30 de novembro de 2019

Bastidores de O Crime da Rapieira


Eu ainda estava no Ensino Fundamental quando começou minha paixão pelo gênero romance policial. Minha irmã mais velha tinha em casa um livro chamado "Enigma na Televisão" de Marcos Rey e foi com esse título - da maravilhosa série Vaga-Lume da Editora Ática - que comecei a me interessar por esse tipo de literatura. Algum tempo depois, descobri que a pequena biblioteca da escola tinha outros volumes desse mesmo autor e me lembro que viciei em sua forma de contar as histórias policiais, sempre colocando muita ação e aventura em seu texto. Era meu tipo preferido de leitura.


Marcos Rey o Enigma na Televisão


Hoje eu sei que Marcos Rey influenciou MUITO do que escrevo desde a adolescência, e O Crime da Rapieira é meio que uma homenagem a esse período tão saudoso de minha vida, em que eu estava descobrindo o fantástico mundo da leitura. 

O Crime da Rapieira

Eu devo ter uns cinco ou seis roteiros inacabados na gaveta. Alguns deles devem estar completando aniversário de 10 anos inclusive, mas por alguma razão O Crime da Rapieira acabou furando a fila de "publicação" e ganhou um começo, meio e fim antes de seus irmãos mais velhos. Uma das minhas características mais básicas - de acordo com a astrologia - é que eu não consigo deixar coisas inacabadas, mas se alguém pudesse vasculhar meus HDs, pastas e cadernos, veria que isso é uma mentira bem absurda. O que mais tenho nas gavetas é textos nunca finalizados, e eu não saberia dizer a razão específica para que isso acabe acontecendo. Mas vamos nos concentrar aqui no conto atual.


Eu tive a ideia para o conto O Crime da Rapieira enquanto estava a caminho de uma assistência técnica em Jundiaí. Nada de bar, casa de prostituição ou sei lá onde mais os grandes escritores - hall onde não me encaixo, claro! - têm suas grandes inspirações. Meu home theater começou a apresentar problemas técnicos e isso me obrigou a procurar uma assistência. Eu estava no banco de trás do UBER quando passei em frente a uma loja de fantasias e a ideia veio como um estalo. "E se eu escrevesse um conto sobre um crime que acontece em uma festa à fantasia?". A primeira linha de roteiro surgiu assim mesmo como estou descrevendo... Do nada. Eu poderia mentir, dizer que eu estava em um bar, fumando um Dunhill enquanto o copo de uísque me encarava do balcão. Que a fumaça do cigarro me trouxe ideias sobre o conto e que comecei a rascunhá-las em um guardanapo... Mas nada disso combinaria comigo. Eu não fumo. Eu não bebo. Não frequento bares. Escrever em guardanapos é uma bosta! A caneta sempre rasga o papel! Por isso, voltemos à realidade. 



Ainda no carro, eu pensei o plot principal do conto, que seria a confusão causada por dois convidados da festa que vestiam a mesma fantasia. BINGO! Eu tinha a ideia principal. Agora vinha a parte mais difícil: Escrever! 


Aqui no Blog eu passei os últimos 9 anos criticando muitos escritores, roteiristas, desenhistas e criadores de um modo geral. Quando estamos do lado de cá, é bem fácil até "meter o pau" em algo que consideramos aquém de nossas expectativas, algo que não atendeu aquilo que esperávamos ser o certo - como se essa ideia de certo e errado se aplicasse na arte! -, por isso, como espectador, eu me dei ao luxo de criticar várias obras cinematográficas, televisivas ou literárias em meus posts, o que me colocou numa posição muito confortável, como aquele crítico esnobe e babaca que de trás de seu monóculo se acha acima do bem e do mal, e que por causa disso, se dá ao direito de julgar o que é feito por outrem. Mas aí o calo sempre aperta quando estamos do lado de lá. O lado do criador. 



Quando decidi escrever OCR eu não tinha muito a ideia de que seria tão complicado amarrar as pontas quando o texto estivesse sendo finalizado. O que era para ter no máximo 5 capítulos acabou com 14 devido a forma como fui achando mais pontas soltas enquanto amarrava outras. Eu nunca tinha organizado as ideias à caneta, num caderno, antes de começar a escrever qualquer coisa no computador, mas dessa vez achei importante, já que eu estava querendo contar uma história de crime que precisava manter o leitor interessado. A solução do crime não podia ser tão óbvia ou tão simples de ser descoberta se eu quisesse no mínimo chamar a atenção para meu conto. Além disso, eu precisava seguir fiel a minha ideia inicial de causar a confusão nos leitores de quem afinal tinha matado a vítima. 



Ao longo do texto, eu descobri que não é tão simples assim escrever sobre crimes e investigações policiais, ainda mais se o objetivo principal é manter um mistério de "quem matou fulano", como acontece muito nas novelas noturnas da TV. Escritores como Agatha Christie, Sidney Sheldon e claro, o mestre Arthur Conan Doyle são reconhecidos até hoje por sua habilidade IMPAR de fazer esse tipo de coisa por páginas e mais páginas de incontáveis livros, mas eu, um simples aspirante a escritor de contos, não tenho toda essa habilidade. 

Outro desafio importante em OCR foi o de se fazer uma investigação criminal com o acesso tão fácil de informações proporcionado pela internet nos dias de hoje. Vocês já pensaram em como deve ser difícil para os investigadores manter as informações de crimes sigilosas em um cenário, sendo que em todo lugar tem uma câmera apontada para você e que todo mundo tem um celular na mão? Parte da história fala sobre isso, em como um jornalista pode conseguir facilmente informações usando apenas as redes sociais, arquivos de câmeras de segurança ou o próprio celular. 



As duas personagens principais de meu conto são estudantes de jornalismo que acabam sendo jogadas bem no meio de uma cena de crime, e juntas elas mergulham de cabeça na investigação, passando muitas vezes por cima da autoridade da Polícia até solucionar o caso. Eu quis que tudo funcionasse o mais realista possível, por isso precisei fazer muita pesquisa sobre investigação criminal, sobre Polícia Civil, Polícia Militar e até mesmo com o modus operandi de um jornalista nos dias de hoje.



