29 de setembro de 2014

Do Fundo do Baú - 20 Anos de MARVELS!


A primeira vez que botei meus olhos em uma edição de Marvels, ela estava pendurada na banca de jornal onde eu costumeiramente comprava minhas revistinhas do Homem Aranha e as figurinhas para meu álbum dos X-Men (o desenho animado). A primeira edição lançada no Brasil pela Editora Abril vinha em um incomum (na época) formato americano, e com uma sobrecapa de acetato transparente, o que dava um caráter de “mais importante” que as demais edições que com ela dividiam espaço. 


A figura do Tocha Humana perambulando pela rua em meio ao pânico de uma população me deixou cismado, não pelo fato das pessoas estarem assustadas por causa da figura flamejante, mas pela arte extremamente realista em que o personagem estava retratado. O dono da banca que eu e meus amigos de escola frequentavam também era um aluno conhecido nosso, embora uns 4 ou 5 anos mais velho, e folhear as edições de Marvel e DC era algo do qual ele não reclamava, diferente de outros donos de bancas. Logo me coloquei a virar página após página daquela revista luxuosa protegida por aquele acetato, e me deparei com uma das artes para quadrinhos mais fantásticas que já tinha visto naqueles meus poucos anos de leitor assíduo de HQs. Jamais esqueci aquelas imagens, e a partir de então, elas entraram em meu imaginário, me fazendo crer que sim, os personagens Marvel existiam de verdade.


Em 2014 faz 20 anos que Marvels, a Graphic Novel que mudou a história das publicações regulares, escrita por Kurt Busiek e maravilhosamente desenhada por Alex Ross saiu nas bancas, e até hoje ela é recordada como uma das mais importantes HQs da própria Marvel, em especial por todo o clima nostálgico que o texto de Busiek emprega na história, nos fazendo crer que os super-heróis estão mesmo entre nós desde a década de 40, nas figuras do Tocha Humana original, do Príncipe Submarino Namor e do Sentinela da Liberdade Capitão América. Cada página da primeira edição é um mergulho sensacional aos tempos da Segunda Guerra Mundial, tanto na ambientação, nos veículos, nos trajes das pessoas comuns (que são as figuras centrais do enredo todo) e até mesmo no vocabulário.


Através do roteiro de Busiek, podemos sentir as reações dos populares e da imprensa de Nova York quando essas “maravilhas” (Marvels) começam a andar entre nós, o medo irracional de um homem artificial que entra em combustão espontânea, a forma como o Dr. Horton é obrigado a se livrar de sua criação com medo que ele se torne uma arma ambulante, e da forma como o androide é alçado à categoria de herói quando outro ser fantástico tão poderoso quanto ele ameaça aniquilar a vida na superfície terrestre, vindo direto das profundezas dos oceanos, e o flamejante se põe contra ele. 


Tudo isso visto pela ótica de um fotógrafo chamado Phil Sheldon, que registra cada acontecimento com seu olhar clínico único (sem trocadilhos!!), dando a sorte de poder presenciar os melhores momentos de uma época mágica, onde os “Marvels” do título da história começaram a dar as caras pela primeira vez.


A grande vantagem de Marvels com relação às histórias que eram lançadas na mesma época, ou mesmo anteriormente, é a veracidade que os traços e a pintura de Alex Ross dão ao enredo escrito por Busiek. De forma intimista, poucas vezes retratada numa HQ, os dois conduzem a história de modo tanto a apresentar os primórdios do universo Marvel aos leitores, como também levantar questionamentos puramente humanos como preconceito racial, o medo daquilo que é fora do comum e principalmente a ignorância


No primeiro capítulo Phil Sheldon se vê cara a cara com o impensável surgimento de criaturas incrivelmente poderosas que imediatamente são vistas como potenciais ameaças, enquanto um menino franzino se torna um campeão em meio ao maior conflito mundial que a Terra já passou, trazendo assim a esperança de volta aos Estados Unidos. Quando Phil se torna vítima de um combate entre o androide Tocha Humana e o Namor, ele começa a perceber que suas convicções de bem e mal não devem ficar acima de seu bem estar físico, o que o faz escolher sua jovem noiva em vez de cobrir a Guerra como um fotógrafo oficial.


