Esse é o mês do Demolidor no Blog do Rodman, e para homenagear o herói cego da Cozinha do Inferno, eu decidi ressuscitar uma série das antigas do Blog, a Galeria do Rodman, onde este que vos fala, publica (sem nenhuma pretensão) seus rabiscos artísticos. Uma das primeiras HQs do Demolidor que botei a mão, foi a hoje clássica, Superaventuras Marvel nº 100 (que também comentei aqui no post sobre O Homem sem Medo do Frank Miller). A edição comemorativa publicada pela Editora Abril é inteirinha dedicada ao personagem, e mostra seis histórias de épocas diferentes para mostrar a evolução do Demônio ao longo das décadas, e como ele era retratado por seus diversos autores e desenhistas. Nessa edição tem desenhos do Gene Colan, Wally Wood, o mestre Gil Kane, Frank Miller, David Mazzucchelli e o cara que resolvi homenagear e com a qual tudo começou: Bill Everett!
Bill Everett, o pai da criança!
Bill Everett foi o primeiro cara a desenhar o Demolidor, e isso aconteceu lá na década de 60, enquanto Stan "The Man" Lee assinava os roteiros, como era de praxe. Everett (que também é o criador do Namor!) desenvolveu o primeiro visual do Demônio Audacioso, aquele amarelo e vermelho (que muita gente hoje acha tosco), e foi justamente uma arte dessa primeira edição que me inspirou a voltar a desenhar, depois de tantos anos sem pegar num lápis. A capa da primeira edição Daredevil do qual se origina essa arte, foi representada com falhas graves de colorização na época do lançamento da Superaventuras Marvel nº100 (1990). Logo depois da sinopse das seis histórias, a Editora Abril fez a abertura do "encadernado" com a tal arte em cores invertidas (eeeeee, Dona Abril!!), o que me fez achar POR ANOS que o uniforme original do Demolidor era verde e amarelo (BRASILL-ILL-ILLL!).
A clássica Superaventuras Marvel e as cores invertidas
O traço de Everett, ao melhor estilo Jack Kirby, embora menos rebuscado que o mesmo, apresenta linhas simples e uma perspectiva bem demarcada, tornando a anatomia do jovem Demolidor muito interessante. Nunca antes havia tido coragem de copiar aqueles traços, e dessa vez resolvi fazê-lo, aceitando o desafio de emular o estilo de um dos mais respeitados artistas que já passaram pela Marvel. O desenho original foi todo feito à lápis (HB), e primeiramente rascunhei o posicionamento do personagem na folha A4, algo muito importante de se fazer, até para não acabar cortando nenhum pé, mão ou mesmo a cabeça. Depois do rascunho, reforcei o lápis já dando a forma do personagem, seu uniforme e o bastão.
Ao terminar essa etapa, defini o traço usando grafite 0,5, que permite um detalhamento, que por mais que o lápis esteja apontado, ele nunca alcança. Nessa hora eu costumo já fazer algumas hachuras que vão especificar o volume dos músculos e divisórias do traje.
O contorno do lápis e a separação entre luz e sombra começou à seguir, com minha caneta nanquim. É necessário um pouco mais de paciência e maior firmeza nas mãos para conseguir o detalhamento necessário, já pensando na digitalização e em como isso vai ficar em bitmap. Nas áreas onde o preto se espalha mais, usei nanquim com pincel e bico de pena e pouco depois apliquei as hachuras para tentar criar os volumes.
Após digitalizar o trabalho já inteiramente arte-finalizado, comecei os trabalhos de colorização, que desde que eu pintava com lápis de cor seco, era a minha parte favorita. Desta vez, diferente das artes que já apresentei aqui, não usei nada de lápis, e toda a cor foi aplicada com o auxílio do Photoshop (Aqui eu usei a versão CS6).
Após transformar a imagem de plano de fundo em camada, eu criei uma nova camada e comecei a aplicar as cores chapadas do desenho, sem qualquer efeito de sombra ou brilho.
