O ano de 1997 foi uma espécie de hiato para o Rock N’ Roll
brasileiro. Ainda estávamos de luto por causa dos Mamonas Assassinas, os
Raimundos já faziam algum sucesso, mas permaneciam no underground, A Legião
Urbana havia se desfeito devido a morte de seu líder e vocalista Renato Russo,
o Capital Inicial estava no ostracismo e bandas como O Rappa e Detonautas ainda não tinham estourado para o
grande público. Havia apenas o silêncio musical, e ele incomodava.
O álbum Transpiração Contínua Prolongada do Charlie Brown
Jr. lançado nesse mesmo ano e produzido por Rick Bonadio (também produtor dos
Mamonas) veio para mexer as estruturas do Rock no Brasil, iniciando um
crescente que ainda duraria longos anos, todos eles aproveitados por mim em
minha adolescência de ouvinte da 89 FM, a Rádio Rock!
Músicas como o “Coro vai comê”, “Proibida pra mim” e “Tudo
que ela gosta de escutar” começaram a estourar na maioria das rádios do país, e
os garotos de Santos começaram a ganhar projeção nacional com seu som que
misturava punk rock, reggae e skate music. As letras, em sua grande maioria
escritas por Chorão, tratavam da realidade daqueles moleques de baixa renda que
já haviam vivido várias mazelas em sua vida, e essa foi uma das grandes razões
pela qual o público se identificou com o Charlie Brown Jr. Havia muito de verdade naqueles versos.
O segundo disco, lançado em 1999 Preço Curto... Prazo Longo
é pra mim, o melhor da carreira de quase 20 anos da banda, e possui uma porção
dos maiores sucessos dos caras como “Vou te levar” (tema da Malhação durante 7
anos), “Zóio de Lula” (que imortalizou a célebre frase “meu escritório é na
praia, e eu tô sempre na área”), “Confisco”, “Não deixe o mar te engolir” e “O
Preço”, onde Chorão conta sua história de garoto pobre que se tornou um astro
do rock.
Dificuldade então
Passava eu, meu pai, minha família e meus irmãos
Sem perceber larguei a escola
E fui pra rua aprender
Andar de skate, tocar, é
Corre pra ver o mar
Nessa época as letras das músicas do Charlie Brown já
estavam na ponta da língua, e embora eu nunca tivesse passado fome na infância,
vivido nas ruas, andado de skate e nem tampouco me juntado a galera “maloqueira”
(tipo a turma do fundão das escolas) eu também me identificava com suas
canções, em especial pelo tom de protesto que elas traziam, algo que naquele
mesmo período só era possível se escutar com o Rap, na boca de caras como Mano
Brown (dos Racionais Mc’s) e do Gabriel, O Pensador, outro que fez o caminho
inverso, foi do asfalto para o morro para ver “qualé que é”.
Chorão possuía toda a atitude Rock N’ Roll já tradicional de
astros que, como ele, subiam ao palco e faziam a galera pular com seu som. Ele nos
passava a imagem de “marrento” e encrenqueiro, e não fugiu dos estereótipos,
arrumando confusão com outros artistas (Marcelo Camelo manda abraços), com fãs
que questionavam as escolhas que ele e a banda haviam feito em sua carreira, e
com os próprios amigos de grupo, ocasionando até a separação do Charlie Brown
Jr. em 2005. Tudo isso, no entanto, era apenas uma imagem externa e precipitada
de um cara, apontado por pessoas próximas, como sendo o contrário disso. Nós que
não tivemos uma convivência com o cara, não precisamos nos ater apenas a
relatos de familiares ou amigos para sabermos quem, afinal, foi Alexandre Magno.
Sua obra era um diário aberto de sua vida. Suas músicas diziam tudo que ele
pensava, sentia e fazia, e não é difícil fazer uma bela análise da vida de
Chorão apenas ouvindo as músicas que ele escrevia.
Se por um lado “Rubão” ("Pago pra vê tcharroladrão"), “Confisco”
("Eu sou da lei seu trouxa, eu confisco") “Papo Reto” ("Eu vou fazer de um jeito Que
ela não vai esquecer") nos inspiram a gritar e entrar num bate-cabeça, Chorão
sempre soube dosar seu lado, digamos assim, mais sensível e romântico em letras
que todo cara gostaria de cantar um dia para uma garota. “Hoje eu acordei feliz”,
“Como tudo deve ser” e “Vícios e Virtudes” são bons exemplos que a “mente nem
sempre tão lúcida” de Chorão às vezes não queria tão somente protestar contra
as injustiças do mundo. Ele também era o cara que mesmo “achando legal ser
errado” queria conquistar a garota dos sonhos, e que a queria “levar dali”,
para um lugar melhor. Esse era o Chorão que nós aprendemos a gostar, e nenhum
de nós imaginava que seu fim seria tão semelhante ao de vários astros de rock
em decadência com a qual fomos obrigados a entrar de luto ao longo dos tempos. Uma
pena.
O dia 06 de Março começou triste com a notícia de que
Chorão havia sido encontrado morto em seu apartamento de Pinheiros. Recebi a
notícia logo de manhã pelo Twitter, e acompanhei por todo aquele dia o desenrolar dos fatos,
até saber que as circunstâncias de sua morte eram bem parecidas com a de outros
roqueiros como Kurt Cobain, que também havia sido encontrado morto em seu
apartamento depois de alguns dias. Embora algumas letras de suas músicas
("parecia inofensiva, mas te dominou") e sua atitude bad boy dessem indícios, eu
nunca imaginei que Chorão fosse um usuário de drogas hardcore, e demorei a
acreditar que essa fosse a principal causa de sua morte prematura. Infelizmente,
todos aqueles problemas que ele parecia ter superado vieram à tona ("o homem quando está em paz não quer guerra com ninguém"), e ele se
rendeu diante de um inimigo muito poderoso que parecia ter combatido a vida
todo e nos ensinado a também combater com sua música: As Drogas.
A meu ver o suicídio não é um ato de fraqueza extrema como
muitos apontam, e sim um ato de liberdade. A vida nos dá diversas maneiras de “lutar
pelo que é meu” e de encarar nossos problemas com coragem, mas nem
sempre somos fortes o suficiente, e todo mundo tem o direito de se render
diante de uma derrota iminente. Chorão se rendeu, e não acho que sua decisão
deva ser julgada, e sim tomada como lição. Se a separação da esposa Graziela Gonçalves, que muitos
apontavam ser seu Porto Seguro, o levou ao fundo do poço, talvez isso pudesse ser
reversível, mas ele decidiu não lutar contra isso e se libertou. Só podemos
desejar sorte a esse cara que inspirou grandes pensamentos e muita diversão com
sua música. Que agora ele encontre a paz que almejava, e que esteja “livre pra
poder sorrir, livre pra poder buscar o seu lugar ao sol”.
As músicas que Chorão escreveu continuarão a tocar ad
infinitum enquanto seus fãs recorrerem a seus versos para exprimirem algum
sentimento reprimido, e assim como todas as lendas do Rock, ele vai
ser lembrado mais por sua obra do que pelas circunstâncias trágicas de sua
morte. Com certeza ele já deixou saudades.
Por um longo período, Chorão, Champignon, Pelado, Castanho e todos que
vieram depois do fim da formação original do Charlie Brown Jr. fizeram parte de
nossas vidas, e continuarão fazendo, até mesmo porque a música e o Rock N' Roll são elementos que
nenhuma droga pode corromper, e isso só os loucos sabem.
NAMASTE!