2 de agosto de 2011

Capitão América: Primeiro Vingador

Embora seja um personagem conhecido pelas velhas gerações, um herói que, para muitos, representa o nacionalismo exacerbado dos estado-unidenses, o sujeitinho que veste uma bandeira americana e que usa uma tampa de lata de lixo como arma, o Capitão América nunca foi um ícone das grandes massas, ao contrário de caras como Superman, Batman ou Homem Aranha. Pergunte à sua mãe quem é o Capitão América. É provável que ela tenha uma razoável ideia de quem seja, mas a reação não seria a mesma se lhe perguntasse quem é o Superman, por exemplo: “Quem? O bonitão que de tão apressado sempre esquece a cueca para fora da calça?”. Com o filme do Sentinela da Liberdade sendo lançado com relativo sucesso, isso tende a mudar, e toda uma nova geração (que não é muito fã de quadrinhos) saberá quem é o Capitão América.



Nerd que é nerd estava apreensivo com o filme Capitão América: O Primeiro Vingador, e razões para isso existiam aos montes. Joe Johnston, o diretor, estava desacreditado depois de falhar miseravelmente à frente do esperado Lobisomem, filme de suspense que contava com astros da grandeza de Anthony Hopkins e Benicio Del Toro no elenco. Chris Evans nunca convencera antes num papel sério em toda sua carreira, sendo mais reconhecido por papeis galhofeiros como em Não é mais um besteirol americano e na pele do próprio Tocha Humana dos fraquíssimos Quarteto Fantástico 1 e 2. Como que um cara que conseguiu interpretar um Johnny Storm com maestria (sim, porque o Tocha é a cara de Evans!!) poderia fazer um Steve Rogers com competência, sendo notória a disparidade de personalidade entre ambos personagens? Só um ator de grande gabarito e muito talento aceitaria tal desafio, e vamos combinar que ninguém botava muita fé em Evans. O terceiro fato que deixava todo mundo com a pulga atrás das duas orelhas era a forma errônea como muitas pessoas sempre estereotipavam o Capitão, vendo-o como nada além do que uma bandeira americana ambulante, um “representantezinho do imperialismo superior norte-americano”. Se você também acha isso do personagem, recomendo que você leia o arco “O Soldado Invernal” de Ed Brubaker republicado recentemente e cale sua maldita boca de uma vez! É só o que tenho a dizer sobre isso.


Mas, Rodman, com tantos motivos para esse filme ser taxado como uma bomba, como ele pode ter sido tão bem recebido pelo público?
A resposta é simples, caro Padawan, o filme é extremamente divertido, seguindo a linha que a Marvel Studios já tem estabelecido há algum tempo desde Homem de Ferro, e por isso talvez, tenha arrecadado US$ 65,8 Milhões só no primeiro fim de semana de exibição.
Se você não aterrissou de Marte agora, deve ter um razoável conhecimento que está sendo produzido um filme dos heróis mais poderosos da Terra, os Vingadores, e o filme do Capitão América contém várias referências de ligação entre todos os demais personagens já apresentados no cinema, como o Homem de Ferro, o Hulk e o Thor, e esse é um dos muitos elementos que fazem do filme, item de visualização obrigatório antes do grande show (estou falando dos Vingadores, meu filho).
A primeira hora da fita faz de forma muito competente a apresentação do personagem, e acreditem ou não, o público cria empatia com o Steve Rogers fracote de Chris Evans logo de cara. Tal qual um Peter Parker (que para muitos, incluindo a mim mesmo é o símbolo do loser), Steve Rogers não apresenta nenhum vigor físico apesar de sua coragem e de seu bom coração, o que o faz ser reprovado em todos os testes para servir o exército americano pelo qual ele incessantemente se submete, chegando até a falsificar seu nome e seu local de nascimento para tanto. Sim, muitos fracotes na plateia devem ter se identificado com o personagem nesse período de humilhações que o filé de borboleta sofre por seu físico pouco desenvolvido, mas o que torna Rogers diferente dos demais é justamente sua coragem em enfrentar os desafios não importando o quão grande eles sejam, e é isso que o faz ser escolhido pelo Dr. Erskine como cobaia para o experimento do soro do supersoldado, e isso que o torna atraente para o público no cinema.

O filme de Joe Johnston adiciona com maestria elementos que nos remetem com facilidade às demais produções da Marvel. Assim, não demoramos para perceber que o objeto de cobiça do vilão Caveira Vermelha, um dissidente das forças nazistas de Hitler, é de origem asgardiana (o lar do Thor) e que pertenceu ao próprio Odin. O Cubo Cósmico, que nos quadrinhos é um artefato capaz de criar todo tipo de ilusão e alterar a realidade é retratado como uma fonte de energia inesgotável, embora saibamos que as possibilidades de uso sejam maiores, mas o artefato é utilizado como uma ponte para a criação do reator ARK, que nos filmes do Homem de Ferro é a fonte dos poderes energéticos da tecnologia do Vingador Dourado. Como Howard Stark, o pai de Tony aparece com certa relevância no filme e demonstra grande interesse, assim como o filho, em projetar todo tipo de traquitana, a inspiração para aquela que viria a ser a maior maravilha tecnológica do século XXI (o próprio reator ARK) fica clara, embora Stark (o pai) só tenha contato com o artefato no final do filme.


Não há um link visível entre Primeiro Vingador e Hulk, mas pra quem se lembra do filme do Golias Esmeralda dirigido por Louis Leterrier não deve ter achado dificuldades em ligar o próprio experimento que criou o Abominável e o Capitão América, já que eles mencionam o soro do supersoldado, trunfo do exército que nunca mais pode ser reproduzido com a morte de Erskine pelo capanga do Caveira Vermelha.
Os filmes estão muito bem amarrados até aqui, criando um ótimo argumento para Vingadores. Disso os fãs não podem reclamar (e olhe que esse bando de nerds são especialistas em encontrar erros e furos de roteiro).


