Nós trintões que nascemos nessa década tão feliz (e louca,
MUITO louca!) estamos nos regozijando a cada novo lançamento do cinema, e não é
que somos mais especiais que os demais públicos, é que os anos 80 dão mais
possibilidades de criação de roteiros que os atuais anos 2000. Os anos 80 são
tão mais legais que até estão querendo voltar com o medo do holocausto nuclear,
não é senhor Kin Jong-un?
No Combo Breaker de hoje vou fazer meu review de três filmes
que se passam durante os badalados anos 80, o nacional Bingo – O Rei das Manhãs,
Atômica e o remake (reboot, sei lá) It – A Coisa.
Dirigido por Daniel Rezende, Bingo – O Rei das Manhãs é a
cinebiografia (não inteiramente declarada) de Arlindo Barreto, o primeiro
intérprete brasileiro do personagem Bozo para o programa de TV do SBT dos anos
80. O palhaço Bozo era uma franquia norte-americana trazida ao Brasil pelo Homem
do Baú para bater de frente com a poderosa Rede Globo, que na época liderava a
audiência das manhãs (e do resto do dia também!) com uma certa loira Rainha dos
Baixinhos.
No filme, Vladimir Brichta dá vida a Augusto Mendes, um
ex-ator pornô que decide mudar os rumos da sua carreira artística e virar um
ator respeitável de novelas. Filho de uma importante atriz de TV agora
aposentada (contra a vontade) interpretada por Ana Lucia Torre, Mendes vê a
chance de impressionar o filho e a ex-esposa (também atriz vivida por Tainá
Müller) ao conseguir um papel de figurante em novela da TV Mundial (Globo, Cof!
Cof!). Querendo aparecer mais que os diretores permitem, Mendes é escorraçado
da TV, o que faz crescer nele uma ira gigantesca contra a emissora, o fazendo
prometer que um dia ele derrotaria a Vênus Platinada na audiência.
Ao tentar um papel em uma novela da TVP, Mendes decide se
candidatar a vaga de palhaço para um novo programa infantil, e mesmo sem
experiência no ramo, acaba impressionando o criador da franquia americana
usando a arte do insulto. Sem entender porque todo o estúdio estava caindo no
riso com as piadas de cunho sexual acerca dele, o produtor estrangeiro acabou escolhendo Mendes como o Bingo brasileiro.
Entre erros e acertos, sob a batuta da enérgica diretora do
programa Lúcia (Leandra Leal) Augusto começa a tomar gosto pelo papel,
assumindo de vez a identidade do palhaço. Mergulhando fundo no mundo televisivo
enquanto decide tomar aulas de circo com um palhaço de verdade (vivido por Domingos
Montagner) para refinar suas técnicas de fazer graça junto ao exigente público
infantil, o ator começa a trazer resultados para a TVP que sobe de terceiro
para segundo lugar na audiência das manhãs.
Almejando o topo, como ele havia prometido para o arrogante diretor da TV Mundial um dia, Augusto começa a ficar obsessivo pelo trabalho, enquanto se aproxima do vício do álcool, cigarro e drogas ilícitas, junto ao cameraman e parceiro de farra Vasconcelos (Augusto Madeira).
Almejando o topo, como ele havia prometido para o arrogante diretor da TV Mundial um dia, Augusto começa a ficar obsessivo pelo trabalho, enquanto se aproxima do vício do álcool, cigarro e drogas ilícitas, junto ao cameraman e parceiro de farra Vasconcelos (Augusto Madeira).
Afastado da família e principalmente do filho Gabriel (Cauã Martins)
enquanto Bingo começa a ganhar cada vez mais relevância, se tornando um
verdadeiro ícone entre as crianças do Brasil, Augusto entra numa vibe de
loucura quase suicida, se afundando cada vez mais nas drogas e no álcool, o que
usa para se manter são. Quando finalmente Bingo bate a audiência da Mundial, o
ator por trás da máscara de palhaço entra numa catarse impressionante,
brilhantemente interpretada por Brichta, ator que caiu perfeitamente para o
papel. Embora não consiga exprimir tão bem a carga emocional (no ápice da
história quando Bingo está no topo e lhe ocorre uma tragédia familiar), Brichta
está excelente em todos os outros momentos. A ironia do personagem Augusto e
até mesmo sua dramaticidade revelam um talento que pouca gente conhecia de
Brichta, sempre escondido em papeis cômicos nas novelas da Mundial... digo,
Rede Globo!