Para não me atrapalhar durante o processo, criei uma layer para cada parte colorizada, e renomeei uma por uma para que depois soubesse o que era cada coisa.
Ainda dupliquei as camadas separadas para, enfim, aplicar os efeitos de sombreamento no uniforme do Demolidor, em especial na área vermelha, e por último realcei os brilhos dando volume ao desenho.
Criei um cenário urbano ao fundo (clássico nas capas do Demolidor) com uma cidade vetorizada, desfoquei a imagem e posicionei elipses à frente do personagem, como a representação de seu sentido de radar. Com a cidade desfocada ao fundo, é como se o herói estive captando os sons da cidade.
Só depois que terminei tudo é que reparei que as hachuras que tinha aplicado nas pernas do personagem e nos braços não tinham ficado legais, e resolvi eliminar o erro.
Como o desenho original já digitalizado possuía as tais hachuras, fui obrigado a vetorizar o desenho com a ajuda do Illustrator, e aproveitei para resolver as distorções de pixel que estavam me incomodando bastante, deixando o trabalho bem mais amador. As linhas vetoriais resolveram alguns problemas de imprecisão em meu traço original, e depois de feita essa etapa, exportei a imagem para o PSD e recolori tudo, agora já tendo removido as hachuras e as sombras excessivas na máscara do Demolidor.
Para três dias de trabalho, até que o resultado ficou satisfatório, mas pra mim, um desenho vai ser sempre como um filho que sou obrigado a deixar ir, mesmo que ele não esteja totalmente formado. Espero que Bill Everett não se sinta ofendido com essa homenagem, lá onde quer que ele esteja*! Hehehe!
Depois do fracassado filme de 2003 estrelado por Ben “agora
sou o Batman” Affleck e dirigido pelo fraquinho Mark Steven Johnson (que também
esteve à frente da bomba Motoqueiro Fantasma, com nosso querido Nicholas Cage!),
o Demolidor, o Homem sem Medo, precisava URGENTEMENTE de uma adaptação que nos
fizesse esquecer de Elektras voadoras, Mercenários cheirados e lutas
coreografadas pelos Backstreet Boys. De lá pra cá, muitos rumores envolveram o
nome do Demônio Audacioso com relação ao cinema, mas nada que nos fizesse
acreditar que ele REALMENTE voltaria à tela.
As coisas mudaram quando os direitos do personagem, que
haviam sido cedidos à FOX na época de vacas magras da Marvel, retornaram à Casa
das Ideias, e isso não podia ter acontecido em melhor hora, já que a Marvel Studios
começava a colher ótimos frutos após sua ousada empreitada em lançar filmes com
os “heróis buchas” que haviam lhe sobrado. Enquanto as minas de ouro X-Men,
Homem Aranha, Quarteto Fantástico e tantos outros não podiam ser usados, devido
contratos com a FOX e a Sony, a empresa procurou se virar com o que tinha em
mãos. Calhou dos “buchas” Homem de Ferro, Thor, Capitão América e Vingadores
darem MUITO CERTO nos cinemas, e era hora de dar vida a um novo Demolidor,
agora que ele também fazia parte do universo regular onde esses heróis e a
SHIELD já existiam.
Muitos atores foram boatados como “certos” ao papel de Matt
Murdock/Demolidor, incluindo aí Michael C. Hall, o Dexter, mas quando a Marvel
entrou em acordo com a Netflix, a hoje poderosa empresa de serviço em streaming,
e decidiu realizar uma série exclusiva mais ou menos aos moldes de Agents of
SHIELD, o papel do advogado cego de Hell’s Kitchen acabou caindo no colo de Charlie
Cox.
