Eu devia ter uns sete ou oito anos quando eu dancei com o
demônio à luz da Lua pela primeira vez, e de lá pra cá, apesar de muuuuuuito
tempo ter se passado, eu ainda tenho Batman, o filme dirigido por Tim Burton em
1989, como um dos meus preferidos, não só no ranking de filmes do Homem Morcego
orelhudo da DC, mas como de todos os filmes de super-heróis de meu ranking
pessoal.
Aiinn, Rodman! Mas o Batman não é um super-herói. Ele não
tem poderes. Ele é um vigilante!
Ele usa uniforme? Tem máscara? Tem uma identidade secreta?
Já usou cueca por sobre as calças?
ENTÃO ELE É UM SUPER-HERÓI, PORRA!
No início dos anos 90 eu era um pirralho piolhento magrelo e
com cabelo black power (pois é! Acreditem!) que vivia num mundo de fantasias
alimentado por revistas em quadrinhos e por desenhos animados de ação como
Superamigos, He-Man, Thundercats e afins. Numa ou outra sessão de reprises, também assistia o seriado dos anos 60 do Batman (ou Bátema, para os íntimos) e
pra falar a verdade, não conhecia outro Homem Morcego senão aquele meio
barrigudinho interpretado magistralmente (ou de forma bem canastra!) por Adam
West. Na época do lançamento do primeiro filme do Batman, eu nem sonhava em ir
a cinema, e me contentava a esperar, sem grandes expectativas, que a Globo
anunciasse seu pacotão de filmes para o começo do ano.
Não exijam de mim que eu lembre o ano exato em que a TV do
plim-plim (Aff! Essa é velha!) passou Batman pela primeira vez na Tela Quente,
mas com certeza eu estava lá pra assistir, e tirando os filmes do Super-Homem
que volta e meia passavam em alguma Sessão da Tarde da vida, me lembro que foi
o primeiro filme com heróis dos quadrinhos que me impactou verdadeiramente. As
razões disso são óbvias: O visual fodaçaralho que o maluco do Tim Burton criou
não só para o Batman, como também para tudo que envolve o personagem, desde
seus equipamentos (“Onde é que ele arranja esses brinquedos?”) até a cidade de
Gotham City.
Vocês já devem ter lido aqui no Blog do Rodman uma ou duas
críticas minhas ao supracitado diretor de cabelos arrepiados e estilão gótico.
Sim, eu realmente tenho certa animosidade a essa cisma que Burton tem pelo Johnny
Depp bizarro, e acho que todos seus filmes acabaram se tornando muito
repetitivos com o tempo.
Eu gosto de Edward Mãos de Tesoura, Os Fantasmas se
Divertem, de Marte Ataca! e olhe lá! Seja como for, Tim Burton fez um grande
favor ao Homem Morcego quando, ao se aproveitar do clima sombrio que o
personagem havia recuperado com a Graphic Novel The Dark Knight Returns de
Frank Miller, ele conseguiu recriar a imagem do VERDADEIRO Batman, aquele que
se mescla nas sombras e que faz os bandidos se borrarem todos só de ouvirem falar
dele. Essa era a gênese do personagem criado por Bob Kane há 75 anos, e ele
havia perdido essa aura de terror incutida em seu ser para virar uma piada reforçada
pela série dos anos 60, que me perdoem os fãs, era uma galhofa sem tamanho!
Aiiinn, Rodman! O seriado era muito bom pra época e eu adoro
a Feira da Fruta!
Não me entendam mal. Eu gostava da série dos anos 60. Não
que eu estivesse lá pra ver na época, mas eu me divertia com as reprises que
passavam no SBT (salvo engano) porque naquele final de anos 80, era tudo que
tínhamos relacionado a heróis passando na TV. Quando Batman surgiu nos cinemas,
no entanto, percebemos pela primeira vez, como aquele Batman azul e cinza e
meio roliço era patético, e como o Batman de roupa preta, símbolo brilhante no
peito e cheio das traquitanas tecnológicas era muito mais fodão!
O filme de Tim Burton não só apresentava uma versão muito
melhor do Homem Morcego para as novas e velhas gerações, como também já chegou
chutando bundas no mundo das superproduções. Com um orçamento milionário (35
Milhões de Doletas!), e um elenco quase estelar na época, a Warner apostou alto
na revitalização do personagem, fazendo uma campanha publicitária de dar inveja
a George Lucas, o criador da revolucionária saga Blockbuster Star Wars.
