaios ou do Joãozinho??) ou que as minorias parem de se ofender por qualquer coisa dita sobre eles. Como bem imagino, nem uma coisa nem outra vai acontecer, portanto, esse assunto ainda continuará a ser discutido num looping infinito e nós estaremos chafurdando cada vez mais na hipocrisia e na neurose dos grupos minoritários perseguidos enquanto ouvimos piadinhas de "humor escurinho".

E viva o Brasil, o país mais bunda mole que já se viu!


No Blog Na transversal do Tempo, o autor Gilson Junior comenta de forma muito mais abalizada o mesmo assunto. Vale a pena conferir.


NAMASTE!

10 de julho de 2011

Do fundo do Baú: Brilho Eterno de uma mente sem lembranças



"Abençoados sejam os esquecidos, pois tiram o melhor proveito de seus equívocos."
Nietsche
Joel Barish (Jim Carrey) é um homem introspectivo que tenta passar despercebido pela vida, evitando problemas e fazendo de tudo para que sua rotina não se altere. Quando ele conhece a imprevisível Clementine Kruczynski (Kate Winslet) em uma festa promovida por um amigo, e logo se apaixona por ela, ele percebe que as coisas começam a mudar no seu dia a dia, e nem sempre para o lado bom.
De naturezas bem distintas, os dois passam a morar juntos, e depois de um tempo a inquieta moça começa a se sentir presa ao relacionamento e é quando o namoro começa a ruir. Após muitas tentativas de fazer com que o relacionamento funcione sem sucesso, Clementine se desilude definitivamente e decide participar de um tratamento experimental para apagar Joel para sempre da sua vida, literalmente.


O procedimento criado pelo Dr. Howard Mierzwiak (Tom Wilkinson) detecta a influência das memórias a serem deletadas no cérebro criando um mapa, e a partir de então as vai apagando gradativamente, fazendo a pessoa passar por tudo novamente internamente no processo. Quando Joel reencontra Clementine sem que ela o reconheça, ele descobre que ela o deletou da sua vida através do procedimento e cai em depressão por não conseguir aceitar que a moça que ele ama, apesar de tudo, tenha feito mesmo aquilo.
Frustrado e inconformado, Joel decide procurar a mesma clínica para também apagar as memórias de seu relacionamento com Clementine, mas diferente dela, no meio do processo, ao revisitar os momentos felizes que ambos viveram, ele desiste de apagá-la e começa a encaixar Clementine em momentos de sua memória os quais ela não participa, como suas frustrações da infância e da adolescência, na tentativa de mantê-la viva.



Quando Joel decide apagar Clementine de sua mente ele está magoado e age por impulso, exatamente como ela costumava fazer durante o namoro. Durante a “lavagem cerebral”, vivendo novamente dentro de sua cabeça todos os momentos ao lado dela, Joel percebe que a mágoa não é maior que o amor que ele sente por Clementine, e que os momentos bons superam os maus. Seu desespero em tentar guardar certas lembranças, tentando deixá-las vivas em seu cérebro o faz viver cenas surreais, e uma verdadeira luta é travada contra Stan (Mark Ruffalo), o responsável pelo procedimento, Patrick (Elijah Wood), o assistente de Stan que se aproveita da fragilidade de Clementine para conquistá-la e do próprio Dr. Mierzwiak, que é chamado quando as ações de Joel fazem com que o experimento comece a apresentar inconstância.

Brilho eterno de uma mente sem lembranças é um filme reflexivo, que nos faz repensar a maneira como às vezes conduzimos um relacionamento a ferro e fogo. Na história Clementine, impulsiva decide apagar todos os momentos com Joel sem nem questionar se alguma coisa valeu à pena, e na vida real é o que invariavelmente acontece. Quantos casais se separam pela falta de paciência em compreender as ações do outro, ou por não ter o mínimo de discernimento para descobrir o que está dando errado, dar uma chance para que o erro seja corrigido e continuar em frente aproveitando a parte boa? O ponto final é sempre inserido precocemente, de forma que uma das partes nunca está preparada, como é o caso de Joel no filme, que ainda é apaixonado por Clementine e que não vê outra alternativa senão igualmente apagá-la de sua via definitivamente, evitando o sofrimento com o qual ele não pode conviver. Quantas pessoas por aí não adotariam esse procedimento se ele existisse de verdade? Quantas pessoas não apagariam o ex ou a ex da sua lembrança apenas pela covardia de não aceitar que foi abandonado ou pela covardia de não enxergar que houveram momentos felizes, e que eles não precisam ser deletados só porque houveram momentos ruins também?


No roteiro escrito por Charlie Kaufman e brilhantemente dirigido por Michel Gondry, cabe vários momentos em que os personagens principais divergem sobre um assunto ou outro até por sua natureza ser completamente diferente uma da outra, mas também fica claro a forma como um completa o outro em sua existência, provando que os opostos realmente se atraem. Em seu egoísmo, Clementine prefere esquecer Joel em vez de aceitar que ele faz parte de seu crescimento pessoal, o relacionamento tendo dado certo ou não, mas é ele quem acaba salvando a relação de ambos quando mesmo após o procedimento, um acaba voltando à vida do outro e ele prova a ela que a aceita do jeito que ela é no diálogo a seguir:
Joel: "Espere."Clementine: "O quê?"Joel: "Não sei, só espere. Quero que espere... Um pouco..."
...
Clementine: "Tá."Joel: "Mesmo?"Clementine: "Não sou um conceito, sou só uma garota ferrada procurando paz de espírito... Não sou perfeita!"Joel: "Não vejo nada que não goste em você."Clementine: "Mas verá!"Joel: "Agora eu não vejo!"Clementine: "Eu vou ficar entediada e me sentir presa... Pois é isso que acontece comigo."Joel: "Tudo bem! "

Embora o sofrimento de um fim de relacionamento possa levar uma pessoa a uma crise existencial (em geral apenas para uma das partes envolvidas) é preciso enxergar além e tentar preservar o que funcionou e guardar como lembrança, mesmo que isso pareça impossível, às vezes. Já o que não funcionou deve ser usado como lição para um novo relacionamento futuro e tentar se fazer tudo diferente para que não haja mais sofrimento.
Brilho Eterno de uma mente sem lembranças ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original em 2005, e Kate Winslet concorreu na categoria de melhor atriz por sua atuação no filme.
Todos os demais atores, em especial, claro, Jim Carrey, estão muito inspirados em cena, mesmo os coadjuvantes como Kirsten Dunst (que vive Mary, a assistente do Dr. Mierzwiak) e Mark Ruffalo e Elijah Wood. A sintonia de Carrey e Winslet como casal funciona na tela, e o amor dos dois se torna algo crível para o espectador, uma vez que o eterno comediante se vale bem menos de seus trejeitos e caretas para o papel de Joel, devido a densidade e profundidade do drama.


Eu tinha visto a fita pela primeira vez há muito tempo, mas só depois de revisto é que ele foi fazer sentido em minha vida, uma vez que foi fácil hoje em dia me colocar no lugar de Joel.
Não é fácil aceitar que você faz parte de uma memória apagada de uma pessoa pela qual você tanto estima, mas na vida tudo serve de lição e de estímulo para um amadurecimento. Se na realidade não acontecem tantos finais felizes quanto na ficção, podemos esperar pelo menos por momentos igualmente felizes, e esses podem sim acontecer com grande intensidade.

"Feliz é a inocente vestal! Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Toda prece é ouvida, toda graça se alcança".
Alexander Pope

NAMASTE!

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