7 de setembro de 2019

Do Fundo do Baú - Excalibur


Em 1987 os X-Men estavam passando por uma fase conturbada nos quadrinhos. Nas mãos do escritor de longa data do título Chris Claremont, os Filhos do Átomo haviam sido dados como mortos, se oferecendo em sacrifício para derrotar o poderoso Adversário diante das TVs mundiais. Em segredo, no entanto, a deusa Roma ressuscitou os heróis, que preferiram se manter incólumes para ter uma vantagem contra seus inimigos - o elemento surpresa - embora fizesse seus entes queridos sofrerem achando que eles realmente haviam morrido. Enquanto os X-Men se escondiam em uma base na Austrália, dois de seus membros que haviam sido feridos durante o Massacre de Mutantes, e que por isso não podiam estar na ativa, Noturno e Kitty Pryde, se recuperavam na Ilha Muir junto da Dra. Moira McTaggart, sem saber que os amigos estavam vivos.



O Excalibur surgiu nesse período, escrito por Chris Claremont e desenhado magistralmente pelo britânico Alan Davis. O super-grupo reuniu os x-man Noturno, Kitty Pryde e Rachel Summers ao Capitão Britânia e sua parceira Meggan na Inglaterra, formando assim o braço britânico do sonho de Charles Xavier de convivência pacífica entre humanos e mutantes.


Chris Claremont e Alan Davis

Com um toque de humor e tiradas satíricas engraçadíssimas, o Excalibur era uma perfeita válvula de escape para quem estava um pouco saturado daquele drama todo envolvendo a equipe principal de X-Men e da subdivisão X-Factor (na época escrita por Louise Simonson). É engraçado perceber que quem conduzia os X-Men no mesmo período também era o Claremont, mas era bem óbvio que ele estava se divertindo muito mais escrevendo o Excalibur do que os mutantes na Austrália. 


Os diálogos entre Kitty e Noturno sempre são regados de piadinhas e comentários engraçados, mesmo tendo em vista que os dois ainda se recuperavam dos ferimentos causados pelos Carrascos nos esgotos de Nova Iorque, enquanto eles tentavam salvar os Morlocks. Até mesmo coisas bobas como a Kitty pedir para o bandido que ela acabou de socar e humilhar conduzir o carro porque “ela não sabe dirigir com câmbio manual” ou ela parar uma viagem de Londres a Nova Iorque nos braços do Capitão Britânia porque está apertada para ir ao banheiro, divertem no enredo. Eu quase posso dizer que são exatamente essas sutilezas de roteiro que deixam as histórias do Excalibur mais gostosas de serem lidas.



O grupo se reúne quando Kitty e Noturno descobrem que tiveram o mesmo sonho premonitório com sua antiga colega de equipe Rachel Summers, e recebem a visita inesperada e indesejada da Technet, uma equipe de caçadores de recompensas dimensionais chefiados por Opal Luna Saturnyne, a Majestrix Omniversal encarregada da ordem e da realidade. Liderados por Penettra, o grupo está atrás de Rachel, que agora controla a Força Fênix, e ao encontrar Kitty e Noturno, pretende sequestrá-los para obrigar a Fênix a dar as caras. Quando Meggan - que está ali para pedir ajuda a Kitty para tirar o namorado Capitão Britânia da depressão após a suposta morte de sua irmã Betsy Braddock, a Pylocke - se junta ao grupo, ela e Kitty são sequestradas e aprisionadas pelo Bagageiro, enquanto Noturno escapa. Naquele mesmo momento Rachel está de volta à Terra sendo caçada pelos Lobisomens Guerreiros, que a querem levar de volta para o Mundo de Mojo, local onde ela esteve durante boa parte do tempo depois que se separou dos X-Men. 


A equipe toda se reúne pela primeira vez quando o Noturno convence o Capitão Britânia a ajudá-lo a resgatar Kitty e Meggan, e quando a Technet põe as mãos na Fênix e a capturam, cabe aos dois resgatarem suas amigas das garras dos vilões interdimensionais.