A biografia do primeiro Bozo brasileiro rendeu um PUTA de um
filme nacional que deixa pouco a desejar para outros sucessos como Tropa de
Elite e Cidade de Deus, sem falar que a fotografia e figurino são do caralho,
nos ambientando MESMO nos anos 80. O diretor Daniel Rezende mostra que entende
da linguagem cinematográfica em várias cenas, usando técnicas de
plano-sequência assustadoras e enquadramentos ousados. As cenas em que Augusto, em desgraça, se vê sozinho em seu apartamento, e drogado atinge uma televisão com
o punho, e que ele entra ao vivo vestido de palhaço SEM o característico nariz
vermelho, e que depois acaba sofrendo uma hemorragia nasal, são dignas de
Hollywood. A dramaticidade implícita nas duas cenas nos faz querer aplaudir de
pé o filme quando os créditos começam a subir.
Se você nunca assistiu o Bozo, não nasceu nos anos 80, não
entende nenhuma das referências à TV daquela época e mesmo assim quer ver um
baita de um filme nacional bem produzido e bem dirigido com atuações ótimas,
vale a pena sim ir ao cinema para conferir Bingo – O Rei das Manhãs. O filme
foi selecionado como candidato brasileiro para disputar uma vaga no Oscar de
2018, mas apesar de ser excelente e bem significativo para o nosso público,
duvido que tenha muitas chances no estrangeiro.
Vale a torcida, no entanto!
Antes de falarmos do filme precisamos bater um papo sobre
David Leitch, o diretor de Atômica.
Quem é esse cara????
Antes de John Wick (De Volta ao Jogo no Brasil) estrelado
por Keanu “sou um boneco de cera, mas eu sou legal” Reeves eu NUNCA tinha
ouvido falar nele, mas o cara já havia participado, seja na direção, seja na
produção, de vários filmes (ruins) como Destino de Júpiter e Tartarugas Ninja
Fora das Sombras. Antes de assumir a direção e produção, no entanto, Leitch fez
uma carreira sólida como dublê, entrando na porrada inclusive no lugar de Brad
Pitt e Van Damme, o que o gabaritou para dirigir as cenas IMPRESSIONANTES que
ele tão bem tem executado de 2014 para cá. Apesar de NEM ter sido creditado em
John Wick, filme que co-dirigiu com Chad Stahelski, Leitch agora parece ter
encontrado um lugar ao sol, já que participou da produção de John Wick 2,
dirigiu Atômica e já está trabalhando em Deadpool 2.
Estrelado por Charlize Theron que há bastante tempo tem se
mostrado uma excelente atriz de ação além de atriz dramática, o filme é um
thriller de espionagem que se passa no finalzinho da Guerra Fria, pré-queda do Muro
de Berlim. Com um roteiro confuso e pouco linear, o filme nos deixa um pouco
perdidos em seu andamento, enquanto tentamos entender, afinal, quem devemos
odiar, quem devemos amar ou torcer. Enviada disfarçada pelo MI6 até Berlim para
investigar o assassinato de um oficial e recuperar uma lista que contém a
identidade de vários agentes duplos, Lorraine Broughton (Theron) acaba cruzando
no caminho com o intrigante David Percival (James McAvoy) e com a linda e
mortal Delphine (Sofia Boutella).
Enquanto tenta recuperar a tal lista, Lorraine é atacada por todos os lados e tem que provar que seu treinamento especial valeu a pena.
Enquanto tenta recuperar a tal lista, Lorraine é atacada por todos os lados e tem que provar que seu treinamento especial valeu a pena.
Atômica é um misto de Jason Bourne com John Wick e James
Bond, mas com uma MULHER como protagonista, o que só tornam as cenas de porrada
AINDA MAIS realistas. O estilo de
filmagem de Leitch é de deixar o espectador abismado em frente à tela. Parece não
haver espaço para “firulagens” ou muletas digitais enquanto ele desenha as
cenas de ação, e nos dois exemplos de filmes dá se a impressão que tanto Keanu
Reeves quanto Charlize Theron estão REALMENTE executando suas cenas, sem
dublês.