Até certo ponto Capitão América segue uma linha bem fiel à das HQs e apesar do universo cinematográfico da Marvel ter muito mais elementos que remetam à versão Ultimate, o Steve Rogers que vemos na tela é o sujeito pacato e centrado do universo 616 (a Marvel tradicional) e não o autoritário e violento líder dos Supremos.
Uma vez conquistado o público, o personagem começa a demonstrar sua força de caráter em cena, o que reforça a crença do Dr. Erskine (Stanley Tucci) de que ele é realmente o sujeito certo para o teste do supersoro, a despeito da opinião do Coronel linha dura Chester Phillips (Tommy Lee Jones), que não o acha apto ao papel de um supersoldado (mas também, quem acharia?).
A história começa a destoar das revistas em quadrinhos quando apresenta James “Bucky” Barnes (Sebastian Stan) tendo praticamente a mesma idade que Rogers, e ambos já possuindo uma amizade fora dos campos de guerra. Bucky é um soldado graduado que inclusive já está com uma missão na Inglaterra marcada para executar, enquanto Rogers nem se quer conseguiu ingressar no exército.


Outras disparidades são criadas com o intuito de entrelaçar a história com os demais personagens do universo cinematográfico da Marvel, e os roteiristas colocam o pai de Tony Stark, Howard (Dominic Cooper), como um dos criadores da tecnologia que permite bombardear o corpo do frágil Steve Rogers com os raios vita, que servem de intermediário entre o soro criado por Erskine e a cobaia. No filme fica subentendido que a falta dos raios vita é que deixam o dissidente nazista Johann Schmidt (Hugo Weaving) desfigurado, apesar dele possuir o mesmo vigor físico que posteriormente Rogers ganha, e Stark entra na jogada justamente por conta disso. Também é Stark quem projeta o escudo circular usado por Rogers na guerra e também seu uniforme.
Quando enfim o herói magricelo é recompensado por ter um espírito corajoso num corpo tão frágil, tornando-se mais forte e vigoroso, o projeto Renascimento (que não chega a ser denominado assim durante o filme) é considerado um sucesso, mas o Dr. Erskine é assassinado por um espião da Hidra, grupo nazista criado por Johann Schmidt (o Caveira Vermelha), fazendo com que o segredo do soro se perca para sempre. Provando o sucesso do experimento, Rogers caça sozinho o espião que foge do local, e antes de se suicidar o vilão lhe conta quem o mandou e a quem ele serve. Hail Hidra!


Daí pra frente o filme mergulha de vez no clima heroico, mas diferente do que se pensa, mesmo provando ser um homem acima dos limites físicos comuns, Steve ainda assim é rejeitado pelo exército (que entrara no projeto esperando um batalhão de supersoldados e não um só homem), e passa a ser uma espécie de corista para as forças armadas, representando o símbolo americano em filmes e comerciais. Frustrado por não ser nada além do que um boneco propagandista, Rogers recebe o incentivo que necessita de Peggy Carter (Hayley Atwell), a oficial do governo que fica encarregada de instruir o jovem recruta. A moça lhe diz que ele deve fazer mais com os poderes que recebeu (sabe o lance de que grandes poderes trazem grandes responsabilidades? Então!), e quando ele recebe a notícia de que o batalhão de Bucky sofreu um ataque na Inglaterra e que muitos soldados foram capturados e mortos, Steve enfim cria coragem para desafiar as ordens do Coronel Phillips e vai para o front com a ajuda da própria Peggy e de Howard Stark.


Resultado: O Capitão não só salva o amigo como também liberta o pelotão americano feito de refém pelas forças da Hidra (cujos membros principais formam o Comando Selvagem, grupo que na HQ é liderado por Nick Fury), deixando de ser assim um símbolo de patriotismo e se tornando um verdadeiro herói. Nesse resgate, o Capitão encara pela primeira vez o Caveira Vermelha e percebe que seu inimigo é tão forte quanto ele devido o soro ingerido anos atrás.
Não é explicado como, mas de repente, a partir de então, Steve Rogers se torna um supercombatente sem nunca antes ter estado em uma guerra, e se mostra um hábil lutador, além de um estrategista habilidoso. É certo que se passam alguns anos desde seu primeiro encontro com o Caveira (ou pelo menos me pareceu isso), mas me incomodou a forma meio que instantânea com que Steve aprendeu a manusear seu escudo (nas HQs é dito que há toda uma técnica para o arremesso) bem como algumas armas de batalha e veículos. O fato é que junto com o Comando Selvagem de Dum Dum Dugan (Neal McDonough, o Bison do sofrível A Lenda de Chun Li) o Capitão começa a fazer uma limpa nas forças da Hidra, destruindo os planos de conquista de Schmidt apesar das armas “vaporizadoras” projetadas pelo cientista-chefe do nazista, Dr. Zola (Toby Jones) com base na fonte de energia do Cubo Cósmico.

Quando Zola é aprisionado, o Coronel Phillips descobre que o objetivo do Caveira é a conquista! A conquista! CONQUISTA! E coloca seus homens em alerta, levando o Capitão a confrontar o vilão cara a cara. O desfecho da história se modifica, quando em vez de cair de um avião não tripulado com explosivos no Ártico, vendo seu parceiro Bucky sendo feito em pedaços pela explosão (ou pelo menos foi assim que imaginávamos que tudo havia acontecido) o Capitão derrota o Caveira dentro de um bombardeiro e leva o avião (que explodiria Nova York) com segurança para o Ártico ficando assim perdido por anos, congelado no interior da bagaça.