O primeiro encontro do grupo rende uma boa vitória contra a Technet e adia os planos de Saturnyne de capturar a Fênix, porém, ela continua à espreita da equipe ao longo das demais histórias. Inspirados pela lenda do Rei Arthur e de sua espada mística, eles decidem batizar a equipe de Excalibur, com o intuito de servir como um símbolo da luta pela justiça e proteção aos justos, e eles estabelecem residência em um farol de propriedade de Brian Braddock, o Capitão Britânia.



Caóticas e absurdas, as aventuras do Excalibur são um deleite para quem curte histórias bem-humoradas e de fácil digestão. Os coadjuvantes e antagonistas deixam as coisas ainda mais malucas, mas é interessante acompanhar o quanto a mente de Chris Claremont viaja, enquanto Alan Davis acompanha dando quase materialidade a isso com seus desenhos.


A sintonia entre os personagens é tão boa que até o Lockheed, o dragãozinho alienígena de Kitty Pryde, tem personalidade própria, além de ajudar na dinâmica da equipe.

A gangue da Penettra é um apanhado de absurdos, como os personagens Gelatina e Bibelô, o primeiro que transforma matéria sólida (incluindo seres vivos) em formas molengas e gelatinosas e a segunda que encolhe e transforma seres vivos em pequenos artefatos de coleção


A Technet de Penettra

Os próprios Lobisomens Guerreiros são um misto de seres assustadores e trapalhões. Eles possuem as pessoas adquirindo suas peles e eles as usam como se fossem roupas, substituindo-as. Embora seja bizarro de se imaginar a forma como eles matam as pessoas que possuem, os seis alienígenas travam diálogos hilários entre eles, sempre um curtindo com a cara do outro


Lobisomens Guerreiros

Ao longo da história eles conseguem capturar a Lince Negra, porém, não conseguem usar sua pele devido os poderes fásicos da menina


Raposa e Fanático

Além dos ajudantes de Mojo e da Technet, o Excalibur ainda tem que enfrentar o Fanático, que é liberado de sua prisão pela vilã Raposa e seus soldados, o Arcade no seu Mundo do Crime e a Gangue Maluca


A Gangue Maluca

Cada história tem a sua peculiaridade, mas a forma como cada ambiente obriga o Excalibur a interagir entre eles é que faz a grande diferença. A gente se diverte até mesmo com os vilões pela forma bem escrita com que são conduzidos, e os diálogos dão o grande charme das aventuras.     
    
OS PERSONAGENS



De longe a personalidade de Kitty Pryde, que à época ainda era uma adolescente, é um dos grandes pontos positivos da série. Criada em 1980 por Chris Claremont e John Byrne, a Lince Negra fez parte de quase todas as formações de X-Men depois disso, e sua postura impetuosa e sincera sempre a fizeram se destacar dos demais personagens adolescentes, incluindo aí seus amigos dos Novos Mutantes


Marrenta, ela chegou  a bater de frente até mesmo com o Professor Xavier, mas é seu grande coração que a faz ser querida por todos a seu redor. O Excalibur significou a grande emancipação da personagem, e agindo como uma líder entre eles ela acabou amadurecendo na equipe. 



Quando foi a hora de voltar para os X-Men ela já não era mais a criança que eles enxergavam, e atualmente ela lidera uma equipe todinha sua.



O alemão Kurt Wagner (Noturno) foi criado em 1975 por Len Wein e Dave Cockrum, e ele entrou para os X-Men quando o Professor Xavier buscava uma equipe nova para resgatar a antiga da Ilha de Krakoa. Durante a saga Massacre de Mutantes, o elfo, como também é chamado, foi atingido violentamente pelo carrasco Maré Selvagem e ficou em coma por muito tempo com ferimentos graves.