Embora tenha sido um trabalho árduo de alguns meses, foi bem gratificante escrever O Crime da Rapieira, e espero que cause a sensação que eu quis imprimir no texto, aquela da leitura leve e instigante da época da coleção Vaga-Lume. 

O conto pode ser lido na plataforma Wattpad, onde já publiquei mais três textos, entre eles A Salvação, o western A Vida e a Sorte de John Stone e Pássaro Noturno - Origens, sobre o meu primeiro super-herói brasileiro da Legião Nacional

Abaixo, uma degustação do primeiro capítulo de OCR:

O CRIME DA RAPIEIRA
“Segundo dia”
Sexta-Feira

Aquela tarde não podia estar mais agitada no 14º DP de Pinheiros. O delegado Marcondes de Sá acomodava o corpanzil em sua cadeira quando viu as novas testemunhas adentrarem sua sala. O investigador Noronha os acompanhou até a mesa, esperou que se sentassem e em seguida saiu, ajeitando o aviador acima do nariz. Marcondes viu à sua frente um senhor grisalho aparentando uns quarenta e poucos anos. Estava muito bem trajado de terno Armani preto, camisa Hugo Boss branca e sem gravata. Seu olhar incisivo marcava o rosto ovalado. Seus olhos verdes pareciam escanear cada centímetro quadrado da mesa, onde pilhas indisciplinadas de relatórios brigavam por espaço com um porta-retratos velho, uma luminária, um telefone sem fio e uma caneca fumegante de café. Ao lado do homem estava uma moça caucasiana de cabelos castanhos e olheiras evidentes no rosto enrubescido. Seu tronco e seus membros tremiam quase como se ela não os pudesse conter.
- A moça aceita uma água?
Ela assustou-se com o tom de voz ríspido do delegado. Seus olhos não o encararam um só momento desde que havia se sentado diante dele na mesa. Um ventilador barulhento movimentava-se acima de suas cabeças.
- Minha filha está sob forte estresse. – Falou o homem de cabelos grisalhos, envolvendo os ombros da garota - Tivemos que medicá-la com um calmante para trazê-la aqui. Se o senhor puder ser breve com o depoimento todos nós agradeceremos.
- Farei o possível. – Respondeu Marcondes, com tom irônico. – O senhor deve ser Marco Aurélio Telles de Mendonça, pai da senhorita Regiane Telles de Mendonça. – E indicou a moça ao lado dele, no que o homem assentiu. – Sua filha estava presente na cena de um crime que aconteceu em sua residência ontem à noite por volta das 22:00 horas. Onde o senhor e sua esposa estavam nesse horário?
Marco soltou a filha brevemente e voltou-se para o delegado à sua frente:
- Eu estava em um jantar de negócios próximo ao Trianon-MASP. Tínhamos uma reserva em um hotel da região e passaríamos a noite lá. Voltamos imediatamente quando Regiane nos ligou desesperada.
- Entendo. – Suspirou. - O senhor estava ciente que sua filha daria uma festa em sua casa no mesmo horário?
- Sim, estava. Ela pediu autorização uma semana antes e minha esposa e eu concedemos.
- A ideia do open-bar foi dela?
- Sim. Ela já é maior de idade não vi problema em autorizar uma festa com bebida liberada. Minha única ressalva foi com relação a mobília da casa. Não queria ver nada quebrado ou fora do lugar no dia seguinte. – E mais uma vez os olhos de Marco pareceram condenar a bagunça sobre a mesa do delegado, que não se importou.
- Sua casa costuma ter um segurança particular 24 horas por dia. Onde ele estava no momento da festa?
- Seguindo ordens de Regiane, ele ficou de prontidão dentro da sala de controle, vigiando as câmeras pelas telas de monitoramento. A sala fica próximo da entrada principal e ele foi para lá para ficar de olho caso acontecesse algum acidente.
- O que acabou não resolvendo muito! – Ironizou o delegado.
Em seguida o homem buscou pacientemente um envelope pardo na gaveta à sua direita e o pousou sobre a superfície de mogno. Deu um gole no café que cheirava bem, pousou a caneca estampada com o símbolo da Polícia Civil sobre um papel manchado, abriu o envelope e tirou de dentro algumas fotografias. Naquele momento, uma batida na porta anunciou a chegada de um estagiário administrativo da Polícia ao depoimento. Tão logo o rapaz magro, de roupas amarfanhadas tomou seu lugar diante de um computador no canto da sala, a voz de Marcondes fez-se ouvir novamente:
- Agora que meu estagiário retornou do café, podemos dar início ao depoimento da senhorita Regiane. – Ele apanhou as fotos e escolheu uma, colocando-a sobre a mesa, à vista da garota. – Você reconhece a pessoa da foto?
Um rapaz caucasiano de olhos estáticos, barba por fazer e rosto pálido aparecia na foto. Ele estava no chão da despensa onde um dos empregados da festa da noite anterior tinham-no encontrado caído, morto.
- Conheço... Conheço sim! – Regiane deu uma olhada breve na foto, mas aquilo bastou para reconhecê-lo.
- Ele era um dos convidados da sua festa? – Marcondes retirava da mesma gaveta uma lista de nomes digitados com várias anotações de caneta vermelha por cima. – Como ele se chamava?
- Jonathan. Jonathan Braga. E sim, eu o convidei para a festa. – Sua voz era trêmula. Deu outra olhada na pele esbranquiçada de Jonathan ali na foto. Seu coração acelerou dentro do peito.
- A festa era à fantasia, correto? – Marcondes dava uma olhada na lista que tinha em mãos, procurando algo. – Aqui diz que o rapaz Jonathan estava fantasiado de havaiano. É possível confirmar isso com esta outra foto. – E Marcondes pegou de baixo da pilha de fotos diante de Regiane uma que mostrava o rapaz morto de corpo inteiro, largado no chão com uma perfuração no plexo. – O investigador Noronha, que foi até a sua casa pela madrugada, relatou que foi você mesma quem entregou a ele a lista de convidados da festa, mas que não sabia com detalhes quem estava fantasiado de que. Está correto?
