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30 de julho de 2019

Review - O Rei Leão 2019


♫Nants ingonyama bagithi baba♪!!


O Rei Leão de 1994 é a animação da Disney mais importante na minha vida, isso porque foi o primeiro filme que eu assisti em um cinema. Eu era um moleque magrelo e cabeçudo de 11 anos, e lembro de ter ficado admirado por estar vendo uma projeção cinematográfica junto dos meus amigos de escola pela primeira vez na vida. O cinema era um daqueles de cidade do interior, pequeno e limitado por sua capacidade técnica, mas para o pouco que tínhamos na época, aquela foi uma das melhores experiências da minha infância. Os temas musicais do desenho naquele som alto, as imagens coloridas, a extraordinária dublagem brasileira, as lições do filme... Tudo aquilo me atingiu em cheio, e marcou para sempre o pequeno e tímido Rodman que ainda há em mim. Ver o remake de The Lion King 25 anos depois era algo importante para mim, e está na hora de comentar os erros e acertos da versão live-action (ou não) de uma das maiores animações dos estúdios Disney.


Antes de partir para o cinema e conferir a nova versão de O Rei Leão dirigida por Jon Favreau (o Happy Hogan de Homem de Ferro e também o diretor de Mogli - O Menino Lobo), eu fiz a lição de casa e REVI a animação clássica, algo que eu não fazia há alguns anos. Vale dizer que os primeiros minutos da canção "O Ciclo sem Fim" (versão em português de "Circle of Life") já fizeram esse velho escritor ir às lágrimas, algo que só acreditava que iria acontecer lá pelos 30 minutos de projeção mais ou menos, quando um certo leão despenca de uma certa montanha. Era a nostalgia que havia em mim fazendo efeito, claro, mas valeu pela comparação de sentimentos entre um filme e o outro. 


É importante pontuar que O Rei Leão de 2019 carece do peso dramático que a animação clássica carrega, traço que a tornou sucesso entre as crianças dos anos 90, mas é difícil comparar uma animação em 2D, com personagens antropomórficos (cheios de expressões humanizadas) com o desbunde visual em 3D que é a nova versão. 


Desde que o primeiro trailer  da adaptação foi veiculado, começou aquela discussão sobre o filme ser ou não considerado um live-action (que em geral é uma produção realizada por atores reais), e foi o próprio diretor que acabou tirando essa dúvida, ao dizer que há 1490 cenas renderizadas criadas por animadores e artistas de efeitos visuais no filme, e apenas uma cena produzida pela equipe de fotografia, ou seja, de um cenário real africano. 


A cena em questão é a primeira do filme, que mostra o amanhecer no cenário africano que qualquer pessoa no mundo seria capaz de reconhecer:

O único cenário real do filme

Eu não assisti o filme em qualidade IMAX, mas o que vi na cópia normal é de um absurdo visual que chega a impressionar na tela. Sabendo que tudo aquilo que foi apresentado é fruto de um estúdio e de uma equipe técnica, incluindo aí a movimentação dos animais (que em geral é o que MAIS entrega a imperfeição de uma animação), os cenários com árvores, montanhas e rios, não há como não dar os parabéns a Jon Favreau e os animadores da Disney pelo magnífico trabalho realizado nesses quase dois anos de produção. 


O filme anterior de Favreau para a Disney (The Jungle Book) também possui muitos animais criados em CGI, e com uma diferença de apenas quatro anos entre a produção de um e de outro já foram feitos avanços incríveis na computação gráfica, o que possibilitou uma imersão maior na história de O Rei Leão do que em Mogli, que possui uma animação menos bem cuidada devido a limitação da "época".

Os animais de The Jungle Book de 2016

 Com dez minutos de filmes você já percebe que não está vendo um filme qualquer de animação, e sim algo que beira a perfeição dos detalhes técnicos. É comum um designer gráfico assistir um filme procurando erros, algo para o qual nossos olhos são treinados a vida quase toda em pró do perfeccionismo, e devo confessar que não encontrei muitos dessa vez. 


E a história, Rodman? Segue o que foi mostrado na animação antigona dos tempos da vovó?