Cox é um ator inglês de 32 anos cujo primeiro papel de destaque,
após fazer uma série de filmes de menor expressão, foi Stardust (2007), onde
interpretou o personagem Tristan Thorne, contracenando com Robert De Niro,
Claire Danes e Michelle Pfeiffer. Recentemente, ele apareceu no filme que
concorreu ao Oscar, A Teoria de Tudo, como Jonathan (falei um pouco sobre os
filmes do Oscar 2015 aqui). Além do material promocional e fotos de bastidores,
pouco se sabe na verdade sobre a preparação que o ator precisou passar para
viver um deficiente visual que samba na cara da sociedade pulando de prédios,
fazendo acrobacias e quebrando a cara da bandidagem. Os dois trailers lançados
mostram um clima bem sombrio (exatamente o que esperamos de algo relacionado ao
Demolidor), tensão, e claro, muitas cenas de ação, por isso seria interessante
saber que tipo de treinamento físico Cox teve para viver o personagem.
Nos quadrinhos o Demolidor não é somente um “artista”
marcial de talento ou um manjador dos paranauês de parkour. Ele é principalmente
um acrobata de respeito, característica essa que acabou passando batida no
filme de 2003. Por ser um herói urbano, o Demolidor não precisa da muleta (sem
trocadilhos pelo cara ser cego!!) dos efeitos digitais para parecer incrível na
tela. Hoje, praticantes de parkour na vida real conseguem nos impressionar bem
mais do que um boneco digital idiota saltando entre prédios, e a meu ver, os
diretores da série podiam explorar bastante essa característica. Quanto às
artes marciais, o que Matt Murdock aprendeu com seu sensei Stick nas HQs é um
misto de karatê com ninjitsu, e é óbvio que queremos vê-lo utilizando essas
habilidades na série da Netflix, além de seus sentidos superaguçados.
Criando especulações através do que os dois trailers já
exibiram, dá pra dizer que Marvel’s Daredevil vai beber bastante do roteiro de
Demolidor – O Homem sem Medo, de Frank Miller. Em primeiro lugar, vemos Matt
usando um traje todo preto e um capuz que esconde seu rosto, ao estilo do que o
personagem usou na minissérie em quadrinhos citada para resgatar uma garotinha
que cai nas garras dos capangas do Rei. Claro que os véios também devem se
lembrar do filme do Hulk dos anos 70 (O Julgamento do incrível Hulk) em que o herói cego dá as caras, e cujo
traje também se assemelha muito ao que foi mostrado até aqui. Alguém se
lembra do “Audacioso”?
Mas que bagulho ridículo e...
Bem...
Outro indício de que Marvel’s Daredevil vai usar algumas
referências do roteiro de Frank Miller, é o clima meio que sombrio mostrado nos
trailers, coisa que o velhinho sempre gostou de usar em suas histórias com o
Demônio nas HQs. O Demolidor é um cara que vive num dos piores bairros de Nova
York, e que aprendeu desde a infância a conviver com o que havia de mais sórdido na
vizinhança.
É complicado querer dar um tom mais colorido e feliz a essa
realidade de merda em que o personagem é inserido (embora Mark Waid consiga
fazer isso com maestria nas histórias atuais dele), e fugir muito disso é
acabar negando a gênese do herói, que já na infância teve que aprender a lidar
com a morte do pai pelas mãos de um gângster e com as injustiças que faziam com
que caras maus andassem à solta, rindo das leis. Pense um pouquinho: E se você
fosse um garoto maltratado desde sempre, que via seu pai dando duro para te
sustentar e que ganhasse os poderes necessários para vingar sua morte e curar
as injustiças do seu bairro, você não o faria?
Stan Lee, Frank Miller, Kevin Smith e Brian Michael Bendis
criaram o background fundamental nos quadrinhos para que a série seja
inspirada, agora basta saber se esses conceitos serão respeitados nos 13
episódios que estarão disponíveis na Netflix a partir do dia 10 de Abril ou
não. A Marvel tem acertado no cinema e aos pouquinhos também tem se endireitado
no campo das séries de TV, como podemos ver em AOSe em Agente Carter, é óbvio
que torcemos para que o mesmo aconteça com o Demônio Audacioso.