Assisti a uma sessão em 3D, mas devo salientar que, diferente do filme do Thor, o recurso adiciona muito pouco ao filme em si, sendo restrito a dar profundidade a cenas de tomadas aéreas ou para aproximação de objetos. Em um dado momento, um dos mais interessantes, o escudo do Capitão América rebate na parede e parece que vem em direção ao espectador (quase me abaixei nessa hora!).
O CG utilizado no filme não é nenhuma maravilha da tecnologia moderna, mas não chega a incomodar, como na cena em que Steve Rogers salta sobre carros para caçar o assassino do Dr. Erskine, onde claramente é usado um personagem em CG. O efeito do escudo rebatendo e voando em direção aos adversários ficou muito bem executado apesar de rápido (assim como o Mjolnir em Thor), e é o arame-fú que mais causa estranheza, quando o Capitão é obrigado a saltar entre grandes distâncias (para se salvar na ponte onde ele resgata o Bucky e para escapar da explosão de um tanque da Hidra). Existe a forma certa e a errada de se usar o arame-fú, e decididamente são raros os filmes que acertam na utilização dos cabos que suspendem os atores em cenas de ação. Capitão América não foge à regra.

O efeito digital que transformou o marombado Chris Evans num baixote raquítico é de tirar o chapéu. O efeito já havia me impressionado nos primeiros trailers lançados no começo do ano, mas vê-lo em tela grande por quase uma hora e não notar nenhum defeito é algo digno de nota. Tanto o efeito quanto a interação dos demais atores com o Evans magricelo não deixa nada a dever para o dramático O Curioso Caso de Benjamim Button, filme estrelado por Brad Pitt e que se utiliza dos mesmos artifícios para transformar o marido da Angelina Jolie num velhinho cheio de reumatismo.


Joe Johnston conseguiu fazer funcionar muito bem a primeira hora do filme e o roteiro é todo conduzido de forma a fazer o público aceitar o personagem de Chris Evans. Como os demais filmes da Marvel, no entanto, a produção peca por algumas inconstâncias, as quais eu listo a seguir as que mais me incomodaram:
-Não querendo tirar o mérito do Capitão América, mas qual foi a grande dificuldade do Caveira Vermelha em subjugar quantos exércitos ele quisesse com as armas produzidas a partir do poder do Cubo? Vejam bem, as armas vaporizavam os inimigos, com duas daquelas em mãos eu mesmo seria capaz de acabar com meio exército americano, e tudo que conseguimos ver em cena é o Capitão e o Comando Selvagem deitando e rolando sobre os soldados da Hidra, passando por eles como quem espanta moscas.
-O plano maquiavélico do Caveira era explodir as grandes capitais do mundo. E o que mais?
O cara tinha um artefato místico em mãos capaz das mais variadas formas de destruição, e tudo que ele conseguiu fazer com isso foi montar algumas bombas e ameaçar explodi-las nas capitais mais importantes do mundo? Pô! Até o Sebastian Shaw de X-Men First Class tinha um plano mais ambicioso! (E olhe que achei o plano do mutante uma bela de uma porcaria!)


-O que mais me incomodou no filme foi o excesso de tecnologia que o Caveira Vermelha detinha em plena década de 40. Tudo bem que se trata de um filme de fantasia e que nem mesmo a Segunda Guerra Mundial fora retratada em cena, sendo trocada por uma guerra particular entre o exército norte-americano (e os aliados estrangeiros do Comando Selvagem) e a Hidra, mas a meu ver forçaram e muito a inserção de artefatos tecnológicos numa época em que nem os computadores ainda estavam em franco desenvolvimento. Entendo que graças ao Cubo o vilão conseguiu poderes longe de sua compreensão, mas além das armas “lasers” havia muito equipamento futurista nas instalações do nazista e em seu esconderijo. Num dado momento a batalha entre a Hidra e as tropas do Capitão mais parecem um cenário de Star Wars. Só faltaram mesmo os sabres-de-luz.


-A cena em que o Bucky cai para a morte foi um dos momentos mais sem sentido do filme, visto que o personagem apresentava grande potencial e que sua parceria com o Capitão funcionava na tela. Nos quadrinhos o sidekick do herói bandeiroso é o grande mothafucka da guerra, fazendo sempre o que o próprio Capitão não podia por ser o símbolo americano (matar, estripar, atacar covardemente...). Diferente de certos parceirinhos mirins que usam cuequinhas verdes, Bucky demonstrou ser um cara de atitude, e no front ele botava pra quebrar pra cima dos nazistas, algo que chegamos a ver um esboço na interpretação de Sebastian Stan.
-A própria “morte” do Capitão América me pareceu imensamente forçada, uma vez que não me parece lógico o motivo pelo qual demoraram tanto para achá-lo (70 anos!!), já que ele estava com um rádio funcionando perfeitamente a sua frente e perdeu tempo se declarando para Peggy em vez de simplesmente falar: “Ei, estou pousando no Ártico. Venham me pegar.”. Seria muito mais dramático da forma como acontece nas HQs. O Capitão tenta evitar a morte saltando do avião prestes a explodir e cai no mar do Ártico, passando os próximos 70 anos hibernando na água gelada sem que as pessoas soubessem onde. As duas mortes, tanto a dele quanto a de Bucky, me pareceram vazias e Joe Johnston acabou desperdiçando um grande apelo dramático para o filme, além de torná-lo menos heroico.

Estamos falando de um supersoldado acrobata que possui um escudo que ele usa como arma, certo? O que você esperaria de cenas de ação em um filme cujo protagonista é o descrito acima? Muita porradaria, não é mesmo?
Pois é.
Existem cenas muito bem executadas como a primeira vez que vemos o Capitão em campo de batalha quando então ele atrai a atenção dos soldados da Hidra pilotando uma moto cheia das traquitanas a la James Bond. Os soldados, como é de se esperar, não são meros retardatários para o Sentinela da Liberdade, mas mesmo assim ajudam a compor um bom cenário de ação, do jeito que o espectador quer ver.
A cena em que Bucky ajuda o Capitão dentro de um trem lotado de agentes da Hidra também é boa, mas pena que acaba muito rapidamente, e vemos pouco do sidekick em ação ao lado de seu parceiro mais famoso, sentando o braço nos vilões que tentam detê-los com lança-chamas e todo tipo de arma destrutiva.