No segundo capítulo, o mundo agora é outro, e Phil se torna um proeminente fotógrafo, especializado em fotografar as “Maravilhas”, seja para o Clarim Diário, cujo redator-chefe, J.J. Jameson lhe é um amigo de longa data, ou para um livro com fotos suas tiradas ao longo das décadas. Nova York se vê em meio a novos personagens incríveis como o Quarteto Fantástico, os Vingadores e o Demolidor, enquanto procura combater as ameaças representadas pelo “terrível” Homem Aranha e o monstro Hulk


A popularização de uma raça que já nasceu com super-poderes também começa a preocupar a opinião pública, e o surgimento dos X-Men causa uma histeria anti-mutante em que Phil Sheldon se vê bem no centro dos acontecimentos quando suas duas filhas resolvem abrigar uma indefesa garotinha mutante no porão de sua casa. Ao mesmo tempo que após um encontro com a primeira equipe de filhos do átomo (Ciclope, Fera, Anjo, Homem de Gelo e a Garota-Marvel) Phil coloca em xeque sua tolerância aos tais mutantes, e também embarca na descriminalização popular, suas filhas o fazem enxergar que os mutantes não são as criaturas horríveis que as pessoas julgam ser, e que assim como os humanos, eles merecem seu lugar no planeta.


 Sem sombra de dúvida, o capítulo 2 de Marvels é um incrível apanhado sobre preconceito racial, e com certeza pontualiza o que Stan Lee e Jack Kirby sempre imaginaram para as histórias dos X-Men do começo da década de 60. A forma como os X-Men são retratados por Alex Ross, sendo que aquela é a visão de Sheldon, os deixa com um aspecto muito ameaçador, e a frase do Ciclope se repetindo "Eles não valem a pena" encaixa perfeitamente com o contexto, enquanto o fotógrafo caolho trava uma batalha interna entre o seu preconceito e sua compaixão pela estranha menininha de olhos arregalados indefesa em seu porão.


No terceiro capítulo o terror dessa vez não vem nem do fundo do Oceano e nem de um grupo de mutantes, e sim do espaço, na figura gigantesca de Galactus que ameaça obliterar o planeta em nome da sua fome celestial, colocando o mundo numa terrível neura só combatida pelo Quarteto Fantástico e pelo próprio arauto de Galactus, o também alienígena Norrin Radd, o Surfista Prateado


Como nunca li a história original escrita por Stan Lee e desenhada por Jack Kirby da invasão de Galactus, e como o enredo de Busiek apenas dá leves pinceladas sobre o que aconteceu em sua origem, me senti muito instigado a correr atrás desse material, só pra ver com maiores detalhes o que apenas é comentado em Marvels, através da ótica de Sheldon e dos populares nova-iorquinos. 


A melhor parte é a histeria pré-fim do mundo que se instaura enquanto um gigante azul e lilás paira sobre a cidade, e como pela primeira vez estamos do lado de cá dos acontecimentos, do lado das pessoas que não têm super-poderes para combater adversários igualmente superpoderosos e que acabam dependendo quase que totalmente do logro dos heróis fantasiados. 


Nesse quesito Marvels é fantástica, pois de forma inédita nos colocou como meros espectadores da ação que acontece a alguns metros de distância sem necessariamente vermos detalhes.