Personagens
O Demolidor nunca foi conhecido por seus grandes inimigos
nas HQs, e pra quem conhece o personagem apenas pelo filme do Ben Affleck (e eu
tenho pena dessa pessoa!) os dois grandes rivais do cara já apareceram lá. Não que
alguém se importe com o Metalóide, o Homem Púrpura ou o Coruja, mas todo mundo
está careca de saber (inclusive ele mesmo!) que Wilson Fisk é o grande
antagonista do herói cego.
O ator Vincent D’Onofrio, de 56 anos, foi agraciado pela oportunidade
de dar vida ao inimigo mais casca-grossa do Demolidor, e pelas fotos e pelo segundo trailer, assim como costuma fazer com todos os personagens que interpreta, D’Onofrio
parece ter incorporado mesmo o gigantesco Rei do Crime.
Aiiiee, Rodman! Nada a ver! O Rei do Crime é negro! Por que
colocaram um branco pra interpretar ele! Aff! Essa Marvel só faz merda!
Como eu disse anteriormente, eu tenho pena de você que só
conhece o Demolidor pelo filme do Ben Affleck! Que o Demônio tenha piedade da
sua alma!
Michael Clarke Duncan nos transmitiu aquele sentimento de
“misericórdia, avemaria, pelamordedeus não me mata!” que o personagem Rei do
Crime inspira nas HQs. Ele era muito grande. Ele era enorme. Ele era uma massa
gigantesca de músculos, e nem se o Ben Affleck fosse o melhor artista marcial
do mundo ele conseguiria vencer aquele cara no filme de 2003, por isso
respeitamos muito a caracterização que ele deu ao mafioso. D’Onofrio, no entanto,
tem o desafio de dar vida não só ao cara GIGANTE que causa um cagaço por onde
passa, mas principalmente pela mente maquiavélica que o fez ser um dos
principais chefes do crime organizado da Marvel durante décadas, rivalizando
inclusive com caras como Caveira Vermelha e o Dr. Destino. Wilson Fisk não é só
o cara que espancou Matt Murdock quase até a morte, mas também o homem que
destruiu sua vida inteira em A Queda de Murdock de tal maneira, que o herói não
viu outra alternativa além de encará-lo no mano-a-mano, algo do qual ele deve
se arrepender até hoje!
Esperamos que o Rei do Crime de Vincent D’Onofrio seja,
claro, um importante adversário físico do Demolidor, mas que ele seja
principalmente um adversário psicológico e inatingível, como por muito tempo
ele foi nas HQs. Será que o ator dá conta?
Além de Charlie Cox e Vincent D’Onofrio, a série conta no
elenco com a delicinha da Deborah Ann Woll (a Jessica, a vampira mais desejada
de True Blood, que eu já resenhei aqui) como Karen Page (a secretária e atriz
que VENDEU identidade secreta do
Demolidor pro Rei), Ayelet Zurer (que viveu a Lara, mãe do Superman em Man of Steel e que na série será Vanessa Fisk, a esposa do Rei), Elden Henson
(Foggy Nelson, o braço direito de Murdock na firma de advocacia) e Rosario
Dawson como Claire Temple, que nas HQs é uma enfermeira que já teve um flerte
com o Luke Cage e que já foi casada com o Golias Negro (Bill Foster, aquele que
foi trucidado pelo clone maluco do Thor em Guerra Civil).
Estou muito curioso para
saber como vai ser o desenvolvimento de todos esses personagens e como eles
irão se relacionar com Murdock e sua dupla identidade, e mal posso esperar para
que essa série comece logo. E vocês?
O que? Ainda não se convenceu a assistir a série? Que tal agora?
Ainda não?
Ok, você é mesmo uma pessoa exigente!
Quem sabe com o trailer você se convença a assistir Marvel's Daredevil da Netflix?