Levado para a Ilha Muir, ficou aos cuidados da Dra. MacTaggart junto da amiga Kitty (que atingida por Arpão perdeu a capacidade de voltar a se solidificar depois de se desmaterializar) e de Colossus. Quando Kurt se junta ao Excalibur ele ainda não se recuperou totalmente, e o elfo tem sérias dificuldades em se teleportar, o que faz com que ele se valha mais de suas capacidades acrobáticas do que seus poderes mutantes.



Embora Meggan namore Brian, devido seu poder empático de se adaptar aos locais e pessoas com que convive, ela começa a demonstrar certo afeto por Kurt, que se segura para não cair de vez em seus encantos.


O triângulo amoroso que se forma entre eles é outro tempero para as aventuras do super-grupo britânico.



O Capitão Britânia foi criado em 1976 para a linha de HQs da Marvel UK, no Reino Unido. Criado por Chris Claremont, Herb Trimpe e Fred Kida, o herói britânico tinha um visual bem diferente do apresentado atualmente, porém, ele já tinha uma relação com os X-Men, já que é o irmão gêmeo de Elisabeth Braddock, a Psylocke



Seus poderes não são mutantes, e ele os recebeu do próprio mago Merlin, conhecido dos contos de Rei Arthur e a Távola Redonda.



Em suas aventuras pelo Reino Unido, o Capitão teve muitas histórias escritas pelo também britânico Alan Moore, e quase sempre desenhado por Alan Davis. Dessas aventuras originaram-se alguns personagens que permeiam as histórias do Excalibur, incluindo aí o antigo interesse romântico do herói Courtney Ross (que tem grande destaque na luta do Excalibur contra o Arcade e a Gangue Maluca), a vilã Saturnyne e a própria Technet.



Embora enamorado pela bela Meggan, Brian sente que falta algo em seu relacionamento com ela, já que a menina possui um certo distanciamento da realidade pela forma como foi criada. É em Courtney que ele parece realmente encontrar forças para lutar contra a insegurança que o abala quase que o tempo todo, e perto dela ele se sente mais digno dos poderes do Capitão Britânia. 



Quando se alia ao Excalibur, Brian o faz para honrar a memória da irmã, que ele nem desconfia estar viva junto dos X-Men na Austrália, e isso acaba o afastando do alcoolismo.



Meggan Puceanu é uma mutante metamorfa que adapta seu corpo com aquilo que está a seu redor. Rejeitada na infância por sua aparência nada comum, a pequena criança começou a parecer cada vez mais monstruosa conforme as pessoas a rotulavam assim, absorvendo aqueles pensamentos negativos empaticamente. 



Foi só na fase adulta que ela conseguiu sua forma feminina sensual, o que acabou atraindo o jovem Brian Braddock. Tendo crescido escondida das outras pessoas e fugindo de um canto a outro da Inglaterra, Meggan acabou tendo dificuldades para se comunicar, além de adquirir uma falta de confiança em si mesma. Durante as aventuras do Excalibur fica claro que ela tenta fazer de tudo para agradar Brian, ao mesmo tempo que tem medo de perdê-lo. Seus poderes começam a apresentar certa instabilidade quando ela começa a sentir os desejos das pessoas a seu redor e se metamorfoseia de acordo com aquilo que elas querem. Quando está triste, no entanto, ela assume uma forma mais frágil, diferente da mulher loira e linda que é costumeiramente. 



Meggan é o personagem mais delicado do grupo, e por incrível que pareça, lembra muito a Megan (ou M'gann) da DC, retratada na primeira temporada de Justiça Jovem. No caso, a Miss Marte da DC é marciana e tem vários problemas para se adaptar ao planeta Terra, se metamorfoseando como uma adolescente ruiva para parecer... comum.


Meggan x M'gann (Alô, Megan!)

A Meggan da Marvel foi criada em 1983 por Alan Moore e Alan Davis.