Ela anuiu, olhando para o próprio colo.
- O investigador Noronha também relatou que oficialmente a festa era para 50 convidados, mas que tinha uma média de 80 pessoas na casa na hora do crime. A senhorita confirma?
Novamente Regiane anuiu, mordiscando o lábio inferior e apertando forte as mãos entrelaçadas sobre o colo.
- Isso nos dá uma média de umas trinta pessoas aproximadamente que esta lista aqui não identifica. – E Marcondes levantou o papel com os 50 convidados oficiais digitados com o tipo de fantasia que usavam e as características físicas, idade e curso da faculdade riscadas de caneta vermelha por cima. – O Noronha tentou fazer um levantamento das pessoas que você relatou como convidados oficiais. Todo mundo nessa lista já foi intimado a depor, mas faltam 30 nomes. A senhorita conseguiria lembrar de cabeça quem eram essas pessoas?
Marco Aurélio incomodou-se com a pergunta do delegado e subiu o tom:
- Isso é absurdo! Ninguém se lembraria de cabeça de 30 pessoas andando para lá e para cá dentro da própria casa. Em condições normais minha filha não seria capaz de lembrar, imagine à base de remédio e em estado de choque pela morte do amigo!
- Entendo sua preocupação, senhor, mas eu preciso fazer esse tipo de pergunta. – Irritou-se Marcondes - Houve um assassinato nas dependências da sua casa. Havia cerca de 80 pessoas lá dentro no momento do crime e 30 delas não foram identificadas. Ou eu tento afunilar essa lista o mais breve possível ou teremos um crime sem solução na mesa. Qual o senhor prefere?
O homem sentiu-se acuado.
- Volto a perguntar. Há alguma chance de a senhorita lembrar quem eram essas 30 pessoas que não tinham sido listadas previamente?
Regiane limpou as lágrimas que rolavam de seus olhos discretamente com os polegares. Em seguida balançou a cabeça negativamente.
- Antes de você, colhemos o depoimento do DJ, dos quatro garçons, dos bartenders, da recepcionista da festa e de seu assistente pessoal. Todos foram contratados pela mesma agência de eventos e todos negaram qualquer participação no crime, exceto o rapaz que encontrou o corpo de Jonathan Braga na despensa. O que ele estava fazendo próximo à cozinha nessa hora? – O estagiário digitava em seu teclado palavra por palavra do depoimento, registrando-o. Os olhos de Marcondes fixaram-se contemplativos no rosto avermelhado da menina.
- Não sei bem. A Ju me contou...
- “Ju”? Que “Ju”? – Interrompeu Marcondes.
- A Ju... Juliana, a hostess... Que estava encarregada da recepção... Ela me contou depois que o garçom tinha ido buscar mais gelo para as bebidas e que ela mesma pediu para que ele fosse buscar na despensa, ao lado da cozinha.
- Antes disso, onde ele estava?
- Não sei dizer. Eu estava dançando com meus amigos no jardim da casa a essa hora. O garçom saiu de dentro da casa e foi logo falar para a Ju... Juliana... Que tinha encontrado o John... – Ela desabou a chorar novamente.
As perguntas eram apenas para comparar com aquilo que o próprio garçom e a hostess já tinham contado a ele em depoimento mais cedo. Até aquele momento, Marcondes não tinha encontrado nenhuma incongruência no caso, comparando tudo que já tinha sido dito. O delegado permitiu uma pausa até que Regiane se acalmasse. Vinte minutos o interrogatório recomeçou.
- Preciso que se concentre na imagem que vou lhe mostrar, Regiane.
Ela anuiu e o aguardou encontrar a foto em meio à pilha.
- O que você está vendo aqui? – Ele dedilhou com seu indicador levemente a foto sobre a mesa.
- Uma... Uma espada suja de sangue?
Ela não sabia dizer ao certo.
- Essa é a arma usada no crime. Você sabe quem entrou na casa com essa espada?
Regiane segurou a foto em suas mãos e o papel tremulava. Enquanto ela analisava a imagem da lâmina prateada embebida em sangue, Marcondes dirigiu outra questão a seu pai:
- O senhor guardava alguma arma branca desse tipo dentro de casa?
- Não. – Ele fora enfático - A única arma que guardo em casa é uma pistola Glock 9mm, mas está bem escondida em meu cofre, em meu escritório no segundo andar.
Marcondes anotou em um bloco a informação. Em seguida seus olhos voltaram para Regiane.
- E então?
- Não tenho certeza.
Marcondes a sentiu insegura, e então colocou a lista dos nomes dos presentes sobre a mesa.
- Seu pai acabou de confirmar que não havia nenhum tipo de arma branca parecida com a da foto dentro de casa, logo, podemos supor que a arma foi trazida por um dos convidados. Quem poderia ter entrado com esse objeto na festa e perambulado com ele por lá antes de desferir o golpe fatal em Jonathan?
O silêncio na sala só era quebrado pelo girar ruidoso das pás do ventilador de teto e das teclas digitadas pelo estagiário. Os olhos de Regiane agora percorriam a lista de nomes e as marcações em vermelho feitas pelo investigador Noronha na madrugada após o crime. A garota lia nome por nome observando as anotações. Sua mente trabalhava o mais rápido que conseguia, tentando vencer a sonolência causada pelo calmante. Ela tentava relacionar os trajes com a arma do crime. Nenhuma fantasia deveria ter uma espada como adorno. Nenhuma, exceto a do Zorro.


Votem no conto e comentem o que acharam lá no Wattpad. A opinião de vocês é sempre importante! 



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NAMASTE!   

