Demolidor: O Homem sem Medo foi uma minissérie escrita por
Frank Miller e desenhada por John Romita Jr. originalmente em 1993, e publicada
aqui no Brasil alguns anos depois pela Editora Abril e mais recentemente
republicada pela Panini.
Qual a importância dessa história para que ela mereça um post, Rodman?
A resposta é bem simples, caro padawan: Frank Miller.
Qual a importância dessa história para que ela mereça um post, Rodman?
A resposta é bem simples, caro padawan: Frank Miller.
Quase que 80% do material que li do Demolidor a minha vida
toda foi escrita ou desenhada por esse cara, e poucos escritores conseguiram
entender o Demônio Audacioso em seu cerne tão bem quanto Miller. Sempre considerado
um personagem menor da Marvel, de segundo e até mesmo de TERCEIRO escalão, o
Demolidor estava prestes a ter sua revista mensal cancelada quando o, na época,
jovem Frank Miller assumiu o título. Seus desenhos ainda eram bem orgânicos na
hoje longínqua década de 70, mas possuíam uma fluidez que faziam seus
personagens saltarem dos quadrinhos, como se estivessem vivos. Sua narrativa
sempre cinematográfica tornou as histórias do herói cego não só um sucesso de
vendas, como também um sucesso de crítica. Já que a Marvel se vangloriava de
ter heróis mais próximos da realidade, com problemas de grana, relacionamento e
de trabalho, com o Demolidor de Miller, eles tinham agora o seu herói mais
realista de todos, aquele que convivia bem de perto com o que de pior a
humanidade podia produzir.
Drogas, corrupção e violência eram temas que Miller trazia
para o cotidiano das histórias do Demolidor com maestria, e lendo cada página é
como se estivéssemos mergulhando de cabeça no submundo do crime do bairro da
Cozinha do Inferno, residência fixa do Demônio. Em 1993, Miller estava
retornando para a Marvel após um longo afastamento em que ele estivera
produzindo outras obras de arte para a DC (Cavaleiro das Trevas, alguém já
ouviu falar?), e após pavimentar todo o caminho que seria seguido por outras
gerações de artistas para com o Batman, ele sabia que ainda podia contribuir
com seu personagem preferido da Marvel, e assim o fez, voltando para reescrever
a ORIGEM do Demolidor.
Os traços de Bill Everett, na primeira HQ do Demolidor |
A primeira vez que tive contato com a origem do Demolidor, aquela
clássica, escrita por Stan Lee e desenhada por Bill Everett de 1964, foi na
revista Superaventuras Marvel nº 100 da Editora Abril (1990). Até então, eu só
via o personagem fazendo algumas aparições especiais nas aventuras do Homem
Aranha, mas depois daquele primeiro contato com seu passado trágico, senti que
começava a gostar genuinamente do personagem.
De forma até bem didática, como costuma fazer, Stan Lee nos explica tudo que precisamos saber naquela primeira edição, e a passagem de tempo que mostra Matt Murdock desde a infância até sua vida adulta, não nos deixa qualquer dúvida de como tudo aconteceu desde que Matt servia de saco de pancada pros moleques folgados da escola até sua vida adulta como vigilante mascarado. Miller, em O Homem Sem Medo, no entanto, mostra de forma mais minuciosa aquilo que não sabíamos, abrindo novos precedentes para a vida do Demolidor, algo que ele fez muito bem com o Batman em Ano Um.
De forma até bem didática, como costuma fazer, Stan Lee nos explica tudo que precisamos saber naquela primeira edição, e a passagem de tempo que mostra Matt Murdock desde a infância até sua vida adulta, não nos deixa qualquer dúvida de como tudo aconteceu desde que Matt servia de saco de pancada pros moleques folgados da escola até sua vida adulta como vigilante mascarado. Miller, em O Homem Sem Medo, no entanto, mostra de forma mais minuciosa aquilo que não sabíamos, abrindo novos precedentes para a vida do Demolidor, algo que ele fez muito bem com o Batman em Ano Um.