Rachel Summers foi criada em 1981 por Chris Claremont, John Byrne e John Romita Jr. Ela vem do futuro, mais precisamente da Terra 811, onde viu todos os X-Men morrerem, incluindo sua mãe Jean Grey e seu pai Scott Summers. Ela pode ser vista na saga Dias de um Futuro Esquecido, onde namora Franklin Richards – filho do Senhor Fantástico e da Mulher Invisível do Quarteto Fantástico – e ela é responsável por enviar a consciência da Kitty Pryde adulta do futuro para o nosso presente. Ao tentar descobrir o que aconteceu com a Kitty, e porque o futuro não foi alterado, Rachel acaba presa no passado, onde decide morar junto dos X-Men. Seu primeiro contato com a Força Fênix acontece durante o trajeto de uma de suas viagens temporais, e à partir de então a entidade cria uma ligação com a menina.


Quando Rachel se uniu ao Excalibur, ela estava há algum tempo longe dos X-Men, e o reencontro dela com Kitty e Kurt é bem emocionante. Seu uniforme vermelho remete ao que ela usava como Farejadora no futuro, uma espécie de caça-mutante ao qual ela era obrigada a obedecer, e as marcas que surgem em seu rosto também são desse período. 

Claramente Rachel é a personagem mais poderosa do Excalibur, e mesmo não tendo a seu dispor toda a capacidade da Fênix (ela chega a ser chamada de baby-Fênix) que assumiu o corpo da mãe, mesmo assim ela tem um nível de poder muito acima dos colegas de grupo.

Alan Davis



Eu já conhecia Alan Davis de várias histórias que ele desenhava para os X-Men nos anos 80 e anos 2000. Boa parte de Massacre de Mutantes, por exemplo, é desenhado por ele, mas devo admitir que o seu traço em Excalibur está impecável. Desde sempre eu me preocupei com o artista que estava desenhando a HQ para eu saber se ia ou não me interessar por ela, e ler Excalibur é um deleite, não só pelo que já comentei que Chris Claremont escreve, mas em especial pela arte de Davis. O cara desenha tudo com uma riqueza de detalhes tão grande que mesmo depois de já ter lido os balões de diálogo do quadro ainda dá pra ficar um tempo admirando. Parece que para Davis (que na época estava no auge do talento) não tem tempo ruim, e ele desenha qualquer coisa com muita precisão.



As criaturas fantásticas feitas por seu traço também são muito criativas, e o roteiro de Claremont insere muitas delas, o que nos faz ter uma satisfação visual a cada página praticamente. 



Os bichos e seres interplanetários apresentam um peso nas páginas, e suas proporções são muito bem trabalhadas, mesmo quando interagem com seres humanos normais.  

E as mulheres de Alan Davis?



Aí é um caso à parte, já que poucos desenhistas conseguem retratar figuras femininas com tamanho desempenho. Nos anos 90 nos acostumamos a ver as heroínas e vilãs em poses ginecológicas, e nas capas das revistas elas até pareciam que estavam posando para a Playboy, mas Davis consegue mostrar a sensualidade da Courtney, da Meggan ou da Rachel sem precisar apelar para o sexual. E sim! Dava pra fazer isso!



Tanto Meggan quanto Rachel são bem curvilíneas e volta e meia estão com roupinhas curtas, mas dificilmente é gratuito na história. As cenas de semi-nudez estão sempre bem inseridas na história, e mesmo a Kitty, que é uma menina na história, é bem representada com seu corpo adolescente, sem volumes exagerados. Ela chega até a elogiar mentalmente as amigas corpudas, se comparando, outro ponto positivo do roteiro que trata a Lince Negra como o que ela é: Uma adolescente.


A edição Excalibur lançada pela Panini em 2015 reúne as edições originais Excalibur Special 1, Excalibur de #1 a #5, e com um bom garimpo por aí ainda pode ser encontrada. Vale muito a pena para quem é fã dos personagens, ou para quem é fã do Claremont ou para quem é fã do Alan Davis, mas acima de tudo, vale a pena para quem curte uma boa história cheia de ação e bom humor despretensioso.