23 de outubro de 2019

Pássaro Noturno - Os Bastidores



PREFÁCIO

Eu tinha seis anos de idade quando BATMAN estreou nos cinemas com seu visual gótico e sombrio na tela. O filme era uma reinterpretação cinematográfica de um personagem que já estava por aí há uns bons cinquenta anos povoando o imaginário das pessoas, e que curiosamente, também tinha sido baseado em outro personagem icônico dos quadrinhos: Lamont Cranston, O Sombra. Sem grana para ver nos cinemas ou sequer idade para isso – embora eu ache que não haja idade para se visitar um cinema! – eu só fui ver Batman na TV alguns anos depois, o que me impactou profundamente. A percepção sobre aquele Homem-Morcego azul e cinza do seriado antigo dos anos 60 tinha se alterado completamente em minha cabeça, e aquilo já me parecia bobo e infantil. O Batman desenvolvido pelo cineasta Tim Burton agora era meu preferido, o meu suprassumo dos personagens sem grandes poderes especiais. 

Leitor assíduo de histórias em quadrinhos desde a infância, eu tinha a mente povoada por essas criaturas fantásticas que saltavam de prédios, quebravam paredes e disparavam rajadas de energia, o que me levou desde muito cedo a querer fazer parte daquele universo, a dar vida a personagens tão espetaculares quanto os dos gibis. Embora minha habilidade em desenhar na época fosse bem limitada, eu comecei a criar minhas próprias histórias com versões “juniores” dos heróis Marvel e DC, produzindo pilhas e mais pilhas de gibis artesanais feitos à lápis em papel sulfite. Aquele era meu passatempo preferido.

Com o tempo, copiar personagens alheios e criar fanfics para eles não me satisfazia mais, o que me fez querer criar meu próprio universo de super-heróis. Eu nunca havia tido problemas com sono desde criança, e embora aquilo não pudesse ser chamado de insônia, eu passei muitas noites acordado imaginando aventuras protagonizadas por um certo herói encapuzado vestindo preto e que combatia o crime em sua cidade corrupta.

O que? Acha que estou falando do Batman? Não, não. Estou falando do Pássaro Noturno.
Eu tinha exatos doze anos quando criei o Pássaro Noturno, e hoje é engraçado perceber o quanto de mim existe nesse personagem. Antes de desenvolver a sua “forma”, eu criei seu nome para ser usado por outro personagem que era “interpretado” por mim mesmo nas brincadeiras de lutinha que fazia com minha irmã mais nova em nossa infância. Quando li as primeiras aventuras do Asa Noturna nas antigas revistas dos Novos Titãs, publicadas no Brasil pela Editora Abril, eu lembro que fiquei vidrado com o personagem. Ele não era mais o Robin, não usava sunguinha verde e nem botinhas de duende. Agora ele usava uma roupa maneira – Na época eu achava – era acrobático, dava saltos incríveis, combatia os vilões só com suas habilidades de luta e com armas de arremesso. Eu queria ser igual ele!

Para minhas brincadeiras eu cheguei a confeccionar uma máscara feita de cartolina, baseada na do Asa Noturna, um bastão curto de madeira – do tipo que o Demolidor da Marvel também usava – e improvisei um disco para arremessar com a tampa perfurada de um chuveiro velho. Embora fosse eu ali “fantasiado”, em minha cabeça eu havia me tornado um herói, combatendo meus inimigos imaginários com socos e chutes dentro da segunda casa que estava em construção na época em nosso próprio quintal.

Mais tarde eu já não tinha mais idade para me fantasiar e brincar de lutinha no quintal, então reaproveitei o nome de meu personagem baseado no Asa Noturna para batizar aquele que viria a ser o principal cara de uma legião de outros heróis que eu comecei a criar a partir de 1995 com o Pássaro Noturno. Embora as ideias já estivessem na cabeça há mais tempo, só comecei a colocá-las no papel – literalmente no papel, em vários cadernos meus – a partir dos anos 2000. Usei muito do tempo ocioso que eu tinha antes da escola para contar algumas aventuras do Pássaro Noturno, e a primeira história que decidi contar levava nosso herói para um universo paralelo, onde seus colegas de escola eram versões medievais de si mesmos e não faziam ideia de quem ele era. Me lembro bem que levei alguns meses para conseguir terminar esse “livro” – todo manuscrito, só como observação – porque nesse ínterim eu acabei cortando meu braço esquerdo num pedaço de vidro e tive que ficar no hospital. Entre uma microcirurgia para reconstituir um nervo, a fisioterapia e a recuperação total levou-se algum tempo, e tive bastante oportunidades de planejar como seria o final de minha história, enquanto me alimentava da comida aguada do hospital. Depois da primeira aventura de Pássaro Noturno – que de certa forma já mostrava o personagem um pouco mais velho – vieram mais duas, uma no espaço – isso mesmo! – e outra para resgatar uma antiga namoradinha da escola de um terrível sequestro. O quarto “livro” não chegou a ser concluído, mas ele levava Henrique de volta ao mundo paralelo da primeira história, fazendo-o se confrontar com as consequências de sua primeira passagem por lá.  

Nas noites em que eu revirava na cama criando as aventuras do Pássaro Noturno, em minha mente, eu basicamente criei todo o histórico dele, desde os equipamentos encontrados no subterrâneo aos aliados e inimigos. A cada noite eu tentava pensar num “capítulo” de incontáveis histórias que ele vivia ao lado dos amigos – Os vilões Edmundo Bispo e Carlos Castellini já infernizavam nosso herói nesse tempo - mas claro que nem tudo funcionava tão linearmente como hoje tento imaginar que era. O Batman de 1989 teve uma influência gigantesca no desenvolvimento do Pássaro Noturno, em especial no uniforme e nos gadgets que ele usava, mas a história era completamente diferente. O Henrique Harone não era um órfão bilionário que combatia o crime como uma forma de honrar a memória dos pais assassinados brutalmente. Ele vivia feliz com sua mãe e seus irmãos na casa de subúrbio na cidade de São Francisco D’Oeste, e seu grande desafio diário era sobreviver à adolescência na escola onde ele estudava, e onde ele era perseguido por um grupo de garotos que simplesmente não iam com a sua cara e com a de seus dois melhores amigos, Ricardo e Antonio – Baseados livremente em meus dois amigos da sexta série, Rodrigo Costa e Antonio Rodrigues. O combate ao crime foi uma decisão sua, quando ele viu que a realidade a seu redor era bem mais cruel do que ele supunha e que ele tinha meios de fazer aquilo com os aparatos tecnológicos que havia descoberto por acaso embaixo da sua casa.