O último
Super-Homem (“Em Busca da Paz” de 1987) havia sido um fracasso retumbante para
as expectativas e também para o estúdio mequetrefe que o bancou, e de forma
melancólica o maior herói dos quadrinhos se despedia dos cinemas apenas para
ser quase que totalmente ofuscado pelo filme de Tim Burton dois anos depois. O
investimento milionário e a campanha maciça de marketing havia dado resultado,
e Batman foi um sucesso estrondoso nos cinemas, o que ajudou a recolocar o
personagem nos trilhos, deixando pra trás aquele tom de comédia pastelão que o
permeava desde Adam West e seu menino-prodígio Burt Ward.
Santa bilheteria, Batman!
Com uma receita de mais de 400 Milhões de Dólares rendida
aos cofres da Warner, Batman foi um sucesso incontestável, e se hoje os mimizentos
e pela-sacos de Christopher Nolan só conseguem enxergar os problemas técnicos e
a estatura ínfima de Michael Keaton vestido de Morcegão, o que fica de mais
importante é o legado que o filme deixou para as décadas seguintes. Contem
comigo:
O filme inspirou a MELHOR SÉRIE animada que o Bátema já teve
em todos esses anos;
A trilha sonora de Danny Elfman é até hoje a principal marca
do personagem, mesmo vinte e cinco anos depois;
O Batman de roupa escura (em vez da azul e cinza das HQs)
foi usado como referência para praticamente TODOS os filmes que se seguiram,
mesmo nas mãos de outros diretores. Até o Nolan usou;
O Batmóvel criado por Tim Burton continuou sendo usado, com
certas variações, até o quarto (e mais lamentável) filme, e recebeu versões
também na série animada e nos quadrinhos, assim como a Batwing em formato de morcego, que eu nunca tinha visto antes do filme;
O Batman planando de asas abertas virou mania depois que
isso foi apresentado no primeiro filme;
Porra! Se isso não é deixar um legado, o que é então?
Se olhado com atenção nos dias atuais, num universo em que
qualquer filme mequetrefe acha que se segura apenas apoiado nas muletas dos
efeitos digitais de ponta, Batman funciona muito bem apenas com seus efeitos
práticos, sem a necessidade de grandes pirotecnias computadorizadas. O roteiro,
escrito por Sam Hamm e Warren Skaaren, chega a ser ingênuo de tão simples, mas
são mesmo os personagens que conseguem segurar o filme, com diálogos marcantes,
frases que grudam feito chiclete na cabeça e com atuações muito seguras.
Atuações
É fato “venéreo” que o Coringa é o maior adversário do
Batman nos quadrinhos, e seria impossível não dar-lhe moral logo de cara no
primeiro filme do Homem Morcego, colocando-o para bater de frente com o dono de
Gotham. Sempre foi dito que o Palhaço é a antítese exata do Batman, adversário
mais do que físico, e a escolha de Jack Nicholson para o papel foi um dos
grandes acertos de Tim Burton, uma vez que o ator, que na época JÁ ERA
veterano, com papeis fabulosos nas costas como o pirado Jack Torrance de O
Iluminado e tendo ganhado, inclusive um Oscar por sua atuação em Um Estranho no
Ninho, acabou roubando o filme com sua atuação magistral do Coringa.
Há quem diga que Jack
Nicholson tenha se baseado no Coringa da série dos anos 60, interpretado pelo
hilário César Romero, e que por isso, criou um personagem caricato demais, mas
tendo em vista o que o Coringa sempre representou nas HQs, é possível ver uma
excelente representação dele na tela, embora eu duvide que Nicholson tenha
sequer segurado algum exemplar das HQs do Batman em mãos para compor seu papel.
Seu Coringa é o que o personagem representava nos quadrinhos, um agente do caos
a serviço de si próprio e que além de tocar o terror, SE DIVERTE com isso. No
começo do filme ele é Jack Napier, um gângster que acha que tem nas mãos o
chefão do crime de Gotham, mas que abusa de sua sorte e que acaba sendo traído
por esse mesmo chefão. Quando ele cai na armadilha, é cercado não só pela
polícia, mas também pelo próprio Homem Morcego, que acaba sendo o responsável
direto pelo acidente que deforma seu rosto.
Aiiin, Rodman! Nem é assim que acontece nos quadrinhos e
mimimimi!