P.S. - A gente bate bastante na Panini devido os MUITOS deslizes que a editora dá com relação a tradução, revisão e a edição propriamente dita, mas em Excalibur dá pra se dizer que o trabalho foi 90% caprichado. Tanto as adaptações do texto para os dias atuais (que convenhamos é dos anos 80! Tem mais de 30 anos essa porra!) quanto o encaixe do que é falado com o que está acontecendo foram muito bem trabalhados. Nem dá pra perceber que estamos lendo um material tão antigo... 

Tava tudo indo muito bem, até que o revisor da Panini me deixa passar um LARGATO na tradução! 



NAMASTE!                                                                                                          

31 de agosto de 2019

Crítica – Era Uma vez em Hollywood


Em 1969 o autointitulado “guru” Charles Manson protagonizou um dos capítulos mais aterrorizantes de Hollywood ao encomendar o assassinato da atriz Sharon Tate e seus amigos em uma residência da Cielo Drive. Atrás de uma fama que não conseguia e com a ideia fixa de que ele era a reencarnação de Jesus Cristo, Manson e seus seguidores iniciaram uma cruzada racista e preconceituosa em Los Angeles, cidade para o qual ele se mudou em busca de seu sonho de se tornar um músico tão bem-sucedido quanto John Lennon, seu ídolo. Rejeitado por vários produtores musicais devido a qualidade duvidosa de sua “obra”, o guru com suas alucinações decidiu se vingar, o que acabou levando seu bando ao endereço na Califórnia, onde Sharon Tate morava com o marido cineasta Roman Polanski

Tate havia participado de diversos filmes como “Olho do Diabo” (1966), “A Dança dos Vampiros” (1967) e “O Vale das Bonecas” (1968), e estava grávida de oito meses quando foi brutalmente esfaqueada e morta em sua casa. Levou-se muito tempo para que as investigações da Polícia ligassem o crime chocante a Manson e a seu culto, mas ele e seu bando (em sua maioria mulheres) foram levados à justiça. Os hippies seguidores de Manson moravam no Rancho Spahn e se alimentavam de restos das lixeiras enquanto perambulavam pela cidade em busca de mais seguidores para a seita. O Rancho anteriormente era usado como set de gravação de filmes de faroeste, e quando foi abandonado, serviu perfeitamente para os planos de Charles de aterrorizar Hollywood.

Essa é a realidade dos fatos.

Era Uma Vez em... Hollywood é uma história fictícia que insere os personagens Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt) em meio aos acontecimentos reais do trágico ano de 1969, mas não deixa de prestar uma homenagem à indústria cinematográfica norte-americana da época. 

No final da década de 60 os filmes de faroeste em preto e branco começavam a dar lugar a outros gêneros como comédias e espionagem, e o enredo principal é focado em Rick Dalton, um ator cuja carreira está em franca decadência enquanto ele envelhece e não consegue mais papeis de destaque. Ao lado do inseparável amigo Cliff, que é seu dublê e “faz-tudo” na casa onde ele mora em Cielo Drive, Dalton conhece o produtor Marvin Schwarz (Al Pacino) que o faz enxergar que sua carreira como vilão de bang-bang está perto do fim em Hollywood, e que seu destino é mesmo estrelar os "faroestes spaghetti" na Itália. 


Apesar de abalado com a possibilidade de ter que se mudar para salvar a carreira, Dalton continua cumprindo seus compromissos com os seriados de TV americanos em papeis menores, enquanto Cliff, ex-boina verde e acusado de ter assassinado a própria esposa, está em busca de emprego. A casa onde Dalton mora é vizinha da de Sharon Tate (Margot Robbie) e Polanski (Rafal Zawierucha) na Cielo Drive, mas não há interação entre os personagens quase até o final do filme, o que causa uma certa apreensão no espectador que conhece a história trágica do casal.


O ritmo que Quentin Tarantino impõe a seu nono filme (lembrando que ele diz que vai se aposentar depois do décimo!) é levemente diferente dos outros, o que denota um amadurecimento em sua forma de contar uma história. O roteiro de Era Uma Vez... é nitidamente uma homenagem ao cinema que ele cresceu assistindo – Tarantino nasceu em 1963 – e além das projeções que são exibidas o tempo todo, seja na tela do cinema visitado por Sharon Tate ou nas telinhas da TV, as cenas exalam Western e todo aquele clima glamouroso que gira em torno de Hollywood, algo que Charles Manson e seu bando tentaram perverter.