A história de Henrique Harone não começa glamorosa ou com requintes de mistério como a da maioria dos super-heróis que conhecemos, mas ela vai ganhando novos tons de cinza à medida que ele mesmo compreende que a vida não é um quadro pintado só com preto e com branco. A saga de Pássaro Noturno é sobre um garoto que aprende a fazer o bem para as outras pessoas durante a sua experiência de vida, e que encara essa importante lição como um farol de esperança. A história fala sobre crescimento, sobre luta e principalmente sobre amadurecimento, exatamente como a nossa vida funciona... Só que sem equipamentos tecnológicos para deixar tudo um pouco mais simples!
A ideia é acompanhar nosso herói a cada ano de sua evolução até entender o que fez com que ele se tornasse o personagem grandioso que inspirou seus colegas super-heróis na Legião Nacional, e o que o transformou em uma lenda.

Abraços carinhosos e Namaste!
Rod Rodman
    

O projeto Pássaro Noturno vai completar 25 anos em 2020, mas é a primeira vez que ele ganha a luz do sol e vem à público. Embora eu quisesse torná-lo conhecido em algum momento, haviam alguns empecilhos para que eu tomasse coragem de apresentá-lo ao mundo, entre eles a falta de motivação, a falta de incentivo e principalmente um bloqueio criativo que me segurou por anos para completar uma história de origem. Todo seu histórico sempre estivera em minha cabeça, mas não seria certo publicar os textos em que ele aparece mais velho, mais experiente no combate ao crime sem que as pessoas soubessem de onde ele vinha. Pássaro Noturno – Origens demorou para ser desenvolvido porque eu precisava arranjar um meio de mostrar o começo de sua história sem bagunçar aquilo que já tinha sido escrito. Claro que minhas ideias tinham mudado bastante desde que eu revirava na cama apenas imaginando suas aventuras sem colocar nada no papel, e foi mais difícil do que eu imaginava sintetizar o que eu queria mostrar para as pessoas em um conto curto de trinta e poucas páginas – Um dos livros em que Pássaro Noturno aparece ao lado de outros heróis brasileiros tem quase 400 páginas! -, eu tenho uma certa dificuldade em escrever pouco!



Ao longo dos anos a aparência do Pássaro Noturno também mudou bastante. Como no princípio ele existia mais em minha imaginação do que fisicamente, era possível fazer experimentações em seu uniforme, o que gerou uma quantidade bem grande de versões do personagem. Embora ele tivesse sido baseado no Batman do Tim Burton, eu queria me afastar do herói da DC e criar algo mais único, algo mais brasileiro. Ainda nos anos 90 eu tinha feito um gibi com ele e seus aliados, e por muito tempo aqueles rabiscos foram as únicas amostras do visual do personagem. 


Alguns testes para o visual

Alguns anos mais tarde, eu criei a Legião Nacional, grupo de super-heróis que inventei no mesmo universo em que vivia o Pássaro Noturno, e com isso passei a rascunhar os uniformes deles, incluindo aí o próprio defensor de São Francisco D’Oeste. Na primeira década dos anos 2000 passei a dar um gás em meu projeto, o que fez com que o Pássaro Noturno ganhasse uma nova forma, além de uma identidade diferente da que eu tinha pensado inicialmente. Nem sempre ele se chamou Henrique Harone.


Eu nunca estive muito bem satisfeito com o visual do Pássaro Noturno, por isso eu estava sempre mudando seu traje. Acrescentei coisas, tirei outras. A roupa estava em constante modificação quase sempre. Mesmo hoje depois de ter decidido qual seria a aparência dele em sua primeira missão, tenho bem claro em minha mente que seu uniforme vai continuar passando por um processo de evolução, sem a obrigação de manter sempre as mesmas características. Como em cada missão ele encontra dificuldades ou necessidades, é comum que ele modifique o traje e a gama de equipamentos para melhor servi-lo. Diferente de seus colegas de Legião Nacional, Henrique não possui poderes especiais, portanto ele precisa se resguardar em campo e se manter vivo, o que vai obrigá-lo a modificar seus gadgets constantemente.


Alguns visuais e as armas do Pássaro Noturno

Tal qual o Batman, Henrique não tem um código moral que o impeça de usar armas de fogo – tanto que a ASA possui armamentos pesados – mas é uma questão de estilo ele preferir armas de arremesso ou de perfuração. No início eu queria que ele só usasse os discos de arremesso que guarda na parte posterior do cinturão, mas depois comecei a incorporar outros itens à medida que as missões exigiam. Hoje além dos discos, sua principal arma de longo alcance, Pássaro Noturno possui bombas de fumaça e de concussão – basicamente esferas pequenas que ele consegue guardar nos bolsos do cinto -, as garras retráteis que servem para perfurar ou desarmar – que se ejetam de seu bracelete – e a sua principal arma que é o Imã, um projetor e atrator de campo magnético que tem várias utilidades, desde repelir alvos metálicos até atraí-los para as mãos de Pássaro. Além disso, a máscara possui lentes infravermelhas, o traje é feito atualmente com um material anti-fogo e a parte interna é revestida por um sistema refrigerado que mantem a temperatura do corpo de Henrique sempre estável, esteja ele num incêndio ou numa nevasca.

O primeiro capítulo da vida desse herói brasileiro já pode ser conferido na plataforma Wattpad. É gratuito, é acessível e todo mundo pode ler. As próximas aventuras já estão em andamento e logo que forem publicadas estarão em minhas redes sociais.


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NAMASTE!      

14 de outubro de 2019

Por Amor



Aiiiiinnn, Rodman! Não acredito! Falando de novela de novo??

Se não está contente com os serviços prestados, pode cancelar a assinatura do Padrim, jovem padawan. Fique à vontade, a porta da rua é serventia da casa PORQUE VAMOS FALAR DE NOVELA!