Os confrontos com o Caveira Vermelha, em especial o final, deixaram bastante a desejar no quesito empolgação. Tendo em vista que Hugo Weaving, o eterno Agente Smith de Matrix já é familiarizado com lutas bem coreografadas, confesso que esperava brigas mais intensas no filme, mas acabei decepcionado com a qualidade técnica dos embates físicos entre o Capitão e o Caveira. Enquanto a primeira luta mostra o que poderia se esperar de um confronto entre dois caras mais do que humanos que podem torcer metal com as mãos, a segunda mais me parece uma briga entre dois caras num bar, com direito a garrafada na cabeça e taco de sinuca nas costas. O enquadramento da luta é bom, nos dá uma visão confortável da peleja, mas é tão rápida e mal coreografada que não chega a empolgar. Certeza que se a cena fosse dirigida por Zack Snyder (o Visionário!) ela seria recheada de slow-motion, mas pelo menos teríamos uma mera noção do que os punhos de caras cujo sangue corre um supersoro são capazes de fazer no rosto do adversário.

Chris Evans me surpreendeu em cena. Em boa parte do filme ele abandona aquele seu ar de mané que o deixou famoso em comédias de gosto duvidoso e se lembra que ele é um ator e que por isso precisa atuar. Claro, ele não é nenhum Al Pacino, aliás longe disso, mas quando lhe foi exigido emoção ele soube demonstrar, e conseguiu convencer em seu papel nas cenas mais tensas como quando ele é só um fracote que é humilhado por sua condição física e quando no fim do filme ele acorda em pleno século XXI e se vê num mundo que ele não conhece, entrando em desespero. Eu consegui ver tensão em seu rosto, e a meu ver já valeu sua intepretação, embora o filme também não exija nada shakespeariano da parte de nenhum ator.


Hugo Weaving, como de costume, atuou dentro do esperado e criou um Caveira Vermelha emblemático, cruel e acima de tudo arrogante, como o personagem deve ser. Suas feições, enquanto ele não está maquiado de vermelho mostram que ele não é um sujeito amável e o melhor de sua atuação foi o sotaque meio alemão que ele criou no início do filme, mas que claramente vai ficando mais imperceptível até o fim da história. Teria Weaving esquecido de fazer o sotaque?


Tommy Lee Jones atuou bem como o Coronel Phillips e fez o que ele está acostumado a fazer: Um personagem durão e estúpido. OK. Esqueçam seu Duas Caras bobo da corte em Batman Forever.
Em alguns momentos, quando então ele aceita que Steve Rogers é enfim um cara de raça, Phillips se torna até mais engraçado (a piadinha do “Não vou te beijar” é hilária), mas o personagem passa longe do agente incansável que Lee interpretou em O Fugitivo e que repetiu em US Marshalls. A meu ver um cara mais desbocado e mais arrogante cairia melhor como um tutor do Capitão América, mas levando em consideração que o filme é ambientado na década de 40 e que a indicação do filme é PG-13, ficou de bom tamanho.

Cara! Fiquei impressionado com a beleza de Hayley Atwell, essa atriz inglesa de 29 anos que participou de filmes como A Duquesa e Reviver o Passado em Brideshead antes de viver a Peggy Carter. Ela passa toda aquela imponência britânica em seu papel, mas não deixa de esbanjar um charme inigualável que deixou até mesmo o Capitão América balançado. Lindíssima, Hayley consegue ser ao mesmo tempo forte e sexy (o que dizer daquele vestido vermelho que ela usa para avisar Rogers que ele está sendo recrutado???), e a meu ver, a partir de hoje, entra no hall das atrizes inglesas que se destacam também no cinema americano, assim como a belíssima Kate Beckinsale.
Vale lembrar que Peggy Carter é a avó da Sharon Carter, a agente 13 da SHIELD que se apaixona por Steve nos tempos modernos.
Outra atuação de destaque no filme é a de Dominic Cooper, que havia atuado ao lado de Pierce Brosnan e de Meryl Streep no musical Mamma Mia! ("que eu não vi, mas minhas filhas viram e disseram que é muito bommm"). Cooper é um retrato fiel de um bon vivant da década de 40, e embora isso destoe bastante do que conhecemos do Howard Stark dos quadrinhos e da própria série cinematográfica do Vingador Dourado, a personalidade que Cooper insere em seu personagem nos remete imediatamente a seu filho Tony (Robert Downey Jr.), algo parecido com o que aconteceu com o jovem Profº Xavier em X-Men First Class, que nós conhecemos sério na série iniciada em X-Men 1 e que se revela um tremendo conquistador no filme que mostrou a origem do universo mutante da FOX. O Howard de Cooper é carismático e ganha a empatia do público de forma fácil, o que comprova o talento do ator inglês de 33 anos.



Vale também citar as participações de competente Stanley Tucci como o compreensível Dr. Erskine, o cientista criador da fórmula do soro do supersoldado e que já havia provado seu talento em inúmeros trabalhos como em o Diabo veste Prada e no hilário Dois Espiões e um Bebê (“mi nombre, és Muerte”!), Sebastian Stan como James “Bucky” Barnes, que se sai bem na maioria das cenas de ação que participa e de Neal McDonough que interpreta um simpática Dum Dum Dugan, personagem que nos quadrinhos é conhecido por ser um tanto quanto rechonchudo e que faz parte do círculo de confiança de Nick Fury na SHIELD, depois de ter participado do Comando Selvagem durante a Segunda Guerra.