Sim, caro padawan geração Z! Jon Favreau tomou o cuidado de reproduzir a animação de 1994 quase que nos mínimos detalhes, sem trazer muita coisa nova para seu filme além de algumas cenas de ligação entre momentos importantes, como o que faz Nala, já adulta, tomar a decisão de procurar ajuda para salvar as leoas do reinado de terror imposto por Scar. A única cena de grande importância na animação clássica que foi retirada é a que Rafiki (dublado por John Kani, o Rei T'Chaka de Pantera Negra), o babuíno, ensina ao Simba adulto a importância de aprender com os erros do passado em vez de tentar esquecê-los. No live-action, logo que Simba vê a imagem do pai Mufasa no céu, ele já entende que precisa retornar para a "Pedra do Rei" e retomar seu lugar de direito, enquanto que na animação é Rafiki quem lhe dá um "empurrãozinho" antes disso. 


De resto, toda a animação clássica está lá, com um ou outro diálogo modificado, mas cuja essência permanece a mesma. O filme começa com os animais da selva africana reverenciando o nascimento de Simba abaixo da Pedra do Rei, logo em seguida vemos a disputa ideológica entre Mufasa e seu irmão Scar, que se sente enciumado pelo nascimento do sobrinho (herdeiro legítimo do "trono"), e que mais tarde o faz colocar a vida do leãozinho em risco na sequência do Cemitério de Elefantes, junto a amiguinha Nala. Toda a sequência entre o resgate de Mufasa aos dois filhotes no cemitério, espantando as hienas, e o estouro da manada de gnus que culmina na morte de Mufasa, é muito bem realizado visualmente, porém, não possui nem de longe a carga dramática que o desenho de 94 descarrega no espectador. Aqui pode haver algo de nostalgia e preciosismo em meu texto, talvez minha criança interior gritando tal qual um millenial mimado que "A MINHA ANIMAÇÃO É MELHOR QUE O FILME", mas a emoção não está visível nas expressões (ou falta de) do leãozinho Simba no momento em que ele vê o pai caindo do desfiladeiro para a morte ou quando o encontra já morto lá embaixo. Cara! Essa cena me destruiu na infância, e segue até hoje como uma das coisas mais traumáticas que já vi nos cinemas, mas no novo live-action não causou a mesma sensação. Como foi com vocês?


Sobre a "falta de expressão" dos animais do filme, é como já foi dito: Eles representam animais REAIS, e não é muito comum ver animais de verdade fazendo caretas ou arregalando os olhos em situações de perigo como é muito comum ver nos desenhos. As reações de espanto e apreensão estão visíveis em Simba pela sua postura. É um sutil mover de orelhas, uma rápida balançada na cauda que nos faz entender que ele está assustado ou com medo. Pare o que está fazendo agora e observe o seu gato aí deitado no sofá. Ele não vai fazer muitas caretas se sentir ameaçado, mas o seu corpo vai demonstrar o que ele está sentindo as vezes de forma sutil, como no filme. 

Pouca expressão ou MUITA expressão?

A história se segue, e é hora de sermos apresentados a dupla cômica Timão e Pumba, que são tão divertidos e engraçados quanto suas versões em 2D, que foram eternizadas naquele desenho que passava no Disney CRUJ do SBT em tempos remotos. 


Com piadas atualizadas, mas mantendo a essência da animação, os dois continuam tirando risos da plateia, o que consegui perceber na sessão em que assisti. 


A galera caiu no riso diversas vezes! 

É bem engraçado ver o suricato Timão realista se movendo rapidamente pelo chão como um furão ou parando de pé sob as patas traseiras como sua versão animada, mas é importante pontuar que o absurdo do personagem no desenho (como ele dançar Ula-Ula para atrair as hienas!) faz bastante falta. 


As hienas Shenzi, Banzai (que não chega a ser chamado assim no filme) e Ed (que fala normalmente e tem menos "problemas psiquiátricos" que do desenho) são bem mais sombrias e sérias que suas versões anteriores, e por todo o filme o trio está sempre acompanhado da alcateia inteira de hienas que mais tarde ajudam Scar a reinar. 