O primeiro capítulo é inteiro dedicado a nos mostrar a
infância humilde de Matt e seu pai na Cozinha do Inferno. O quão duro o velho Jack “Batalhador”
Murdock tem que dar para cuidar do seu filho sozinho (já que Maggie, a mãe
freira do menino, os abandonou quando ele ainda era muito novo), e de como o
pequeno Matt enfrenta seus próprios problemas em meio a uma vizinhança violenta
e intransigente. Alvo fácil dos valentões da escola por ser pequeno e mirrado,
Matt cresce com um sentimento de impunidade muito grande dentro de si, o que o
faz escolher a carreira de advogado ainda na infância, quando leva uma surra do
pai por ter agredido um menino na escola. Sabendo o quão difícil é sua vida de
boxeador, Murdock faz com que Matt jure que por mais que as coisas sejam
difíceis, ele jamais vai largar os estudos, algo que o menino leva como
ensinamento pra vida toda.
Embora frágil, Matt mostra que ganha uma coragem fora do comum quando quer, o que o faz esconder o cassetete de um policial no velho ginásio onde o pai treina. Essa mesma coragem se mostra no pior momento de sua vida, quando ele salva um homem cego de ser atropelado por um caminhão carregado de produtos químicos, sendo ele mesmo atingido pelos resíduos caídos da caçamba. Cego e nas trevas, Matt descobre que seus demais sentidos se tornaram aguçados além do comum, e que mesmo na escuridão, de alguma forma, ele consegue distinguir formas, cheiros e vibrações. Aquilo lhe dá o alento necessário para continuar pegando firme nos livros, algo que seu pai fazia questão, sem nunca deixar seu treinamento físico de lado. Por vários anos, Matt treina seu corpo tanto quanto sua mente, se destacando entre os demais valentões da sua idade.
Embora frágil, Matt mostra que ganha uma coragem fora do comum quando quer, o que o faz esconder o cassetete de um policial no velho ginásio onde o pai treina. Essa mesma coragem se mostra no pior momento de sua vida, quando ele salva um homem cego de ser atropelado por um caminhão carregado de produtos químicos, sendo ele mesmo atingido pelos resíduos caídos da caçamba. Cego e nas trevas, Matt descobre que seus demais sentidos se tornaram aguçados além do comum, e que mesmo na escuridão, de alguma forma, ele consegue distinguir formas, cheiros e vibrações. Aquilo lhe dá o alento necessário para continuar pegando firme nos livros, algo que seu pai fazia questão, sem nunca deixar seu treinamento físico de lado. Por vários anos, Matt treina seu corpo tanto quanto sua mente, se destacando entre os demais valentões da sua idade.
Na história original escrita por Stan Lee, embora a passagem
de tempo seja muito bem mostrada, dá-nos a impressão que Matt leva anos para
vingar a morte do pai pelas mãos dos capangas do Manipulador, o gângster que
faz com que Jack Murdock trabalhe para ele como uma espécie de “mensageiro”
para os caloteiros. Embora saiba que está entrando em um mundo de onde não se
pode sair sem o custo de sua própria alma, Jack decide fazer o que for preciso
para poder pagar os estudos de Matt, bem como manter sua vida minimamente confortável.
Enquanto o chefão do crime compra lutas para que o Batalhador as vença com
facilidade, o tornando uma sensação nas casas de aposta, Jack só descobre que
estava sendo manipulado tarde demais. Quando ele decide que não vai entregar a
última luta, melando assim com os planos do Manipulador de fazer uma fortuna em
cima do combate, Murdock é eliminado à sangue frio, deixando Matt órfão. Na história
original, Matt só vinga a morte do pai depois que já se tornou o Demolidor, mas
em O Homem Sem Medo, ele o faz antes disso.
Acrescentado nas histórias do Demolidor ainda na época de
Frank Miller à frente do título, o misterioso Stick aqui aparece com certo
destaque, aceitando o desafio de treinar o promissor Matt Murdock, que corria
para treinar no ginásio todas as vezes que apanhava na escola. Quando o menino
fica cego após o acidente e observando as habilidades especiais que crescem com
ele, Stick decide treinar o garoto, a fim de mantê-lo puro e limpo de qualquer influência maligna, e até certo
ponto ele consegue seu intento, embora castigue bastante o menino com seus ensinamentos
brutais.
Quando em sua sede de vingança, Matt caça um por um dos
homens envolvidos no assassinato de seu pai, e acaba empurrando pela janela uma
prostituta, causando sua morte, cheio de culpa, Matt procura auxílio de seu
sensei, o que não encontra, ao passo que o velho mestre percebe que ele acabou se corrompendo, e
que mais tarde a influência da intrépida Elektra Natchios pode piorar ainda
mais o comportamento do rapaz.