Apesar disso, esse novo ritmo imposto pelo diretor é bem lento e causa uma certa ansiedade, já que temos uma ideia do que ele quer contar, mas não vemos nem sombra disso na linha principal do roteiro. 

Damon Herriman e Al Pacino
Nós vemos Charles Manson - vivido pelo ator Damon Herriman e em dose dupla, porque o ator faz o mesmo papel na segunda temporada de Mindhunter - uma única vez nos portões da Cielo Drive, depois ele é citado muitas vezes já no Rancho Spahn, quando Cliff dá uma carona para “Pussycat” (Margaret Qualley), nós vemos os hippies da seita de Manson perambulando para lá e para cá, nós vemos Sharon Tate aproveitando sua quase-fama e curtindo com os amigos (inclusive dentro da Mansão da Playboy), e nós somos distraídos pelas desventuras de Dalton e Booth enquanto isso. Por duas looongas horas.

É como se estivéssemos esperando o tempo todo o desfecho do filme, esquecendo de curtir os pormenores, marca indelével de Tarantino atrás das câmeras. Todos os detalhes estão lá: Close em pés femininos (paixão do diretor), silêncios onde podemos apreciar as expressões de um ator em sua atuação, as músicas muito bem encaixadas (e subitamente interrompidas também), muitas cenas a bordo de veículos, onde pegamos uma carona com o motorista no banco de trás, e claro, violência desenfreada!


O elenco de Era Uma Vez em... Hollywood é bem extenso e variado. As figurinhas carimbadas nos filmes de Tarantino estão lá novamente, como Michael Madsen, Zoë Bell (a dublê de Uma Thurman em Kill Bill) e Kurt Russel fazendo papeis menores, mas o roteiro dá espaço para todos eles. O veterano Bruce Dern brilha como o frágil e cego George Spahn, dono do Rancho e antigo conhecido de Booth nos tempos de dublê; Emile Hirsch vive Jay Sebring, o melhor amigo do casal Polanski (que na história real acaba sendo assassinado com Sharon); Ganha destaque ainda a ex-atriz-mirim Dakota Fanning como Lynette, a amante de George Spahn, Damian Lewis como Steve McQueen e Maya Hawke (a Robin da terceira temporada de Stranger Things), filha de Uma Thurman e Ethan Hawke, que faz uma das hippies que moram no Rancho (especificamente a que diz que esqueceu a faca no carro e se manda!).

Emile Hirsch e Dakota Fanning

Quem rouba mesmo a cena, atuando ao lado de Leonardo DiCaprio, enquanto seu personagem aguarda para filmar a série de TV que co-protagoniza, é a pequena Julia Butters de 10 anos. Com um diálogo firme e consistente, ela impressiona, dando vida a uma jovem atriz-mirim que não gosta de sair do personagem enquanto está no set. As cenas em que ela e DiCaprio atuam juntos chegam a ser engraçadas, e a pequena dá conta do recado, entregando muito bem seu texto. Metalinguagem pura... Uma atriz mirim que interpreta uma atriz-mirim que não gosta de sair do personagem... Vixe!
Julia Butters em cena com DiCaprio

Outro destaque do filme é a atriz Margaret Qualley que com sua Pussycat, uma das ripongas juvenis de Manson, não se envergonha em se insinuar para Cliff, que a leva até o Rancho no carro de seu amigo e chefe. Vale lembrar que a personagem de Qualley representa a liberdade sexual que a comunidade de Manson pregava, onde todos transavam com todos em Spahn enquanto bebiam e se drogavam, e isso acabou sendo comprovado nos depoimentos reais dados pelas representantes da seita de Manson quando estas foram presas pelo assassinato de Sharon Tate. 