Na Graphic Novel A Piada Mortal, escrita por Alan Moore, o
Coringa é, na verdade, um comediante falido que acaba sendo levado a cometer
alguns crimes, oculto pela identidade de O Capuz Vermelho, para sustentar sua
família. Num desses grandes assaltos, o Batman aparece e acontece exatamente a
mesma coisa que acontece no filme: ele cai no ácido, sua cara fica deformada e
ele decide se tornar o Coringa. Só que não existe Jack Napier e nem chefão do
crime. Hoje em dia com o Reboot da DC, nem faço ideia de como é a origem do
Palhaço, o Bobo, O Joker, O Bobo, mas na antiga cronologia foi assim que
aconteceu.
Seja como for, Jack Nicholson interpreta um dos melhores
Coringas do cinema, e que tem mais a ver com os quadrinhos do que o que Heath
Ledger fez anos mais tarde, embora ambas tenham sido atuações dignas de nota. O
Coringa de 1989 é perigoso, é louco, mas é extremamente engraçado, algo que
faltou na época de O Cavaleiro das Trevas de Cristopher Nolan. A cena em que
ele se apresenta para os chefões criminosos de Gotham e termina eletrocutando
um deles com um aperto de mão é sensacional. Não bastando ter torrado o
sujeito, o Coringa ainda dialoga com ele depois de morto. Genial!
Michael Keaton seria de longe a última opção a ser escolhida
caso alguém me pedisse para elencar um ator que serviria para interpretar Bruce
Wayne, o alter-ego do Batman. Me digam como um nanico daqueles conseguiria
impor respeito ou causar pavor na bandidagem sórdida da cidade mais corrupta
dos Estados Unidos? Mas não é que ele conseguiu!!
Tudo bem que para mim na época em que Batman passava na TV
esse era um detalhe que nunca me incomodou, até porque pra mim, pouco me
importava quem era Bruce Wayne, o que me interessava era ver o Batman, e ele
era muito maneiro com aquele visual criado por Tim Burton!
Em que mundo alguém chama o mesmo ator que interpretou o
Beetlejuice para ser o Batman?
Talvez para Tim Burton isso faça algum sentido, mas para a
maioria das pessoas, parece ser uma ideia insana. Revendo o filme, tentando
afastar o preconceito de que o Batman é um baixinho de um metro e meio, comecei
a prestar a atenção na atuação de Michael Keaton, e ela não deixa nada a dever.
E olhe que ele estava encarando Jack Nicholson em cena!
Seu Bruce Wayne é soturno na medida certa, se mostra
torturado pelo crime que mudou sua vida ainda na infância, mas ainda consegue
ser um sujeito divertido quando quer. A cena em que ele dá uma trolada em Vicki Vale e em seu parceiro Knox chegando de surpresa em sua sala de “troféus” deixa
isso muito claro. Não há dúvida sobre a sexualidade de Wayne nesse filme (e na
verdade em nenhum dos filmes dirigidos por Tim Burton, já que em um ele pega a
Kim Basinger e no outro a Michel Pfeiffer!), e ao se interessar pela fotógrafa
Vicki Vale ele vai fundo na conquista, não sossegando até tê-la em sua cama.
Quando ele começa a se afastar dela, não é porque ele se “cansou daquela
rachada hor-ro-ro-saaa”, mas sim porque tem medo de trazê-la para sua vida
cheia de traumas e cismas. Algo típico do Batman.
O nome de Keaton aparece depois do de Jack Nicholson no
pôster oficial do filme, até mesmo pelo peso artístico que cada um tem, e se
podemos considerar Batman de Tim Burton um filme mais do Coringa do que do
próprio Homem Morcego, quando é requisitado, Michael Keaton não faz feio. Ele
tem cenas muito boas, e sua expressão de tensão quando ele percebe que o
Coringa é o assassino de seus pais (!!) fala por si só em uma cena que não
contém qualquer diálogo.
Uma vez elenquei aqui um Top 10 com meus amores de Hollywood, e ela estava lá por razões óbvias. Na década de 90 Kim Basinger
estava ainda no auge de sua beleza, e ela era uma escolha quase que certa para
interpretar a fotógrafa Vicki Vale, que nos quadrinhos, pelo que me lembro,
nunca teve uma personalidade muito bem definida. Sem abusar de sua sensualidade
latente, mas servindo como um interesse romântico para Bruce Wayne da melhor
qualidade, e uma mocinha em perigo que herói nenhum se recusaria em salvar, Kim
está inesquecível em seu papel, que apesar de não exigir nenhum rompante
dramático e/ou artístico de sua parte, funciona bastante para a proposta do filme
de Tim Burton.
