Diferente de 99,9% dos meus amigos designers gráficos, não sou mais um fiel seguidor xiita da seita de Burton (estou sendo sarcástico). Não acho seu estilo cinematográfico excepcional ou perfeito e no máximo acho criativas as propostas de cenários e figurino que ele arranja para cada filme (embora elas tenham se repetido bastante ao longo dos anos).
Me diverti em BeetleJuice (Os Fantasmas se Divertem de 1988), curti aquele visual dark que ele aplicou em Batman (de 1989), embora sua escolha para o papel principal seja discutível e me senti atraído pela história de A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (de 1999). Assisti a poucos filmes além desses dirigidos pelo esquisitão, mas nenhum que me marcasse pelo resto da vida.
Vi uma das poucas sessões em que Alice não estava sendo exibido em 3D (pra ver a minha sorte!), mas particularmente não senti tanta falta assim da nova marca do cinema moderno.
O filme me pareceu maçante nos primeiros vinte minutos e cheguei a me perguntar o que mesmo estava fazendo ali meio incomodado. Um pouco de paciência bastou para eu começar a me envolver com a história (sim, as vezes sou um pouco implicante), e mergulhar fundo na toca do coelho assim como as dezenas de expectadores deviam estar fazendo na sala naquele momento.
Todas as esquisitices costumeiras de Burton estão na tela, e os personagens bizarros do conto de Lewis Carrol ganham ainda mais verossimilhança nas mãos do talentoso diretor, embora a maioria deles seja construído com um CG que deixa um pouco a desejar para animações do mesmo gênero (e olhe que estamos falando de um filme da Disney!). Personagens que não são totalmente criados digitalmente (como o Gato e a Lagarta) possuem partes digitais (como o Valete de Copas que parece mais comprido do que o normal, num CG bem desajeitado) ou recebem expressões humanas (como os dois gêmeos gorduchos). Poucas partes do filme são totalmente "humanizadas" representadas por atores reais, e os próprios cenários se movimentam o tempo todo enquanto as cenas se desenrolam (essa talvez, seja a dificuldade em apreciar tudo sem o 3D). Aliás, nota 10 para os cenários, um ponto forte na arte de Burton.
Quanto às interpretações do filme, dou total destaque a Helena Bonhan Carter (a Belatriz Lestrange da série Harry Potter e esposa de Tim Burton), que cria uma Rainha Vermelha adorável de se odiar. O bordão "cortem a cabeça" (uma das únicas falas da qual me recordo do desenho Alice) fica hilariante a cada uma das dezenas de vezes que é repetido, e o talento de Carter como vilã é indiscutível. Sua caracterização também ajuda a criar um efeito adoravelmente repugnante à personagem (sem falar no tamanho exagerado de sua cabeça dado por efeito digital), e na história a Rainha Vermelha é mostrada como a real causadora do visual perturbador do País das Maravilhas após destituir a irmã, a Rainha Branca, do poder com a ajuda da fera alada conhecida como Jaguadarte (voz cavernosa e inconfundível de Christopher Lee).
Anne Hathaway como a irmã boazinha do reino também não compromete no papel da Rainha Branca. Por vezes ela dá um tom até engraçado a sua personagem, fazendo o expectador simpatizar com seu jeito desde o início quando muitos poderiam-na rotular de "fresca" por seus gestos sublimes. Como ela representa a bondade (algo que anda fora de moda), a tendência é repugná-la mais do que a Rainha Vermelha, mas pelo menos, a meu ver, não é o que acontece, mesmo ela estando sob quilos de maquiagem.
Johnny Depp empresta novamente seu talento ao diretor e amigo Tim Burton e nos presenteia com um papel engraçadíssimo, embora num tom de loucura mais moderado do que se esperava de um personagem chamado "Chapeleiro-Maluco". O ar meio apaixonado que ele lança para a crescida Alice parece destoar um pouco do personagem original, sem falar que a atitude guerreira de empunhar uma espada não parece lá algo que o Chapeleiro faria. Mas isso é claro, são apenas divagações de quem nem chegou a ler o livro de Carrol.
Pra terminar, a Alice crescida interpretada pela novata Mia Wasikowska (Skavurska!!) possui o tom perfeito da heroína, e mantém a mesma curiosidade e sagacidade da personagem da qual me lembro do desenho. As sacadas irônicas que ela usa com a família que está prestes a empurrá-la para um casamento de aparências e sua vontade de tomar as rédeas (enfim) de sua própria vida (tanto antes de entrar a toca quanto lá dentro) a tornam um personagem bastante interessante, e acho que Mia e sua Alice é a verdadeira responsável pelo encanto que me tomou o filme após os enfadonhos 20 minutos iniciais que descrevi acima.
Poucas coisas me incomodaram ao longo do filme, o que já é um lucro, visto que eu esperava dormir durante a exibição (olha a implicância de novo), mas de certa forma eu fui surpreendido por uma aventura bem estruturada e interessante de se assistir. Minha exigência cinematográfica não me deixou aceitar de bom grado alguns efeitos visuais como o do enorme cão (ou seja lá como isso se chama) que de início persegue Alice e seus amigos e depois a ajuda da metade do filme pra frente, e também a movimentação pra lá de desajeitada do Valete (Crispin Glover o Homem Magro e assustador de “As Panteras”). Passar Alice de uma princesa (?) em perigo e fazê-la trocar seu vestidinho azul por uma armadura de Joana D’Arc me pareceu meio forçado, mas tem muito a ver com o princípio que identifiquei no filme sobre amadurecimento e tomada das rédeas da vida, afinal, vestir uma armadura e empunhar uma espada é um sinal bem claro de coragem e posicionamento. Quando Alice decide ir embora do país das Maravilhas ela percebe que encontrou o amadurecimento que precisava e deixa de ser a menina sonhadora que se perde em divagações para se tornar uma idealizadora. É a única forma que consigo interpretar a frase final, em que ela se vira para o ex-futuro sogro e diz “Vamos conquistar a China!”, numa atitude pra lá de ousada.
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