Capitão América vale sim como uma ótima iniciativa da Marvel em recriar um universo para um personagem desacreditado em outras mídias por ser taxado como ufanista. Não há nenhuma citação exarcebada de patriotismo durante o filme todo, exceto o do próprio Steve Rogers em querer se alistar para fazer parte da defesa americana. Mesmo assim, nem esse fato soa exagerado. Quando perguntado se ele quer se alistar para matar nazistas, Steve é enfático em dizer que ele respeita a vida humana e que quer se alistar para representar um ideal e não para matar pessoas deliberadamente. Claro que durante o filme, diferente do que estamos acostumados a ver nas HQs, o Capitão acaba matando alguns agentes da Hidra, mas é impossível se imaginar alguém entrar numa guerra e não ter que matar ninguém, mesmo que por legítima defesa. Seríamos ingênuos de acreditar que isso seria possível. O herói é sim contra matar pessoas se ele tiver escolha, se ele puder optar pela vida, mas numa guerra não há muita escolha. O chamado matar para sobreviver.


Gostei muito do filme e mesmo não considerando-o perfeito, assim como também não o foram Homem de Ferro 2, Hulk e Thor, vale muito a pena dar uma conferida pelo simples divertimento da coisa. A Marvel não tem se arriscado utilizando a mesma fórmula que tem se mostrado eficaz desde o primeiro Homem de Ferro, e tem conseguido êxito com isso, embora às vezes achemos que pudesse haver mais ousadia por parte do estúdio. Se por um lado pensamos que daria para vencer alguns limites, ficamos satisfeitos com o que tem sido mostrado, o que já é bem melhor do que bombas como Elektra, o Hulk do Ang Lee e o desastre que foi Motoqueiro Fantasma.

NOTA: 8,5


Além do divertimento proporcionado pelo bom trabalho executado por Joe Johnston e equipe, vale a pena esperar a cena pós-crédito e o teaser trailer do aguardadíssimo filme dos Vingadores. Em cenas rápidas conseguimos ver o novo traje do Capitão América, as fuças do Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), da Viúva Negra (Scarlett Johansson) e uma rápida interação entre Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Thor (Chris Hemsworth). É pra matar qualquer fã do coração uma porra dessas!
AVANTE VINGADORES!


NAMASTE!

27 de julho de 2011

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2



Eu não posso dizer que cresci acompanhando Harry Potter ou que sou um desses aficionados pela série de livros e de filmes, mas devo salientar que sou um apreciador da saga como um todo,apesar de não concordar com muitas das atitudes do “menino-bruxo” e de muitos dos argumentos que sua criadora J.K. Rowling utilizou por muitos anos para justificar os vários pontos-cegos que ela acabou criando com o passar dos tempos em sua história.
É inegável, no entanto, que Rowling concebeu um universo de magia fantástico em seus livros e que a mitologia riquíssima proveniente disso ganhou admiradores por todo o mundo trouxa de forma arrebatadora. Hoje não há ser vivo aeróbico na face da Terra que nunca tenha ouvido falar de Harry Potter, e o mais importante nisso tudo é que, sendo a qualidade da literatura de Rowling questionável ou não (para muitos é bem questionável sua linha narrativa), ela foi diretamente responsável por trazer de volta o gosto pela leitura das crianças e adolescentes, algo que vinha se perdendo cada vez mais à medida que as novas gerações iam crescendo. Assim como o grande mistério de quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha, não se sabe ao certo se foram os filmes que deram força para os livros ou se foi o contrário, mas é fato que a mídia audiovisual contribuiu e muito para o sucesso dos livros, embora a qualidade das obras pós-fenômeno do cinema tenha decaído consideravelmente.



Estava ansioso e apreensivo para assistir a última aventura de Harry Potter nos cinemas na segunda parte deAs Relíquias da Morte, e fui ao cinema com algo em mente: Precisava concluir a saga, mesmo já sabendo de antemão que muita coisa não me agradaria, uma vez que o último livro também tinha me decepcionado em alguns pontos.
De início é bom ressaltar que houve mudanças na história original e isso não é nenhuma surpresa, já que durante todas as adaptações dos livros, até então, também haviam tido algumas. Certas alterações tornaram o filme apressado de modo que muitos detalhes passam despercebidos para quem não leu o livro (imagino eu), mas outras contribuem para a narrativa, até mesmo corrigindo alguns pontos que Rowling esquecera de explicar no livro ou não pensara na ocasião.






O destino da espada de Griffyndor depois que o duende Grampo a rouba na fuga de Harry, Rony e Hermione do Banco Gringotes foi explicado de forma um pouco mais convincente (mas não tanto) já que no livro ela simplesmente reaparece ao fim da história sendo empunhada pelo herói mais improvável de todos Neville Longbottom. Também é explicada a origem do caco de espelho entregue por Dumbledore a Harry e o motivo pelo qual Aberforth (o irmão de Dumbledore) consegue vê-los e ajuda-los nos momentos mais críticos, o que reforça minha teoria de que Harry Potter não teria sobrevivido além de seu primeiro livro se não contasse com a ajuda de seus amigos e a conveniência com que tudo acontece a seu favor.


O que sempre falo aqui quando comento sobre um filme adaptado de uma obra literária também acontece em Harry Potter e as Relíquias da Morte parte 2. Duas horas é pouco tempo para contar uma história com todos seus meandros e pormenores, por isso não há como o filme ficar 100% satisfatório. Vendo como espectador, procurando me imaginar no lugar de alguém que não havia lido o livro antes e não conhecia a história, notei que há partes inexplicáveis e outras que explicam muito rasamente o que está acontecendo, como por exemplo, a chegada de Harry, Rony e Hermione ao Beco Diagonal próximo de Hogwarts, a abordagem de Aberforth aos garotos, e a descoberta de Snape sobre o paradeiro de Harry e seus amigos. Tudo acontece de forma muito rápida, sem que o público tenha tempo de absorver, e a correria para tentar aproveitar a maior quantidade de acontecimentos possível por cena, torna o filme por vezes incoerente.



