Poucos artistas contemporâneos, sejam eles de teatro, cinema ou TV, podem ser reconhecidos ou reverenciados como mestres, e Francisco Anysio de Oliveira Paula com certeza é um deles.
No dia 23 de Março de 2012 a luz de Chico Anysio se apagou, depois de uma longa luta contra as complicações pulmonares causadas pelo tabagismo. Nessa data com certeza o riso se enfraqueceu, e o mundo tornou-se menos engraçado, pois é isso que acontece quando pessoas tão talentosas partem. Elas não só deixam saudades pra quem fica, mas também levam consigo parte da magia que fazia com que elas fossem especiais, tornando o que resta mais pobre. Sim, nesse dia, o Brasil se tornou mais pobre e sem graça.
Chico dedicou mais de seis décadas a sua carreira de ator/humorista/compositor/cronista/ e escritor, criou mais de 200 personagens e os encarnou ao longo dos anos tão perfeitamente, que quando criança, vendo seus programas na Globo, eu nem imaginava que se tratava da mesma pessoa que os interpretava. Assim como os Trapalhões, A Praça é Nossa e até mesmo o próprio Jô Soares, Chico era minha referência de humor na infância, e foi com ele que cresci sabendo o que era dar boas risadas. Chico não precisava apelar para grosserias, não precisava ofender ninguém e muito menos se render a escatologia. Seu humor era simples e direto. Ríamos porque era engraçado e era engraçado porque era feito com inteligência.
Como ele mesmo disse em uma de suas últimas entrevistas, “Só existe dois tipos de humor, o humor engraçado e o sem graça”.
Presente na Globo desde tempos imemoráveis, trazido para o canal pelo amigo Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o ex-todo poderoso da TV platinada), Chico fez parte não só da programação padrão do canal por vários anos como também fez parte da vida do público em geral. Tendo criado vários programas na TV ao longo das décadas, dois dos que mais me recordo são da Escolinha do Professor Raimundo e Chico Total, programa de humor ao estilo Zorra Total que passava em meados de 1997 no mesmo horário que o programa atual, aos sábados à noite. Nele, Chico desfilava seus diversos tipos toda semana, em sketchs que sempre traziam como convidados algum outro artista da Globo. Dentre vários os personagens que Chico interpretava estavam Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, Painho, Aroldo (aquele que era mais fingia que não), Bozó (que era uma clara alusão ao amigo Boni), Qualhada (o jogador perna de pau), Justo Veríssimo (o que quer mais que pobre se exploda), Nazareno (que adorava a empregada gostosa, mas que era casado com um tribufú) e o astro e símbolo "sesqual" e que é o "másquimo" Alberto Roberto.
Com certeza devido a maior exposição e também por ter tido um programa próprio nas tardes da Globo, o Professor Raimundo é o personagem mais conhecido do público brasileiro e também aquele pelo qual todo mundo aprendeu a ter mais carinho.
O Professor Raimundo não era exclusivamente o dono do bordão que todo assalariado costuma usar quando se maldiz de suas mazelas financeiras. Com ele, Chico Anysio serviu de escada para diversos outros atores e humoristas, e lançou também ao estrelato dezenas deles, artistas que hoje em dia são conhecidos e adorados graças a uma carteira que Chico lhes deu em sua Escolinha. Caras como Pedro Bismarck, o Nerso da Capitinga e Tom Cavalcante tiveram sua primeira chance no humorístico liderado por Chico, e atualmente dá pra matar as saudades do tempo em que as piadas não precisavam ofender ninguém para serem funcionais, pelo canal VIVA, onde a Escolinha é exibida nos domingos à noite.
Além das revelações de talentos, pela atração também passaram grandes mestres do humor como Costinha e Grande Otelo, e quem não se lembra dos personagens Seu Ptolomeu (interpretado pelo filho do Chico e dublador Nizzo Neto), Paulo Cintura, Castrinho, Baltazar da Rocha (Walter D'Ávila), Dona Cacilda (Cláudia Gimenez também lançada na Escolinha), Dona Maria da Glória (Tássia Camargo em sua fase de gostosa), Samuel Blaustein, o judeu avarento ou o Seu Boneco, “ligadão nas quebradas, chefia. Que hora que é a merenda?”, vivido por Lug de Paula, outro dos filhos do Chico? Quem viveu nessa época deve lembrar e com carinho desse tempo bom.
Depois do fim da Escolinha e também do fim de Chico Total, que mais tarde deu lugar a Zorra Total, Chico ainda voltou a interpretar seus personagens clássicos no programa que reunia os maiores nomes do humor do canal platinado como Nair Bello, Rogério Cardoso(da Escolinha também e da Grande Família), Nerso da Capitinga e Tom Cavalcante, antes de sua ida para a Record. Devido uma entrevista sincera para a revista IstoÉ, Chico acabou se indispondo com a diretora da Globo na época (Marluce Dias) e acabou enfrentando uma geladeira que durou quase dez anos. Chateado por estar fora do ar por tanto tempo e impossibilitado de deixar o canal onde ele se consagrara por medidas contratuais, Chico começou a dar entrevistas cada vez mais polêmicas para a imprensa o que ajudou a piorar o relacionamento dele com a grande “chefona” da Globo. Nada disso, porém, jamais impediu que o artista continuasse sendo um dos grandes ícones da TV brasileira de todos os tempos ou manchasse sua carreira gloriosa.
Depois da geladeira forçada, Chico retornou à TV, com a saúde já bem fragilizada e atuou em novelas como Sinhá Moça (o remake de 2006), Pé na Jaca (Novela de Carlos Lombardi de 2007) e em Caminho das Índias (de 2009). Também atuou como o pai do noivo na continuação de sucesso Se eu Fosse Você 2, filme que se manteve por muito tempo como uma das maiores bilheterias brasileiras do cinema. Falando em cinema, pra quem curte animação e em especial a dublagem brasileira, deve se lembrar que Chico deu voz ao velhinho rabugento Karl de UP – Altas aventuras, e esse foi provavelmente um de seus últimos trabalhos. Depois disso, o velho mestre começou a frequentar cada vez mais os hospitais do Rio de Janeiro apesar de viver em São Paulo, devido problemas de saúde, e jamais voltou à cena, para infortúnio de todos os seus fãs.
Chico se vai depois de 80 anos bem sucedidos de vida, deixando para trás um legado impressionante que poucos podem ter a honra de ostentar. Para o humor brasileiro fica uma lacuna irreparável e para o público em geral sobram as lembranças daquilo que ele mais sabia fazer: Graça.
Vai em paz, grande Mestre!
NAMASTE!
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