O plano sequência de mais de 10 minutos em que a personagem
Lorraine enfrenta dezenas de caras armados em um prédio enquanto tenta proteger
uma testemunha importante (um agente que tem decorada toda a lista de espiões
duplos em sua memória) é impressionante! Enquanto tentava achar o momento em
que algum dublê assumia o lugar de Charlize Theron, a cena se desenrolava SEM
PARAR, sem cortes, indo de um cômodo a outro do prédio, de um andar a outro,
inclusive ESCADA ABAIXO. Essa cena é tão longa e impactante que parece que
sentimos todas as fraturas e luxações da personagem em nosso corpo, ali
sentados na poltrona do cinema. Já tinha visto algo parecido em John Wick, mas
acredito que essa tenha sido uma das cenas de ação mais bem feitas da história do
cinema. Nota 10!
Baseado na HQ The Coldest City de Antony Johnston e Sam
Hart, Atômica custou US$ 30 Milhões e já tinha faturado mais de US$ 42 Milhões
até a última semana de Agosto, rendimento considerado modesto se usarmos
grandes blockbusters como comparativo.
Questionado sobre o assunto, Leitch comentou que gostaria de
ver um filme em que Lorraine Broughton encontra John Wick, e que isso seria
extremamente empolgante. Porra! Até eu me empolgaria com um filme assim! Vale
lembrar que Theron e Reeves já se encontraram em cena nos anos 90 durante o
excelente Advogado do Diabo e em Doce Novembro de 2001.
Parece que produtores e diretores encontraram nos anos 80 uma
moradia segura e rentável para colocar em prática suas ideias acerca de roteiros.
O tema nostalgia (além do canal do Castanhari!) já tem dado bons frutos na
Netflix com Stranger Things (que em breve ganhará sua segunda temporada) e até
mesmo no cinema, com Guardiões da Galáxia da Marvel, que apesar de se passar no
“presente” e no espaço cheio de tecnologia, se vale muito das memórias do
terráqueo Peter Quill sobre sua infância nos anos 80. Quem não se lembra de
suas memórias sobre Kevin Bacon e Footloose no primeiro filme e na sua carência
paterna aflorada com o Michael Knight de David Hasselhoff no segundo filme?
It – A Coisa de 1991 dirigido por Tommy Lee Walace foi
criado direto para TV e adaptava o livro homônimo de Stephen King, o que faz de
sua versão de 2017 a PRIMEIRA adaptação do livro para o cinema. Nunca vi o
filme anterior, mas eu lembro que ele era recorrente no Cinema em Casa do SBT
na década de 90. Embora eu saiba que isso também é uma falha grave em meu
caráter, nunca li o livro de King, e tudo que posso dizer aqui é sobre a versão
atual de It que me deixou positivamente impressionado.
A história se passa no final dos anos 80 na pacata cidade de
Derry, onde estranhos desaparecimentos de crianças começam a tirar a paz dos
moradores do lugar, colocando em alerta os integrantes do chamado “Clube dos
Otários”, cujo membro Bill (Jaeden Lieberher) acaba perdendo o irmão caçula num
dia chuvoso (na sequência da cena mostrada no trailer do barquinho de papel).
Enquanto o tempo passa, o pequeno clube continua sua vida
cotidiana, assombrado pelo desaparecimento do pequeno Georgie (Jackson Robert
Scott). Ao mesmo tempo em que enfrentam problemas familiares, os jovens são
vítimas de um bullying nosso de cada dia na escola e no bairro. A jovem Beverly
(Sophia Lillis) é aterrorizada pela abrutalhada Gretta (Mega Charpentier) na
escola, enquanto os meninos Richie (Finn Wolfhard), Eddie (Jack Dylan Grazer) e
Stanley (Wyatt Oleff) sofrem nas mãos do bad boy Henry Bowers (Nicholas Hamilton)
e sua gangue de bullies. É engraçado relembrar que os trintões de hoje em dia
costumam dizer que “não existia bullying” em nossa infância e que “ninguém
morreu” por ter sofrido nas mãos dos valentões da escola, mas o tema sempre foi
recorrente na maioria dos filmes que retratavam adolescentes na Sessão da
Tarde. Em It o tema não só é tratado de forma séria como também é mostrado de
forma bem cruel, provando que o bully SEMPRE tem um passado de maus tratos em
casa e que por isso eles sentem a necessidade de descontar nos mais fracos. A
relação conturbada do garoto Bowers com o severo pai policial é um dos gatilhos
que mostra a verdadeira natureza humana em momentos de pressão.