Não devo ser o único espectador que sai de casa para ver o novo filme de Quentin Tarantino independente da história ou de quem está protagonizando, mas por se tratar de um roteiro fictício que se passa em meio a fatos, tem certos elementos que esperamos que aconteça na tela e é aí que o diretor de 56 anos surpreende, levando o enredo para um caminho completamente inesperado. Lembra o que aconteceu com Hitler ao final de Bastardos Inglórios (2009)? É mais ou menos por aí que a coisa anda em Era Uma Vez em... Hollywood, e isso não enfraquece o filme, que como o próprio título insinua, é um faz de conta

Tarantino prova que ainda está em forma depois de algumas décadas por trás das câmeras. A sequência final da invasão dos hippies ao endereço da Cielo Drive e tudo que acontece entre eles e os personagens de Pitt e DiCaprio chega a ser revigorante, premiando o espectador por ter esperado todo aquele tempo pelo rompante de violência tão característico na filmografia do diretor. 

Enquanto os personagens fictícios ganham até certa relevância com o roteiro, falta mais profundidade à Sharon Tate de Margot Robbie. 

Ela passa um ar de inocência e doçura com sua interpretação – Tirando ainda o fato de que Robbie é linda que dói – mas a personagem mais parece um bibelô de luxo no filme do que alguém realmente importante e profundo. 

Uma das críticas ao filme, aliás, é a forma superficial com que Tarantino (que também escreve a história) trata as mulheres no filme, a famosa “objetificação feminina” (com closes em bundas e pernas). Para quem conhece o estilo “tarantinesco”, porém, não é uma grande surpresa e não chega a ofender. Vale lembrar que o cara deu não só um, mas DOIS filmes dedicados a uma das personagens femininas mais badass motherfucker do cinema: Beatrix Kiddo de Kill Bill. E isso fala por si próprio sobre a superficialidade de suas personagens femininas. 


Só lamentei não ter tantas referências cinematográficas para curtir plenamente as homenagens que Tarantino faz ao longo de Era Uma Vez... Além dos filmes, muitos atores, atrizes e diretores são lembrados, e a relação de elenco mostra muitos “easter-eggs” desse tipo, dos quais deixei passar muitos. 
Uma das sequências que mais me empolgaram no trailer foi a que Brad Pitt enfrenta o próprio Bruce Lee (interpretado por Mike Moh), mas no filme serve apenas como uma piada em que Cliff Booth se imagina de volta ao set de filmagens, caindo na porrada com Lee e VENCENDO! Toda a forma arrogante com que Lee é representado no filme parece bem desrespeitoso, e isso repercutiu negativamente com os familiares do ator chinês e seus amigos. 

Em meus devaneios, por algum instante vendo esse trailer outrora, eu achei que Tarantino tinha usado imagens reais de Bruce Lee e inserido Brad Pitt na cena, mais ou menos como aconteceu em Forrest Gump, onde Tom Hanks acaba colocado em vários momentos famosos da história americana... Mas não foi bem assim que aconteceu.

Perto de Os Oito Odiados (filme que caracterizo como o mais fraco da carreira de Tarantino), Era Uma Vez em... Hollywood é uma obra de arte. Tem alguns problemas de ritmo, cria expectativas que não são saciadas, demora para engrenar, mas entrega um enredo muito bom de ser assistido e apreciado, no melhor estilo Quentin Tarantino, que continua sendo para poucos.

NOTA: 8,5

Há muito tempo numa galáxia muito, muito distante eu escrevi sobre Django - Livre aqui:


Kill Bill (Vol. 1 e Vol. 2) aqui:


E um Top 10 Trilha Sonora de Tarantino aqui:


P.S.  - Pela primeira vez NA VIDA Brad Pitt está começando a aparentar a idade que tem, e a carinha de neném característica já não consegue mais ser vista embaixo das rugas que abundam em seu rosto... Mas olha o físico desse filho da mãe! O cara tem 55 anos com corpinho de 25. É muita humilhação para nós pobres mortais! 


NAMASTE!

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