Eu não lembro onde eu estava ou o que estava fazendo entre 1997 e 1998, anos em que Por Amor foi exibida pela primeira vez no antigo horário das vinte horas na Globo, mas me lembro bem que na época, essa novela já tinha causado MUITO burburinho entre as pessoas. 

Manoel Carlos

Escrita pelo, hoje aposentado (ou na geladeira da Globo, como queiram!), escritor Manoel Carlos e dirigida, entre outros nomes, por Alexandre Avancini, Ary Coslov e Paulo Ubiratan, Por Amor foi um sucesso instantâneo para o horário nobre, trazendo uma trama bem original sobre uma mãe que ao engravidar do marido na mesma época em que a filha, acaba tomando a difícil decisão de trocar os bebês na maternidade, quando o rebento da filha acaba falecendo logo após o nascimento. Ao descobrir que Maria Eduarda (Gabriela Duarte) havia tido complicações no parto e que não poderia mais engravidar, Helena (Regina Duarte) com ajuda do obstetra César (Marcelo Serrado), apaixonado desde a infância por Eduarda, trocam os bebês durante a noite chuvosa, e fazem um pacto de silêncio para que ninguém jamais soubesse a verdade. 

César (Marcelo Serrado) e Helena (Regina Duarte)

A história principal de Por Amor gira em torno da decisão de Helena em dar o próprio filho para que Eduarda não sofra, mas a personagem é julgada pelos telespectadores e também pelos demais personagens que ao longo da história vão descobrindo sobre a troca, até o fim da trama. O “Por Amor” do título é questionado o tempo todo. Afinal, Helena foi egoísta em pensar na filha adulta acima de tudo e nem considerar o sofrimento do marido Atílio (Antonio Fagundes), que sempre quis ter um filho e nunca tinha conseguido? Sua atitude em privar Eduarda de todo tipo de sofrimento e fazer o possível para poupá-la das mazelas da vida adulta é saudável? Todas essas questões são levantadas ao longo dos 190 capítulos dessa que foi uma das novelas mais emocionantes da TV brasileira.


Não há como falar sobre Por Amor e não citar o texto fantástico desse paulista (jurava que ele tinha nascido no Rio e no Leblon!!) de 86 anos chamado Manoel Carlos. Revendo a novela, é bem fácil perceber que havia um “algo mais” nos diálogos entre os personagens, mais até mesmo do que ensinamentos e lições de vida. Até o menor dos personagens ganhava relevância no texto de Maneco, muitas vezes com falas precisas, dizendo aquilo que nós como espectadores queríamos dizer. É muito engraçado comparar o quanto algumas novelas contemporâneas não chegam NEM PERTO de ter algo parecido. Separadas por mais de vinte anos, Por Amor falava mais comigo do que A Dona do Pedaço (escrita por Walcyr Carrasco), novela que, apesar de estar fazendo sucesso, considero repetitiva, com um texto fraco, com diálogos cansativos e soluções de roteiro preguiçosas. Enquanto na novela atual das vinte e uma horas Carrasco insiste em subestimar o telespectador, achando que, por ser um espectador de novela você não tem o direito de questionar NADA, o texto de Manoel Carlos era de uma sensibilidade impecável, dando fluidez a mais de 100 capítulos como se a gente nem sentisse passar, sem tratar a dona de casa (público alvo de novelas) como idiota. É bem claro que as duas tramas não conversam entre si e nem possuem histórias semelhantes, mas a comparação se dá pela época de ambas, e como Por Amor resistiu ao tempo e envelheceu bem, por falar principalmente de personagens, de seres humanos, sentimentos. Quanto tempo A Dona do Pedaço vai resistir na memória do público, com seus furos de roteiro e situações forçadas?

Claro que o texto sensível e primoroso de Maneco de nada ajudaria se não contasse com um elenco de primeira linha interpretando seus personagens, e disso NINGUÉM podia reclamar.

Antonio Fagundes e Regina Duarte

Encabeçando o time de artistas estava Regina Duarte (vivendo a sua segunda Helena de Manoel Carlos), Antonio Fagundes, Suzana Vieira (como a diabólica e egocêntrica Branca), Carlos Eduardo Dolabella (como Arnaldo) e Cassia Kiss (Isabel), todos no auge das carreiras. 

Suzana Vieira, Carlos Eduardo Dolabella e Cássa Kiss

Era impressionante ver esse time em cena e como eles interagiam bem entre si quando seus personagens se encontravam. A conexão entre todos eles era tão bem feita, que a gente conseguia encontrar paralelos na vida real, seja do cara bon vivant e charmoso que conquista quem ele quer, o amor do passado que não é superado nem depois de vinte anos, a mulher possessiva que não sabe se relacionar bem com as pessoas por pensar demais na própria carreira e no bem material ou da romântica que espera reencontrar um novo começo depois de alguns relacionamentos fracassados na vida. Era impossível assistir qualquer capítulo e não sentir uma raiva crescente pela forma grosseira como Branca tratava os filhos Milena (Carolina Ferraz) e Leonardo (Murilo Benício) ou se sentir impassível ante a ousadia com que Isabel se atirava para Atílio, mesmo depois dele casado com Helena. 

Leo (Murilo Benício) e Milena (Carolina Ferraz)

Os relacionamentos eram tão intrincados, que você sentia a tensão entre eles quando eles se encontravam na tela, tudo isso graças ao elenco muito bem escolhido e o excelente material a qual eles davam vida.

O time jovem da novela também não deixava nada a desejar, e tínhamos em cena Gabriela Duarte saindo da sombra de ser somente “a filha da Regina Duarte”, Vivianne Pasmanter causando reações adversas nos espectadores com sua ensandecida e apaixonada Laura, Eduardo Moskovis como o mocinho de bom coração Nando, Marcelo Serrado como o atormentado César e Fábio Assunção (Marcelo), que já era um ator acima da média na época de Por Amor, provando que seu talento cênico nunca podia ter sido subjugado pelos memes em que o reduziram mais recentemente, devido seu problema com alcoolismo.