Ps.: Se eles colocarem uma atriz gostosíssima para viver a
Elektra (se é que ela vai aparecer na série!), os cuecas de plantão não
reclamariam!
Ps. 2: O ator Scott Glenn (que é as fuças do personagem!!) foi
escolhido para viver o Stick, que nas HQs é o cara que treina o jovem Matt nos
paranauês das artes marciais.
Mas a gente não reclamaria se chamassem o Rutger
Hauer para interpretar o personagem, até porque ele já meio que viveu o papel em
Fúria Cega!! Hehehehe!
Ps. 3: Queremos um Mercenário mais habilidoso e menos
crackeiro que o de Colin Farrell!
Ps. 4: Será que o Demolidor não vai usar o traje vermelho? Porra! Pelo menos o bacanudo amarelo, vermelho e preto poderia rolar!
Hehehe!
Demolidor: O Homem sem Medo foi uma minissérie escrita por
Frank Miller e desenhada por John Romita Jr. originalmente em 1993, e publicada
aqui no Brasil alguns anos depois pela Editora Abril e mais recentemente
republicada pela Panini. Qual a importância dessa história para que ela mereça
um post, Rodman? A resposta é bem simples, caro padawan:
Frank Miller.
Quase que 80% do material que li do Demolidor a minha vida
toda foi escrita ou desenhada por esse cara, e poucos escritores conseguiram
entender o Demônio Audacioso em seu cerne tão bem quanto Miller. Sempre considerado
um personagem menor da Marvel, de segundo e até mesmo de TERCEIRO escalão, o
Demolidor estava prestes a ter sua revista mensal cancelada quando o, na época,
jovem Frank Miller assumiu o título. Seus desenhos ainda eram bem orgânicos na
hoje longínqua década de 70, mas possuíam uma fluidez que faziam seus
personagens saltarem dos quadrinhos, como se estivessem vivos. Sua narrativa
sempre cinematográfica tornou as histórias do herói cego não só um sucesso de
vendas, como também um sucesso de crítica. Já que a Marvel se vangloriava de
ter heróis mais próximos da realidade, com problemas de grana, relacionamento e
de trabalho, com o Demolidor de Miller, eles tinham agora o seu herói mais
realista de todos, aquele que convivia bem de perto com o que de pior a
humanidade podia produzir.
Os desenhos de FRANK MILLER
Drogas, corrupção e violência eram temas que Miller trazia
para o cotidiano das histórias do Demolidor com maestria, e lendo cada página é
como se estivéssemos mergulhando de cabeça no submundo do crime do bairro da
Cozinha do Inferno, residência fixa do Demônio. Em 1993, Miller estava
retornando para a Marvel após um longo afastamento em que ele estivera
produzindo outras obras de arte para a DC (Cavaleiro das Trevas, alguém já
ouviu falar?), e após pavimentar todo o caminho que seria seguido por outras
gerações de artistas para com o Batman, ele sabia que ainda podia contribuir
com seu personagem preferido da Marvel, e assim o fez, voltando para reescrever
a ORIGEM do Demolidor.
Os traços de Bill Everett, na primeira HQ do Demolidor
A primeira vez que tive contato com a origem do Demolidor, aquela
clássica, escrita por Stan Lee e desenhada por Bill Everett de 1964, foi na
revista Superaventuras Marvel nº 100 da Editora Abril (1990). Até então, eu só
via o personagem fazendo algumas aparições especiais nas aventuras do Homem
Aranha, mas depois daquele primeiro contato com seu passado trágico, senti que
começava a gostar genuinamente do personagem.
De forma até bem didática, como
costuma fazer, Stan Lee nos explica tudo que precisamos saber naquela primeira edição,
e a passagem de tempo que mostra Matt Murdock desde a infância até sua vida
adulta, não nos deixa qualquer dúvida de como tudo aconteceu desde que Matt
servia de saco de pancada pros moleques folgados da escola até sua vida adulta
como vigilante mascarado. Miller, em O Homem Sem Medo, no entanto, mostra de
forma mais minuciosa aquilo que não sabíamos, abrindo novos precedentes para a
vida do Demolidor, algo que ele fez muito bem com o Batman em Ano Um.