Depois do desaparecimento de Georgie, todos os garotos
começam a passar por situações de desespero, assombrados pela figura de um
palhaço que encarna seus principais medos e inseguranças. Inicialmente longe do
Clube dos Otários, Ben Hanscom (Jeremy Ray Taylor) passa boa parte de seu verão
na biblioteca, onde estuda sobre o passado de Derry. Encontrando várias
relações entre o desaparecimento das crianças com acidentes graves ocorridos na
cidade em décadas anteriores, Ben é o primeiro a ter um “encontro” com o
palhaço Pennywise, que o persegue na biblioteca. Após ser perseguido e ferido
por Henry Bowers e seus amigos idiotas, Ben acaba cruzando o caminho de Bill,
Richie, Eddie e Stanley e acaba entrando para o clube, junto da garota Beverly e
do garoto Mike (Chosen Jacobs).
It – A Coisa é um filme MUITO BOM não só pelo saudosismo de
uma época em que os adolescentes andavam de bicicleta pelos bairros, ouviam
rádio e estudavam na biblioteca, mas principalmente porque fala de assuntos que
até hoje são tabus como assédio sexual DENTRO de casa às vezes praticado pelos
pais, pelo bullying, pela autoridade excessiva dos pais, tragédias familiares e
pela violência. O palhaço Pennywise interpretado por Bill Skarsgard é um
demônio que a cada 27 anos assola a pequena cidade atrás de vítimas cujo medo o
alimenta, mas ele está longe de ser o grande vilão, já que ele desperta nas
pessoas o que há de mais maligno nelas. It tem cenas absurdas que em alguns
momentos pode até chocar a plateia (a minha sessão estava repleta de crianças
com seus pais), mas o terror é usado na medida, como uma forma de contar bem a
história.
O filme é de terror, mas os personagens de alívio cômico funcionam bem demais. Conhecido em Stranger Things (ele é o Mike Wheeler), o garoto Finn Wolfhard interpretou muito bem o personagem “zoeiro” do grupo, aquele que tem sempre uma boa sacada e uma piadinha pra tudo (em grande parte envolvendo o próprio pinto). Da mesma forma o personagem Eddie e sua hipocondria potencializada pela mãe superprotetora causa momentos hilários de humor durante o filme, já que ele é visto como o nojentinho, e sobram piadas até mesmo nos momentos de maior tensão, o que fez com que muita gente comparece It com as produções Marvel, conhecida por inserir piadinhas que quebram o clima dramático dos filmes.
Assisti uma versão dublada do filme no cinema e senti falta
de conhecer os termos em inglês usados pelas crianças bem como aproveitar
melhor a intepretação delas, porém não tenho nada a reclamar da dublagem que
foi bem competente, em especial com as vozes das crianças. A sessão também
estava bem falante, como costume em filmes de terror, mas mesmo assim consegui
me conectar com o enredo, chegando a me emocionar com a tocante história do
menino Bill e a busca por seu irmãozinho perdido. A idade tem me tornado cada
vez mais sensível com essas questões, e não faltaram lágrimas com o “reencontro”
de Bill e Georgie já próximo do final do filme. O triângulo amoroso entre
Beverly, Bill e Ben também rende vários momentos de consternação no cinema (à
favor do gordinho) e a paixão que o garoto revela ter pela menina com o cartão
postal é um dos momentos mais fofos de It.
Regado de efeitos digitais fantásticos que potencializam a
característica terror e a periculosidade de Pennywise, o filme deixa pouco a
desejar para outras produções de sucesso recentes de terror como Invocação do
Mal, e assustam na mesma medida. It já se tornou fácil um dos meus filmes de
terror prediletos e com o tema “grupo de crianças que tentam resolver problema”
já está lado a lado com Super 8, produção que adoro e que tem temática
parecida.
It - A Coisa foi elogiado pelo próprio Stephen King, custou
US$ 60 Milhões e já rendeu mais de US$ 217 Milhões, o que possivelmente vai
alavancar a carreira do diretor Andy Muschietti de Mama. O filme é
incrivelmente bem cuidado e vale a assistida.
NOTA: 9,5.
NAMASTE!
Puuuerra, até que enfim postaste!!!
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