A batalha de Hogwarts, que ocorre quando Voldemort decide dar um ultimato a Potter e seus amigos dentro do castelo depois da expulsão de Snape do cargo de diretor, forçando o garoto a se entregar caso queira poupar a vida daqueles que se importam com ele, acontece de forma mais grandiosa que no próprio livro. As cenas do combate místico são ao mesmo tempo empolgantes e movimentadas, e aprofundam melhor o roteiro e as descrições da própria Rowling. Não há nenhuma morte impactante durante a luta entre os comensais de Voldemort, a Armada de Dumbledore e a Ordem da Fênix. Todos os personagens que perdem suas vidas durante o confronto são mostrados apenas depois do ato, o que diminuí a carga dramática do filme, fato que marcou a primeira parte do longa com as mortes da Edwiges (a coruja de Harry) e deDobby, o elfo doméstico leal a Potter. Embora as cenas que envolvam efeitos visuais (como na própria batalha e na disputa entre os amigos de Potter e os amigos de Draco Malfoy dentro da Sala Precisa) sejam muito bem feitas tecnicamente e com um CG de qualidade, não há pontos muito positivos quanto à emoção da trama. O máximo que dá pra sentir é uma apreensão com relação ao que o roteirista Steve Kloves (que roteirizou todos os demais filmes) e o diretor David Yates (no cargo desde a Harry Potter e a Ordem da Fênix) mudaram na história original e quanto o roteiro fora alterado para “caber” na tela.



O que sempre gostei nos demais filmes do bruxo foi a capacidade dos diretores, produtores e diretores de arte de transportarem para a “realidade” o que estava escrito nos livros, e como aquilo tudo ficava fantasticamente diferente (e às vezes exatamente precisa) da forma como imaginávamos. Ler e imaginar uma cena em sua cabeça é uma coisa, vê-la transportada para a realidade é outra, e a meu ver, todos os filmes fizeram bem o seu papel com relação a cenários, vestimentas, adaptação de personagens e criação digital. Isso eu nunca pude reclamar em Harry Potter. Tudo tinha o aspecto fantástico que os filmes deveriam ter, o problema sempre esteve mesmo nos cortes necessários da história.




Em Relíquias da Morte parte 2, o quinhão extraordinário está mais uma vez presente, e muitas cenas nos transportam direto para os corredores de Hogwarts e os arredores da escola de magia (em algumas delas até senti falta de estar vendo o filme em 3D), e nos faz crer que aqueles feitiços e encantamentos realmente fazem parte da nossa existência, e que munidos de uma varinha mágica, de repente você pode conjurar “Accio sapato” e seu calçado aparece voando em sua direção ou que você pode estuporar um adversário gritando “Estupefaça”. David Yates tem seus méritos por conseguir fragmentar a história final de Harry Potter em duas partes e fazer de
cada uma delas um trabalho individual e, por que não dizê-lo, de qualidade. Os dois filmes contam a continuação de um roteiro, mas funcionam muito bem separadamente. Enquanto a anterior prima pela comoção do público, a segunda segura o traseiro de todo mundo nas poltronas e deixa apreensivo até mesmo aquele que já havia lido o livro, algo que só mesmo um bom filme consegue fazer. Os efeitos visuais, as atuações de Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint estão na média de sempre. Eles demonstram grande respeito pelos
personagens e sentem-se totalmente à vontade em cena, embora sejam poucos os momentos em que eles tenham que utilizar sua “bagagem” interpretativa dramática no filme.



São as atuações de Alan Rickman como Snape, Ralph Fiennes sob os quilos de maquiagem de seu Voldemort e deMichael Gambon (que substituiu o falecido Richard Harris a partir do terceiro filme) como Dumbledore é que sustentam o elenco jovem de Harry Potter, dando maior propriedade às cenas dramáticas ou de tensão. Toda a competência de Rickman fica explícita na cena em que Harry enfim descobre toda a verdade sobre aquele que aparentemente sempre o detestou, visualizando na penseira as memórias do garotinho que sofria bullyng na infância por possuir poderes sobrenaturais, e que na fase adulta se apaixona perdidamente por Lilian Potter, a sua “garotinha ruiva” particular (essa piadinha só vai entender quem conhece Charlie Brown). O momento nunca antes mostrado quando Snape encontra Lilian morta aos pés do berço do bebê Harry é tocante, e enfim entendemos que todas as ações de Snape eram premeditadas para proteger Harry e fazer com que ele conseguisse chegar até o fim da sua jornada que era vencer você-sabe-quem.
A grande virada do roteiro!




Apesar de ser um personagem de pouca expressão vilanescamente falando, Ralph Fiennes conseguiu fazer com que seu Voldemort se tornasse assustador, embora sua voz não convença em um cara mau que mata geral. Depois da voz de Darth Vader (amém James Earl Jones!), claro que fica difícil encontrar alguém que supere esse quesito, mas uma entonação mais cavernosa talvez soasse melhor para um vilão que possui uma aparência amedrontadora e cuja característica principal é ser um indivíduo desprovido totalmente de compaixão.
A mitologia de Harry Potter é indiscutivelmente atraente e todo o universo criado em torno dos personagens é digna de aprofundamento. Embora o próprio personagem título não seja exatamente um exemplo de bom comportamento, que não seja um herói altruísta e que tampouco tenha grandes talentos (falar com cobras, talvez) que o diferenciem de seus colegas com relação a magia, Harry Potter ainda é um espelho do herói moderno, aquele que tem defeitos, que comete erros, mas que no final acaba se saindo bem por ter um bom caráter. Da mesma forma podemos ver todos a sua volta. Seu próprio pai Tiago Potter não era um exemplo do qual todo filho possa se orgulhar (praticava bullyng com Snape), o próprio Dumbledore cometera erros gravíssimos em sua juventude, fora responsável indireto pela morte da irmã e ainda cuidara de Harry apenas para conduzi-lo a seu destino final, que era morrer nas mãos de Voldemort, extinguindo assim, para sempre, todas as horcruxes que o vilão havia utilizado para fragmentar sua alma na tentativa de se tornar imortal.