Essa passagem de tempo entre a infância de Matt, a
adolescência e sua vida na universidade fica meio confusa às vezes pela narrativa de Miller, e é
estranho imaginar que ele ainda era um moleque quando acabou com todos os
capangas do Manipulador usando apenas uma máscara de esqui para ocultar sua
identidade e as técnicas ensinadas por Stick. Nada de uniforme ainda, nada de Demolidor.
Elektra.
A ninja assassina grega é uma criação de Frank Miller para
as histórias do Demolidor, e a primeira vez que a vi, foi também na já citada
Superaventuras Marvel nº 100. Nessa edição, através de flashbacks Matt se recorda
de como conheceu a moça ainda na época de faculdade, como ambos se apaixonaram e
como outra tragédia os acabou separando. Em O Homem sem Medo, conhecemos uma
Elektra mais atrevida e mortal, longe da menina doce da história original que
só se torna fria e calculista APÓS a morte de seu pai. O primeiro encontro entre
ela e Matt já é bem explosivo, quando então ela o faz seguir pela noite,
espalha suas roupas pela neve e engana seus sentidos, fazendo-o cair nas mãos
de alguns policiais que passavam por ali, simulando algo como um estupro.
Uau! Bem diferente da história original em que Matt tem no máximo
que enganar o segurança da menina para ficar a sós com ela.
A despedida de Matt e Elektra na história original |
A relação deles, sempre baseada em adrenalina e perigo de
morte faz com que Stick o avise de que a menina não é flor que se cheire, e que
ele já percebeu algo de maligno em sua alma. Desacreditando o velho sensei,
Matt continua envolvido com Elektra até que o pai dela é assassinado, o que
causa a partida dela e a ruptura do caso amoroso de ambos. Não há qualquer
destaque na morte do Diplomata Natchios nessa história, nem mesmo a tentativa
de Matt de impedir o sequestro do homem, como foi mostrado na história original.
Elektra nos é mostrada apenas como alguém que gosta do perigo e que ainda nas horas vagas testa seu instinto assassino, entediada pela vida de riquinha filhinha de papai, o que não faz muito sentido e foge bastante da origem da personagem escrita pelo próprio Frank Miller. Bem, pelo menos ele não esperou ninguém criar um retcon com sua personagem, ele mesmo foi lá e fez!
Elektra nos é mostrada apenas como alguém que gosta do perigo e que ainda nas horas vagas testa seu instinto assassino, entediada pela vida de riquinha filhinha de papai, o que não faz muito sentido e foge bastante da origem da personagem escrita pelo próprio Frank Miller. Bem, pelo menos ele não esperou ninguém criar um retcon com sua personagem, ele mesmo foi lá e fez!
Na quarta edição da minissérie, Matt já é um experiente
advogado trabalhando em Boston, e quando ele retorna para a Cozinha do Inferno
ele reencontra o velho amigo da faculdade Foggy Nelson que lhe pede ajuda com um
caso de direito. Enquanto a criminalidade aumenta no bairro nova-iorquino, novas
lideranças começam a se formar no submundo à custa de sangue inocente, e é
quando Matt conhece a pequena Mickey, uma garota que se torna uma espécie de
aprendiz dele no velho ginásio onde seu pai lutava boxe. Enquanto ajuda Foggy
com o tal caso, e pronto pra voltar para seu trabalho em Boston, Matt descobre
que Mickey está prestes a se tornar mais uma vítima inocente da crescente onda
de sequestros e assassinatos por causa de drogas no bairro, e decide que a vida
da garota com a qual ele se afeiçoou é mais importante que seu trabalho como
advogado.
A caçada de Matt pela cidade em busca de Mickey e seus
sequestradores é cinematográfica, e faz com que torcemos por ele cada segundo
da ação. Apesar de seus sentidos ampliados, Matt ainda é mortal, então batidas
de carro, balas e socos podem feri-lo, o que o torna mais humano que a maioria
dos personagens que vemos nas HQs. Até alcançar o capanga Larks, Matt sofre o
diabo nas mãos dos demais homens de Wilson Fisk, aquele que aos poucos foi se
tornando o Rei do Crime com seus golpes. Disposto a salvar Mickey de qualquer
forma, ele repete várias vezes que não quer matar Larks, o que acaba
acontecendo quando o sujeito atira contra ele e Matt rebate a bala com o cassetete
que roubou do policial ainda na infância. Oculto atrás de um traje preto, Matt
percebe que aquele será seu destino, buscando a justiça como o advogado cego da
Cozinha do Inferno durante o dia, e à noite caçando os criminosos mais
perigosos que nem o sistema consegue punir.