O primeiro capítulo é inteiro dedicado a nos mostrar a
infância humilde de Matt e seu pai na Cozinha do Inferno. O quão duro o velho Jack “Batalhador”
Murdock tem que dar para cuidar do seu filho sozinho (já que Maggie, a mãe
freira do menino, os abandonou quando ele ainda era muito novo), e de como o
pequeno Matt enfrenta seus próprios problemas em meio a uma vizinhança violenta
e intransigente. Alvo fácil dos valentões da escola por ser pequeno e mirrado,
Matt cresce com um sentimento de impunidade muito grande dentro de si, o que o
faz escolher a carreira de advogado ainda na infância, quando leva uma surra do
pai por ter agredido um menino na escola. Sabendo o quão difícil é sua vida de
boxeador, Murdock faz com que Matt jure que por mais que as coisas sejam
difíceis, ele jamais vai largar os estudos, algo que o menino leva como
ensinamento pra vida toda.
Embora frágil, Matt mostra que ganha uma coragem
fora do comum quando quer, o que o faz esconder o cassetete de um policial no
velho ginásio onde o pai treina. Essa mesma coragem se mostra no pior momento
de sua vida, quando ele salva um homem cego de ser atropelado por um caminhão carregado
de produtos químicos, sendo ele mesmo atingido pelos resíduos caídos da
caçamba. Cego e nas trevas, Matt descobre que seus demais sentidos se tornaram
aguçados além do comum, e que mesmo na escuridão, de alguma forma, ele consegue
distinguir formas, cheiros e vibrações. Aquilo lhe dá o alento necessário para
continuar pegando firme nos livros, algo que seu pai fazia questão, sem nunca
deixar seu treinamento físico de lado. Por vários anos, Matt treina seu corpo
tanto quanto sua mente, se destacando entre os demais valentões da sua idade.
Na história original escrita por Stan Lee, embora a passagem
de tempo seja muito bem mostrada, dá-nos a impressão que Matt leva anos para
vingar a morte do pai pelas mãos dos capangas do Manipulador, o gângster que
faz com que Jack Murdock trabalhe para ele como uma espécie de “mensageiro”
para os caloteiros. Embora saiba que está entrando em um mundo de onde não se
pode sair sem o custo de sua própria alma, Jack decide fazer o que for preciso
para poder pagar os estudos de Matt, bem como manter sua vida minimamente confortável.
Enquanto o chefão do crime compra lutas para que o Batalhador as vença com
facilidade, o tornando uma sensação nas casas de aposta, Jack só descobre que
estava sendo manipulado tarde demais. Quando ele decide que não vai entregar a
última luta, melando assim com os planos do Manipulador de fazer uma fortuna em
cima do combate, Murdock é eliminado à sangue frio, deixando Matt órfão. Na história
original, Matt só vinga a morte do pai depois que já se tornou o Demolidor, mas
em O Homem Sem Medo, ele o faz antes disso.
Acrescentado nas histórias do Demolidor ainda na época de
Frank Miller à frente do título, o misterioso Stick aqui aparece com certo
destaque, aceitando o desafio de treinar o promissor Matt Murdock, que corria
para treinar no ginásio todas as vezes que apanhava na escola. Quando o menino
fica cego após o acidente e observando as habilidades especiais que crescem com
ele, Stick decide treinar o garoto, a fim de mantê-lo puro e limpo de qualquer influência maligna, e até certo
ponto ele consegue seu intento, embora castigue bastante o menino com seus ensinamentos
brutais.
Quando em sua sede de vingança, Matt caça um por um dos
homens envolvidos no assassinato de seu pai, e acaba empurrando pela janela uma
prostituta, causando sua morte, cheio de culpa, Matt procura auxílio de seu
sensei, o que não encontra, ao passo que o velho mestre percebe que ele acabou se corrompendo, e
que mais tarde a influência da intrépida Elektra Natchios pode piorar ainda
mais o comportamento do rapaz.