Se Harry pode ser considerado um exemplo de herói caótico, Voldemort é o exemplo da incompetência em pessoa. Como um homem adulto, dotado das mais pérfidas artimanhas místicas e com a varinha das varinhas em punho consegue fracassar em derrotar um garoto que nunca foi um exímio combatente em magia? Que sorte é essa que Harry Potter tem que sempre algo o salvo no último minuto, impedindo Voldemort de mata-lo? É sorte mesmo ou Voldemort que é um vilão mequetrefe que só sabe matar seus próprios comensais da morte?
Eu esperava uma batalha mais grandiosa no fim da história entre os dois, mas ficou mais uma vez a decepção de algo que possuía potencial para ser muito maior, mas que acabou sendo mediano. Em 8 filmes, a melhor batalha, aquela que representa realmente o que dois mestres da magia devem ser capazes de fazer em combate, ficou representada em A Ordem da Fênix, na grandiosa batalha entre Dumbledore e Voldemort.



Seja como for, acabou sendo divertido acompanhar a saga de Harry Potter e seus amigos ao longo de todos esses anos, e ninguém pode tirar os méritos de J.K. Rowling ao criar um dospersonagens mais rentáveis da história moderna. A saga se encerra, mas ficam as lembranças e a esperança de receber uma carta de Hogwarts entregue por uma coruja mesmo que tardiamente. Sei lá. Vai que a minha coruja se perdeu no caminho!




NOTA: 7,5
e 9 para o conjunto da obra.


AVADA KEDAVRA!

15 de julho de 2011

O politicamente correto contra o Humor afrodescendente

Hoje isso pode até soar inverossímil, mas houve uma época em que os humoristas da TV podiam fazer livremente piadas racistas, homofóbicas e de cunho meramente jocoso que ninguém parecia se ofender. Houve também um período em que a TV mostrava filmes de terror ou com conteúdo erótico sem se importar com o horário da grade, e nenhuma criança ou adolescente cresceu perturbada ou pervertida (bem, quase nenhuma) por conta disso. Hoje, esses mesmos “ex-garotos”, todos devidamente barbados e independentes, olham para a realidade e notam a sociedade de bundas-moles que o Brasil hipocritamente tem tentado se tornar, comparada ao que era num passado nem tão distante assim. Reflexos dos novos tempos? Era de aquário chegando? Não sei, só sei que um súbito moralismo parece ter se instaurado e não dá indícios de que irá embora tão cedo.

O Brasil viveu seu período mais negro... Digo, seu período mais afrodescendente durante a Ditadura Militar (que durou de 1964 até meados de 1985), e houve uma época muito extensa de cerceamento da liberdade artística acima de tudo. Quando essa fase conturbada enfim terminou, um grito de liberdade foi dado, e foi aí que a classe artística, em especial aqueles que tinham acesso direto com o grande público seja escrevendo letras musicais ou piadas, pôde enfim falar na cara do país tudo aquilo que estivera engasgado durante anos. E olhe que tinha um bocado de coisas a ser dito!

Dá pra imaginar o que aconteceu em seguida: Liberdade de expressão em sua mais pura e deslavada forma.

Com o progresso e a revolução tecnológica a Internet começou a ocupar um espaço, que até então, só era usado pela televisão, e todo o controle massivo e político de seus canais (mais notoriamente a TV do “plim-plim”). O povo só assistia o que eles permitiam, logo, se não houvesse nada que atrapalhasse o andar da carruagem como alguma crise econômica, ninguém teria do que reclamar. A mesma técnica do pão e circo já comentada aqui.

Atualmente é muito mais fácil dar voz a sua opinião pela Internet, seja através das redes sociais, blogs ou sites de relacionamento, e as palavras ditas ganham um âmbito muito mais extenso do que se era possível em tempos remotos. Como se pode falar o que quiser (e como consequência, às vezes, ouvir muito do que não se quer também), é mais fácil se convencer pessoas que pensam como você a protestar por algo, reclamar ou simplesmente xingar muito no Twitter! Estaria aí a explicação para aquele ditado ridículo de que a voz do povo é a voz de Deus?

Em que momento nos tornamos um povo melindrado que se ofende com qualquer piadinha? E a partir de quando as ditas “minorias” ganharam força absoluta de entrar com processos contra humoristas por qualquer comentário que os ofenda, se escondendo atrás do agora crescente combate ao preconceito?

Em tempos menos enfadonhos, tínhamos o Dedé chamando o Didi de “cearense”, de “Paraíba” sem que os nordestinos organizassem marchas para protestar contra o humorístico Os Trapalhões. O próprio Mussum, na brincadeira do contexto, reclamava que o chamassem de “preto” (“Pretis é seu passadis!”) e rolavam também muitas piadas sobre negros e gays no programa. Vale lembrar que, posteriormente, um homossexual assumido passou a integrar o grupo, ou alguém se esqueceu do Jorge Lafond?

Os Trapalhões seria um programa que não teria espaço na TV atual devido o nível de piadas de cunho, digamos assim, preconceituoso que eram feitas na época. O melhor quarteto de humor do país estaria condenado a pagar processos e mais processos se existissem na TV do século XXI, e jamais seriam conhecidos ou reconhecidos pelo que sempre souberam fazer muito bem: Causar o riso.

E alguém aí se lembra do Caco Antibes do humorístico Sai de Baixo e suas intermináveis "observações" sobre pobre? Não me lembro de ter havido nenhuma passeata dos menos favorecidos economicamente contra o personagem de Miguel Falabella!