Fábio Assunção como Marcelo

Em 1998, quando se encerrou Por Amor originalmente, a personagem de Gabriela Duarte era vista como a chatinha insuportável, e realmente eu voltei a assistir a reprise ainda com esse preconceito em mente, algo que foi se esfacelando conforme os capítulos avançavam. 


Nem a atuação de Gabriela e nem seu personagem eram dignos de escárnio do público, o que me deixou em dúvida sobre o que exatamente tinha acontecido na percepção do público na primeira exibição. Dessa vez eu não só peguei um crush imenso nessa mulher, como fiquei do lado de Eduarda o tempo todo, à favor dela com relação as traições de Marcelo e torcendo por ela contra as loucuras da adversária Laura. Gabriela Duarte entregou atuações dignas de prêmios ao longo de Por Amor, seja em cenas que Eduarda precisava mostrar desespero, raiva ou em conversas casuais no sofá da casa da mãe com a empregada Tadinha (Rosane Gofman). Nunca entendi a ojeriza que Eduarda causou na época da novela, mas terminei Por Amor querendo ver mais de Gabriela Duarte em cena (que na época tinha 24 aninhos apenas), em especial porque ela só contracenou com feras, além da própria mãe, e não comprometeu nem um pouco.


Vivianne Pasmanter já tinha vivido outra vilã antes de Laura em outra novela de Manoel Carlos. Como a Débora de Felicidade (1991-1992), ela tinha infernizado a vida de Helena (Maitê Proença) antes de atormentar a pobre Maria Eduarda em Por Amor. A novela começa mostrando o casamento entre Marcelo e Eduarda já em andamento, enquanto Laura passa o tempo todo procurando relembrar os momentos que viveu ao lado do cara na adolescência, quando eram namorados. Entre brigas e desentendimentos épicos (e Manoel Carlos sabe escrever uns barracos históricos!), Laura chegou a levar Marcelo para cama bêbado, quando então conseguiu engravidar dele. Conforme os capítulos avançam, a obsessão de Laura pelo ex-namorado cresce cada dia mais, o que começa a preocupar seus pais Trajano (Ricardo Petraglia) e Meg (Françoise Forton), na iminência dela causar até mesmo uma tragédia. A personagem de Pasmanter é muito bem construída, e é muito difícil não reagir ante a atuação fabulosa da atriz, que ficou marcada como “vilã” nas novelas tanto por Débora quanto por Laura.


Enquanto em casa Marcelo era declaradamente o filho preferido de Branca Letícia de Barros Motta (isso por ela acreditar que o rapaz era filho de Atílio e não Arnaldo), tanto Milena quanto Leonardo precisavam redobrar seus esforços para provar seu valor para a rigorosa mãe, enquanto ela os esculachava e desdenhava. Nesse ínterim, os arranca-rabos entre Milena e Branca eram dignos de aplausos, enquanto as duas atrizes entregavam um ódio quase autêntico diante das câmeras. Outra marca das novelas de Maneco eram as cenas de barraco muito bem escritas, e quando me vem à mente o nome de Carolina Ferraz, é dessas cenas intensas que me lembro. 

Aqueles barracos épicos entre Branca e Milena

Do lado de Leonardo, ficou a parte singela de um “garoto” educado e pacífico que sofria calado com a rejeição da mãe, que não perdia a oportunidade de rebaixá-lo. Era triste ver o quanto Branca espezinhava Leo sem que ele sequer retrucasse, mas deu aquele quentinho no coração quando enfim ele entendeu que a Laura nunca o quis de verdade (após dar-lhe esperanças) e ele acabou conhecendo Catarina (Carolina Dieckmann, no auge de sua beleza, então com 20 aninhos), a suburbana que tinha sonho de ser artista e que era vizinha de prédio de Helena. Ao final da novela, Leo não só descobre que seu verdadeiro pai é o Atílio (para ira da Branca) como também se casa com Cat, dando um neto para o novo pai.

Nando e Milena

Ainda no lado romântico, como não torcer pelo amor entre Milena e o piloto Nando? A química entre Moskovis e Ferraz chegava a exalar da TV, e acho incrível que esse romance não tenha se tornado real após a novela. Na tela, a filha de pais milionários acaba caindo de amores pelo piloto pobretão, e isso causa atritos tanto na família dela quanto na dele. Na casa de Nando, a mãe super-protetora Lídia (Regina Braga) se recusa a aceitar o filho com a moça rica, enquanto cuida da encantadora filhinha Sandrinha (Cecília Dassi) e do marido alcoólatra Orestes (Paulo José), o ex-marido de Helena e pai de Eduarda. Chega a ser irritante a forma como a cabeleireira lida com o relacionamento do filho, se opondo e fazendo de tudo para que ele não dê certo, mas quando Milena fica a seu lado durante a prisão injusta de Nando (acusado de tráfico de drogas por culpa de Branca), a mulher enfim percebe que ela é uma boa moça, e que merece se casar com seu filho. Branca do outro lado, no entanto, jamais se arrepende de seus atos para incriminar o rapaz, e vai ao casamento da filha com Nando, após sua inocência ficar provada, por pura conveniência social.


Eduardo Moskovis veio a se destacar alguns anos mais tarde como o Petruchio de O Cravo e a Rosa (2001), mas em Por Amor ele protagonizou cenas lindas e ternas com a irmãzinha Sandrinha, que era uma verdadeira revelação da TV na época. Cecília Dassi não só era um prodígio nas cenas, entregando o texto com uma facilidade absurda e encantando todo mundo com sua doçura, como também não parecia intimidada em contracenar com atores consagrados como Paulo José o tempo todo. 

Cecília Dassi

A personagem da menina era a única que conseguia transitar entre os núcleos pobres e ricos sem sofrer nenhum tipo de preconceito ou rejeição. Até mesmo a terrível Branca tinha o coração derretido por ela, e como esquecer das cenas lindas em que Sandrinha apoia o pai após suas crises de alcoolismo e fica sempre a seu lado, servindo como um brilho de esperança ao velho professor de matemática aposentado?