Essa passagem de tempo entre a infância de Matt, a
adolescência e sua vida na universidade fica meio confusa às vezes pela narrativa de Miller, e é
estranho imaginar que ele ainda era um moleque quando acabou com todos os
capangas do Manipulador usando apenas uma máscara de esqui para ocultar sua
identidade e as técnicas ensinadas por Stick. Nada de uniforme ainda, nada de Demolidor.
Elektra.
Ah, Elektra!
A ninja assassina grega é uma criação de Frank Miller para
as histórias do Demolidor, e a primeira vez que a vi, foi também na já citada
Superaventuras Marvel nº 100. Nessa edição, através de flashbacks Matt se recorda
de como conheceu a moça ainda na época de faculdade, como ambos se apaixonaram e
como outra tragédia os acabou separando. Em O Homem sem Medo, conhecemos uma
Elektra mais atrevida e mortal, longe da menina doce da história original que
só se torna fria e calculista APÓS a morte de seu pai. O primeiro encontro entre
ela e Matt já é bem explosivo, quando então ela o faz seguir pela noite,
espalha suas roupas pela neve e engana seus sentidos, fazendo-o cair nas mãos
de alguns policiais que passavam por ali, simulando algo como um estupro.
Uau! Bem diferente da história original em que Matt tem no máximo
que enganar o segurança da menina para ficar a sós com ela.
A despedida de Matt e Elektra na história original
A relação deles, sempre baseada em adrenalina e perigo de
morte faz com que Stick o avise de que a menina não é flor que se cheire, e que
ele já percebeu algo de maligno em sua alma. Desacreditando o velho sensei,
Matt continua envolvido com Elektra até que o pai dela é assassinado, o que
causa a partida dela e a ruptura do caso amoroso de ambos. Não há qualquer
destaque na morte do Diplomata Natchios nessa história, nem mesmo a tentativa
de Matt de impedir o sequestro do homem, como foi mostrado na história original.
Elektra nos é mostrada apenas como alguém que gosta do perigo e que ainda nas
horas vagas testa seu instinto assassino, entediada pela vida de riquinha
filhinha de papai, o que não faz muito sentido e foge bastante da origem da
personagem escrita pelo próprio Frank Miller. Bem, pelo menos ele não esperou
ninguém criar um retcon com sua personagem, ele mesmo foi lá e fez!
Na quarta edição da minissérie, Matt já é um experiente
advogado trabalhando em Boston, e quando ele retorna para a Cozinha do Inferno
ele reencontra o velho amigo da faculdade Foggy Nelson que lhe pede ajuda com um
caso de direito. Enquanto a criminalidade aumenta no bairro nova-iorquino, novas
lideranças começam a se formar no submundo à custa de sangue inocente, e é
quando Matt conhece a pequena Mickey, uma garota que se torna uma espécie de
aprendiz dele no velho ginásio onde seu pai lutava boxe. Enquanto ajuda Foggy
com o tal caso, e pronto pra voltar para seu trabalho em Boston, Matt descobre
que Mickey está prestes a se tornar mais uma vítima inocente da crescente onda
de sequestros e assassinatos por causa de drogas no bairro, e decide que a vida
da garota com a qual ele se afeiçoou é mais importante que seu trabalho como
advogado.