Os componentes do CQC, programa jornalístico/humorístico da Band, vêm experimentando toda a marcação cerrada sobre o que eles dizem livremente no próprio programa e no Twitter, e não são raras as notícias de grupos ou entidades que entram com processos contra alguns deles por conta disso.

Comentários como "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz", citada por Danilo Gentili (integrante do CQC) sobre a implantação do metrô num bairro nobre de São Paulo e “mulheres feias deveriam agradecer caso fossem estupradas, afinal os estupradores estavam lhes fazendo um favor, uma caridade”, dita por Rafinha Bastos em entrevista à revista Rolling Stones, repercutiram negativamente para os dois humoristas, que hoje são taxados de antissemitas e machistas, entre outros adjetivos muito piores. Os comentários foram sim, de muito mau gosto, vão contra tudo aquilo que representa a moral e os bons costumes e extrapola e muito o limite (se é que ele existe) do chamado humor negro... Digo, humor afrodescendente, arte que os dois companheiros de Stand Up Comedy são mestres.

Se por um lado todos podem falar o que querem gozando da liberdade democrática estipulada após o fim das censura e do regime militar, esse mesmo direito é dado a quem se sente ofendido com as piadas cada vez mais comuns que privilegiam o insulto, o preconceito e a humilhação. Outro caso de conhecimento geral foi o quadro do humorístico da MTV Comédia MTV “a casa dos autistas”, que gerou grande movimentação na mídia pela forma apelativa com que os atores liderados pelo talentoso Marcelo Adnet parodiavam a antiga Casa dos Artistas do Silvio Santos, utilizando personagens que fingiam ser autistas, pessoas que na vida real sofrem de uma disfunção global do desenvolvimento que afeta a capacidade de comunicação, de socialização e de comportamento do indivíduo.

Adnet, assim como Gentili e a piada sobre judeus, se desculpou posteriormente pelo ocorrido, e alegou que ele não podia ser responsabilizado pelo quadro, uma vez que ele nem concordava com ele, mas que fora obrigado a fazê-lo, respeitando o diretor do programa.

O caso que evidencia ainda mais essa ânsia das classes minoritárias de entrar com processos com qualquer coisa que se fale na mídia aberta, foi o do apresentador Marcos Mion do programa Legendários da Rede Record, que resolveu fazer uma brincadeira (nesse caso bem clara) sobre o “pacote” da colega de emissora travesti Nany People: “Ô, Nany, como você faz para esconder o pacote?”.

Segundo uma ONG gay, Marcos Mion estava discriminando Nany People por conta do comentário jocoso, o que logo foi derrubado por terra, uma vez que a própria Nany divulgou nota considerando a ação da ONG absurda e alegando ser amiga de Mion nos bastidores. Homens tem “pacote”, certo? Travesti é um homem fantasiado de mulher, certo? Logo, tem “pacote”, porra!! O que houve de discriminatório nisso??

Piadas antissemitas, possíveis apologias ao crime e tiração de sarro com pessoas deficientes físicas ou mentais obviamente causam desconforto a quem se sente atingido diretamente e são sim, de certa forma, condenáveis, mas a banalização com que esses “protestos” e “marchas” vêm sendo tratados tem transformado o Brasil num país com um ar falso de politicamente correto. Tudo é passível de melindragem, nada mais é levado na esportiva e de repente nos tornamos uma sociedade hipócrita que condena o humor negro (e em breve todo tipo de humor), mas que idolatra certas manifestações culturais como “pentadas violentas” e “surra de bunda”.

Não se veem protestos contra dinheiro na cueca de parlamentares ou da corrupção no futebol, muito bem disfarçada por baixo dos gritos ensandencidos da torcida apaixonada e da narração contagiante do Galvão Bueno. Então por que toda essa fúria contra o preconceito se nunca antes ninguém protestou contra nada de errado no Brasil? E por que não haver também marchas e passeatas contra o aumento de salário de parlamentares em detrimento do salário de fome que recebem os professores da rede pública, policiais e bombeiros? Ou contra a utilização de dinheiro público para a contrução e reconstrução de estádios para a Copa do Mundo, evento que não serve para nada além de enriquecer as empresas privadas e comerciais que faturarão alto com o turismo propiciado por ele? Ou vai dizer que Copa serve para mais alguma coisa?

Mas Rodman, em dia de jogo da Seleção eu só trabalho meio período. Sem falar que o futebol é a paixão nacional, e o povo é mais patriota em época de Copa!”

Ah, tá! Agora vi motivo!

Juro que não consigo entender o Brasil.

Protestos e indignações são bem vindos quando bem direcionados, o que me incomoda é o grau que isso está tomando no Brasil, quase como se estivessemos próximos da volta da censura (fato que já comentei aqui) no país. Em certos momentos vemos que é possível se falar o que quer, direito conquistado e irrevogável num país dito democrático, mas alguns assuntos ainda são intocáveis e quem ultrapassa essa linha paga o preço com belos e extensos processos nas costas. Não há uma solução prévia para isso, exceto que o bom senso impere na consciência de cada humorista antes de formularem suas piadas (que tal falarem apenas de papagaios ou do Joãozinho??) ou que as minorias parem de se ofender por qualquer coisa dita sobre eles. Como bem imagino, nem uma coisa nem outra vai acontecer, portanto, esse assunto ainda continuará a ser discutido num looping infinito e nós estaremos chafurdando cada vez mais na hipocrisia e na neurose dos grupos minoritários perseguidos enquanto ouvimos piadinhas de "humor escurinho".

E viva o Brasil, o país mais bunda mole que já se viu!


No Blog Na transversal do Tempo, o autor Gilson Junior comenta de forma muito mais abalizada o mesmo assunto. Vale a pena conferir.


NAMASTE!

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