Alex Ross mais uma vez surpreende com sua arte grandiosa, fazendo a luta entre o Surfista Prateado e seu mestre, ser épica. Em homenagens aos quadros desenhados originalmente por Jack Kirby, ele pinta a batalha em páginas inteiras, com um realismo absurdo, do tipo que nos faz ficar minutos seguidos apreciando, como uma obra de arte. Esse capítulo, segundo o próprio Ross, é seu preferido de Marvels, aquele em que ele realmente se dedicou totalmente. Pelo resultado, dá pra perceber!  
  

O último capítulo é dedicado ao maior herói da Marvel e foda-se o Wolverine Homem Aranha, e como as pessoas são influenciadas a acreditarem que ele realmente é um bandido por causa da campanha difamatória infligida pelo Clarim Diário


Enquanto investiga a morte do Capitão de Polícia George Stacy durante uma batalha entre o Aranha e o Doutor Octopus, Phil Sheldon conhece a doce e meiga (não de acordo com Joe Quesada e J.M. Straczynski!!) Gwen Stacy, a filha da vítima. 


Enquanto conversa com Gwen, Sheldon começa a acreditar na influência negativa que o herói aracnídeo exerce sobre a família dela, ao mesmo tempo em que ele acaba se encantando pelo jeito inocente da moça. 


É curioso observar nessa investigação que, ao conhecer Peter Parker, Sheldon não simpatiza em nada com o jovem fotógrafo (por ele ajudar Jameson a difamar o Aranha, vendendo fotos do aracnídeo em ação), e em seus pensamentos ele procura uma razão para que Gwen namore aquele rapaz. Para nós, que sabemos que Peter e o Aranha são a mesma pessoa, soa engraçada a forma como os dois são retratados como pessoas diferentes, mais um ponto positivo em se analisar Marvels pela visão de uma pessoa comum.  


A dramaticidade da Graphic Novel atinge seu auge quando o Duende Verde decide sequestrar a jovem Gwen para se vingar do Homem Aranha, embora Phil Sheldon e a população em geral não saibam disso


Para mim que li a história original da Noite em que Gwen Stacy morreu desenhada pelo Gil Kane foi um deleite ver a reedição de Alex Ross para os quadros que ficaram eternizados em minha mente (sim! A meu ver, essa é a melhor história do Homem Aranha de todos os tempos!) e a forma como Kurt Busiek nos coloca aflitos como meros espectadores, embora já saibamos qual será o destino da jovem Gwen sobre a ponte George Washington é sensacional


Quando Sheldon constata a realidade, a de que Gwen está mesmo morta e que o Homem Aranha não a conseguiu salvar, ele entra em profunda depressão, cansado demais depois de tantos anos para ainda conseguir se por do lado das "Maravilhas", que direta ou indiretamente acabam causando tanto sofrimento as pessoas comuns quanto oferecem proteção. 


Em um período de A Morte do Superman, A Queda do Morcego e posteriormente A Saga do Clone, séries que acabaram se tornando datadas e ultrapassadas em pouco tempo, Marvels se destacou como uma flor num deserto, tão atemporal quanto era sua premissa inicial, e isso graças aos talentos combinados de Alex Ross e Kurt Busiek.

Marvels é lembrada até hoje como uma das melhores Graphic Novels da Casa das Ideias, e após alguns relançamentos nacionais, enfim adquiri meu exemplar, graças a coleção da SALVAT que tem feito um excelente trabalho em publicar por aqui todo esse material que antes eu só via sem poder comprar. 


Demorou quase vinte anos, mas agora Marvels consta em minha coleção e daqui não sai mais.

Ps.: Vale a conferida nas últimas páginas da edição da SALVAT do processo criativo do artista Alex Ross, como ele trabalha suas pinturas em cima de fotos, modelos reais e até mesmo bonecos, porém, a editora deixou muita coisa desse material fantástico DE FORA de seu encadernado, o que é uma pena. 


A Editora Abril já havia publicado isso na edição do 10º Aniversário de Marvels, mas os leitores que só puderam acompanhar agora pela SALVAT perderam essa oportunidade. Uma pena. 



NAMASTE!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...