A justiça é cega, mas ela possui
todos os demais sentidos ampliados.
Esse mergulho no universo do Demolidor é mostrado de forma
muito talentosa por Frank Miller, que parece realmente se sentir “em casa”
escrevendo o personagem. Gangsteres, assassinatos, drogas, submundo... Somos
colocados cara a cara com esse mundo que em geral rejeitamos e nos enojamos,
mas é exatamente isso que Miller faz quando coloca um personagem como Matt
Murdock em meio a esse mar de podridão, ele nos dá esperança. Apesar disso, diferente
do que estamos acostumados a ver nas páginas das histórias do Demolidor, o
Demônio Audacioso de Miller mete a mão na lama para fazer sua justiça, e perdi
as contas de quantos bandidos Matt matou ou simplesmente “deixou para morrer”,
principalmente na sequencia em que ele vai atrás da garota Mickey.
O background que Miller cria na vida de Matt ANTES dele assumir a alcunha de Demolidor (apelido que os moleques da escola o batizaram para o caçoarem devido a fantasia que seu pai usava nos ringues) é, no entanto, fantástico, e embora ele não se preocupe muito em explicar com detalhes os poderes de Matt (quase nada é falado sobre os sentidos dele), como eles funcionam e as mudanças sensoriais que eles causaram depois que ele se tornou um cego, a parte exterior da cidade onde ele vive e como o personagem pensa é muito bem explicada, algo que como disse antes, nos faz torcer desesperadamente por ele ao longo de todas as edições da série.
O background que Miller cria na vida de Matt ANTES dele assumir a alcunha de Demolidor (apelido que os moleques da escola o batizaram para o caçoarem devido a fantasia que seu pai usava nos ringues) é, no entanto, fantástico, e embora ele não se preocupe muito em explicar com detalhes os poderes de Matt (quase nada é falado sobre os sentidos dele), como eles funcionam e as mudanças sensoriais que eles causaram depois que ele se tornou um cego, a parte exterior da cidade onde ele vive e como o personagem pensa é muito bem explicada, algo que como disse antes, nos faz torcer desesperadamente por ele ao longo de todas as edições da série.
Não é segredo que sou fã declarado de John Romita Jr. (até
elenquei ele como um dos melhores desenhistas do Homem Aranha aqui), e embora
atualmente ele seja bem criticado pelos fãs de quadrinhos que veem seu
traço “quadrado” demais e porque não dizê-lo até desleixado, na década de 90
ele ainda estava ON FIRE. Seu traço conseguiu traduzir toda a violência visual
do texto de Frank Miller, e algumas cenas de luta me fizeram recordar de
trabalhos que ele mesmo fez com outros escritores mais tarde como o Mark Millar
em Kick Ass. Existem semelhanças entre os traços dos dois artistas, e tanto
Miller quanto Romita Jr. têm a mesma predileção pelas linhas mais retas, o que
não tira de forma nenhuma os méritos da obra. Profundidade, cenários,
expressões, objetos... Enfim, Romitinha acerta em todos os fundamentos, dando
SIM a cara de cinema às páginas que o texto de Miller exige. Se hoje o desenhista faz suas
mulheres com umas caras de traveco fodas, ele acertou na Elektra na época,
fazendo-a sensual e por vezes muito charmosa, o que esperamos ver quando
olhamos para uma gata de maiozinho. A diferença entre o Matt criança e sua
versão adulta também fica bem evidente nos traços do cara, o que nos faz pensar
que essa dupla (Miller/Romita Jr.) deveria ter produzido mais material juntos,
já que combinam muito bem. Quem sabe ainda dê tempo?
Se você garimpar ainda é possível encontrar a edição encadernada
com as cinco edições de Demolidor: O Homem Sem Medo por aí. Pra quem está
ansioso pela estreia de Marvel’s Daredevil da Netflix vale a pena, já que
aparentemente, muita coisa desse material vai ser usado na série.
NAMASTE!
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