Em Gotham devido seu interesse incomum por morcegos (!)
Vicki se vê interessada pelo Homem Morcego que, dizem, ronda as noites da cidade
sombria. Ao mesmo tempo ela acaba se envolvendo com o bilionário Bruce Wayne,
sem saber de início que ele e Batman são a mesma pessoa. Procurando mergulhar
fundo na psique abalada de seu amante, Vicki descobre que os traumas sofridos
por ele na infância o fizeram se transformar no homem duro e psicótico que ela
conheceu, e entende completamente a razão de existir um Batman.
O papel de Kim
é burocrático, mas sua beleza na época contribuiu bastante para o visual do
filme, num cenário que exigia uma bela mulher desfilando por lá. E cá entre nós, ver o Batman e o Coringa saindo no tapa por causa dela foi engraçado!
Batman ainda conta com Michael Gough como o fiel mordomo
Alfred (lembrando bastante o Alfred mais velhinho da série dos anos 60), Pat
Hingle como o Comissário Gordon (bem diferente da sua versão dos quadrinhos) e
Billy Dee Williams, o Lando Calrissian da Trilogia Star Wars Clássica como
Harvey Dent (!), o promotor, que no filme nem é citado como tal, que mais tarde
se torna o Duas Caras.
Obviamente Joel Schumacher, o diretor de Batman Forever,
ignorou completamente o fato de Harvey Dent ter aparecido na pele de um ator negro
nos dois primeiros filmes e escalou o mal encarado Tommy Lee Jones para
encarnar o promotor em seu filme. Se o
elenco para os personagens coadjuvantes de Burton parece meio discrepante com
relação a suas características básicas provenientes dos quadrinhos, pelo menos
tivemos a ótima atuação de Jack Nicholson como Coringa, que vale como um todo
para quem gosta do bom e velho Coringa de várzea.
O Batman de 1989 inspirou muita coisa tanto no cinema quanto
nos próprios quadrinhos, e muita gente assim como eu, deve ter crescido com a
figura do morcego criada por Tim Burton na cabeça muito mais nítida do que a
série dos anos 60 fez para a geração anterior.
Eu via minha mãe comentando “Nossa! Pra
que essas orelhas tão grandes no Batman?”, obviamente levando em consideração o
visual com orelhas curtas usado por Adam West a qual ela estava acostumada, e o
visual sombrio do filme deve ter incomodado muita gente que esperava aquela
coisa mais colorida da série, algo que Joel Schumacher homenageou com
excelência nas duas terríveis sequências após a saída de Burton da direção dos filmes.
O traje do Batman de 89 é a meu ver o melhor de todos que já
vimos no cinema, até porque ele é preto,
o que seria o mais indicado para um cara que quer surpreender a bandidagem à
noite, ele é uma mescla perfeita de armadura e uniforme e tem uma máscara
assustadora, que deve dar um cagaço em qualquer um que a fite mesmo que de
relance.
As traquitanas usadas pelo herói no filme também
revolucionaram a forma como o personagem passou a agir nos quadrinhos. Na década
de 70 estávamos acostumados a ver o Morcego arremessando cordas com um
batarangue amarrado na ponta para escalar prédios, e de repente vemos o cara com
um mini-arpéu de bolso disparando ganchos no filme.
E o Batmóvel?
Putaquepariu!
Até hoje é meu carro preferido do Batman (até elenquei ele
aqui como umas das super-máquinas do cinema), e embora seu design só permita
que ele ande em pistas planas de tão rebaixado, e que lombadas e quebra-molas
em Gotham fariam com que o assoalho do carro ficasse para trás, é indiscutível
a imponência que aquele carro causa com aquela turbina na parte traseira e o
ronco de seu motor potente. E isso porque nem citei o cockpit e a blindagem que
nos fez pensar porque diabos o Batman e o Robin dos anos 60 andavam por aí num Batmóvel
sem capota!!
Batman marcou toda uma geração que passou a admirar o Batman
por seus feitos heroicos e por seu visual assustador, e se hoje o personagem
completa 75 anos, nada melhor do que comemorar essa data querida comentando
sobre um elemento que certamente foi um divisor de águas na cronologia dele,
pelo menos nos cinemas.
NAMASTE!