Cecilia Dassi se “aposentou” da profissão de atriz algum tempo depois de Por Amor, e hoje ela é uma talentosa psicóloga, cujo trabalho pode ser visto em seu canal no Youtube. É curioso saber que apesar do sucesso da novela, algumas colegas de ofício de Dassi também decidiram abandonar a profissão, como foi o caso de Flávia Bonato (a Drª Anita, concorrente de Eduarda pelo coração de César), a linda atriz (e que voz essa mulher tem, Jesus! Meu segundo crush da novela disparado!) que passou a se dedicar ao papel de apresentadora da Shoptime e que tem seu próprio canal de culinária no Youtube. Outra que também largou mão da carreira de atriz foi Giovanna Gold (a Katia, amiga de Lídia) que atualmente toca um projeto de comida saudável, longe dos holofotes da TV.


A vida também foi boa para Ingrid Guimarães (a Teresa, empregada de Sirléia, vivida por Vera Holtz) e para Mônica Martelli (Paula, secretária da construtora de Arnaldo), ambas em papeis secundários de Por Amor. Na época, as duas ainda não possuíam o mesmo reconhecimento público que possuem hoje, mas é curioso citar que de simples domésticas e secretárias das novelas das oito, as duas hoje protagonizam filmes de sucesso no cinema, como é o caso das franquias De Pernas para o Ar e Minha Vida em Marte.

Ingrid Guimarães e Mônica Martelli

O final de Por Amor, quando enfim o segredo de Helena é revelado, é um dos momentos mais relembrados da teledramaturgia brasileira. Tanto as cenas em que Eduarda descobre que é na verdade IRMÃ do menino que ela cuidou como seu filho desde o nascimento, quanto Regina Duarte contracenando com Antonio Fagundes ao revelar para ele a verdade sobre seu filho morto ao nascimento, é um show de atuação. Todos os envolvidos entregam interpretações tocantes que é difícil de ver na TV brasileira hoje em dia, e quando a novela acaba, dá aquela sensação de perda, como se a gente não pudesse mais ver aquelas famílias que aprendemos a amar (e odiar) ao longo dos mais de 100 capítulos.


Não é muito difícil uma história fictícia nos cinemas me levar às lágrimas, mas Por Amor entra na lista das poucas novelas que conseguiram fazer isso comigo também na TV. Não foram raros os momentos em que me peguei escondendo as lágrimas, mas alguns momentos específicos ficaram em minha mente, como o dia em que Atílio chegou todo feliz no hospital para conhecer o filho, levando flores, e descobriu depois que ele tinha “morrido”. Várias cenas da Sandrinha com o Nando foram bem tocantes também, mas em especial quando ele consegue voltar para casa na noite de seu aniversário (mesmo ainda sendo acusado de tráfico de drogas) e presenteia a irmã chegando de surpresa. O sofrimento da Eduarda em ser traída por Marcelo também causou alguns momentos de comoção, mas de um modo bem geral Por Amor fica marcada como uma novela atemporal, que não importa a época que passe na TV, ela possui seu valor artístico e sempre vai criar algumas reflexões importantes. Chega a ser uma pena saber que esse elenco dificilmente vai voltar a se reunir em uma produção brasileira de TV, e fica só a lembrança mesmo de uma das maiores obras-primas que a Globo já exibiu.

P.S.1- A trilha sonora emblemática de Por Amor também é outro ponto a se elogiar. Começando pela abertura com o tema “Falando de Amor” do Quarteto em Cy e MPB4, passando pelo tema chiclete de Milena e Nando “Palpite” da Vanessa Rangel, “Só Você” de Fábio Junior, que provavelmente é uma das músicas mais lembradas do cantor e finalizando com “Per Amore”, uma das interpretações mais lindas que já ouvi na voz de Zizi Possi, tema definitivo da novela (que a começa e a encerra, inclusive).

P.S.2 – Eu usei recentemente “Falando de Amor” em uma homenagem de dia das mães para a minha mãe. Fiz inclusive uma montagem de fotos de sua vida no estilo da abertura de Por Amor, e ela adorou!

P.S.3 – Eu fui um dos babacas que deve ter rido de uma ou outra piada sobre o “ativar o modo Fábio Assunção” nos finais de semana, mas percebi à tempo o quanto aquilo era idiota, ainda mais levando em consideração o PUTA ator que Assunção sempre foi, independente do alcoolismo contra o qual ele luta. Eu praticamente vi o cara começando a carreira dele lá em Vamp, e as melhores novelas da TV tinham ele no elenco. Revendo Por Amor, me conscientizei que as piadas sobre a bebida e as drogas eram desrespeitosas, e que Fábio precisava ser lembrado como ator talentoso que ele sempre foi. Quando me lembro de produções de ação feitas na TV brasileira, lembro logo de a Justiceira (protagonizada por Malu Mader) e de Labirinto, minissérie de vinte episódios, escrita por Gilberto Braga em 1998 e no qual Assunção protagonizava algumas cenas de perseguição, tiroteio e pancadaria.

P.S.4 – Que pena que a Regina Duarte se tornou essa reaça inconsequente de período eleitoral, não é mesmo? Ela com certeza é uma das rainhas da televisão brasileira, e sua Helena de Por Amor entra fácil em seu ranking de melhores atuações da vida.

P.S.5 - O tema "velhice" foi tocado por dois personagens ao longo da novela, e foi difícil não fazer um paralelo com a nossa própria vida. Depois de anos de casamento, Sirléia (Vera Holtz) se vê trocada por uma moça mais nova, o que aumenta suas inseguranças com seu corpo e sua idade. Já no caso de Orestes (Paulo José), na casa dos 65 anos, ele não consegue mais um emprego, o que aumenta sua tristeza em não poder exercer mais a sua profissão porque ficou velho. Quantas pessoas não conhecemos por aí com os mesmos problemas, e como acabamos ficando de mãos atadas na hora de ajudar? 

Ainda nesse tema, já pararam para ver o antes e o depois do elenco de Por Amor na Internet? É, amigo. O tempo não passou só pra gente não. Vinte anos a mais tiram a juventude de qualquer um!    

NAMASTE! 

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