A caçada de Matt pela cidade em busca de Mickey e seus
sequestradores é cinematográfica, e faz com que torcemos por ele cada segundo
da ação. Apesar de seus sentidos ampliados, Matt ainda é mortal, então batidas
de carro, balas e socos podem feri-lo, o que o torna mais humano que a maioria
dos personagens que vemos nas HQs. Até alcançar o capanga Larks, Matt sofre o
diabo nas mãos dos demais homens de Wilson Fisk, aquele que aos poucos foi se
tornando o Rei do Crime com seus golpes. Disposto a salvar Mickey de qualquer
forma, ele repete várias vezes que não quer matar Larks, o que acaba
acontecendo quando o sujeito atira contra ele e Matt rebate a bala com o cassetete
que roubou do policial ainda na infância. Oculto atrás de um traje preto, Matt
percebe que aquele será seu destino, buscando a justiça como o advogado cego da
Cozinha do Inferno durante o dia, e à noite caçando os criminosos mais
perigosos que nem o sistema consegue punir.
A justiça é cega, mas ela possui
todos os demais sentidos ampliados.
Esse mergulho no universo do Demolidor é mostrado de forma
muito talentosa por Frank Miller, que parece realmente se sentir “em casa”
escrevendo o personagem. Gangsteres, assassinatos, drogas, submundo... Somos
colocados cara a cara com esse mundo que em geral rejeitamos e nos enojamos,
mas é exatamente isso que Miller faz quando coloca um personagem como Matt
Murdock em meio a esse mar de podridão, ele nos dá esperança. Apesar disso, diferente
do que estamos acostumados a ver nas páginas das histórias do Demolidor, o
Demônio Audacioso de Miller mete a mão na lama para fazer sua justiça, e perdi
as contas de quantos bandidos Matt matou ou simplesmente “deixou para morrer”,
principalmente na sequencia em que ele vai atrás da garota Mickey.
O background
que Miller cria na vida de Matt ANTES dele assumir a alcunha de Demolidor
(apelido que os moleques da escola o batizaram para o caçoarem devido a
fantasia que seu pai usava nos ringues) é, no entanto, fantástico, e embora ele
não se preocupe muito em explicar com detalhes os poderes de Matt (quase nada é
falado sobre os sentidos dele), como eles funcionam e as mudanças sensoriais
que eles causaram depois que ele se tornou um cego, a parte exterior da cidade
onde ele vive e como o personagem pensa é muito bem explicada, algo que como
disse antes, nos faz torcer desesperadamente por ele ao longo de todas as
edições da série.
Como assim vou terminar a resenha sem falar absolutamente
nada dos desenhos?
Não é segredo que sou fã declarado de John Romita Jr. (até
elenquei ele como um dos melhores desenhistas do Homem Aranha aqui), e embora
atualmente ele seja bem criticado pelos fãs de quadrinhos que veem seu
traço “quadrado” demais e porque não dizê-lo até desleixado, na década de 90
ele ainda estava ON FIRE. Seu traço conseguiu traduzir toda a violência visual
do texto de Frank Miller, e algumas cenas de luta me fizeram recordar de
trabalhos que ele mesmo fez com outros escritores mais tarde como o Mark Millar
em Kick Ass. Existem semelhanças entre os traços dos dois artistas, e tanto
Miller quanto Romita Jr. têm a mesma predileção pelas linhas mais retas, o que
não tira de forma nenhuma os méritos da obra. Profundidade, cenários,
expressões, objetos... Enfim, Romitinha acerta em todos os fundamentos, dando
SIM a cara de cinema às páginas que o texto de Miller exige. Se hoje o desenhista faz suas
mulheres com umas caras de traveco fodas, ele acertou na Elektra na época,
fazendo-a sensual e por vezes muito charmosa, o que esperamos ver quando
olhamos para uma gata de maiozinho. A diferença entre o Matt criança e sua
versão adulta também fica bem evidente nos traços do cara, o que nos faz pensar
que essa dupla (Miller/Romita Jr.) deveria ter produzido mais material juntos,
já que combinam muito bem. Quem sabe ainda dê tempo?
Se você garimpar ainda é possível encontrar a edição encadernada
com as cinco edições de Demolidor: O Homem Sem Medo por aí. Pra quem está
ansioso pela estreia de Marvel’s Daredevil da Netflix vale a pena, já que
aparentemente, muita coisa desse material vai ser usado na série.