Durante o filme, com nossa visão adulta e entendendo que aquilo é uma fantasia beeeem amena do que é a natureza real, é possível perceber alguns equívocos conceituais que a história traz, como os animais reverenciarem o "rei" leão que mais tarde vai matá-los sem qualquer piedade para se alimentar, ou a tal história do "ciclo da vida" em que os antílopes irão se alimentar do gramado que cresceu sobre os corpos de leões mortos (algo do qual Timão e Pumba riem desenfreadamente pela noção de cadeia alimentar que eles têm nítida em mente). 


A grande injustiça cometida em O Rei Leão, porém, é a de que o macho-alfa (no caso Scar) sai para caçar enquanto as leoas aguardam que ele traga o alimento. No filme, Scar e as hienas caçam a comida, e ele ameaça Sarabi (a mãe de Simba, dublada na versão original por Alfre Woodard, a Mariah da série Luke Cage) de que ela ficará sem alimento caso não aceite ser sua rainha. Na vida animal TRUE, é a leoa quem sai pra caçar, enquanto o leão posa de "rei" na alcateia, por isso é dado um pouco mais de evidência a personagem de Nala, que desde filhote se mostra mais hábil que Simba no combate corpo-a-corpo. 


Claro que o fato da poderosa Beyoncé ser a voice-actress da Nala adulta no filme conta bastante também para seu destaque, que na animação de 2019 é bem mais decisiva que sua versão de 1994, servindo não só como a "companheira" do futuro rei, como também a "voz" de coragem da alcateia, levando as leoas a combaterem os mandos e desmandos de Scar.


Falando da atuação dos atores e atrizes que deram vida aos personagens em CGI, apesar da força desse elenco, é importante dizer que em alguns momentos é meio decepcionante ouvir os diálogos entre eles, como se faltasse um pouco de "mojo" em suas interpretações. A própria Beyoncé parece pouco à vontade em dar voz a Nala logo que ela surge na floresta depois de perseguir o gorducho Pumba, e suas falas só vão ganhando força posteriormente, no decorrer da história. 

Chiwetel Ejiofor

O mesmo acontece com o
Chiwetel Ejiofor dublando Scar, soando em grande parte do filme contido demais, o que é imensamente recompensando na canção "Be Prepared" em que ele canta a plenos pulmões, lembrando a performance de Jeremy Irons e seu sotaque britânico evil, com a mesma canção em 94. 

O elenco de O Rei Leão 2019

A dupla Billy Eichner e Seth Rogen, por outro lado, parece esta bem afinada com seus personagens, e tanto nos diálogos cômicos quanto nas canções de Timão e Pumba, os dois conseguem divertir igualmente, a exemplo do que fizeram Nathan Lane e Ernie Sabella em 94 na versão americana, e também nossos queridos dubladores brasileiros Mauro Ramos (Pumba) e Pedro de Saint Germain (Timão), ator que faleceu recentemente, deixando muita saudade de sua dublagem épica com o suricato magricela. 

Billy Eichner e Seth Rogen

Donald Glover como o Simba adulto é um dos melhores em cena, dando leveza ao personagem em sua versão "Hakuna Matata" com os amigos trapalhões na selva, e força quando Simba retorna para tomar o reino de seu pai de volta.

Donald Glover

Tanto cantor quanto ator, Glover impressiona na música "Hakuna Matata", tema icônico da animação clássica, e seu dueto com Beyoncé em "Can You Feel the Love Tonight" é lindo... Apesar da cena em si perder um pouco da essência por se passar DE DIA! Em tradução livre a música quer dizer "Essa NOITE posso sentir o amor" ou como ela foi traduzida para o português "Essa NOITE o amor chegou". Porra, Jon Favreau!

Esse DIA o amor chegou!

A única voz mantida da animação clássica foi a de James Earl-Jones, que nos dois filmes interpreta Mufasa. A imortal voz do Darth Vader soa imponente nos ensinamentos do experiente leão a seu filho Simba, e foi uma homenagem justa de Favreau a esse que é um dos melhores voice-actor de todos os tempos. 


No Brasil, as vozes dos personagens ficaram a cargo de Saulo Javan (Mufasa), que substituiu o inesquecível Paulo Flores, o intérprete do personagem em 1994, falecido em 2003, Graça Cunha (Sarabi) no lugar da icônica Maria Helena Pader, Rodrigo Miallaret (Scar) no lugar do insubstituível Jorgeh Ramos, falecido em 2014, Ivan Parente e Glauco Marques dublam Timão e Pumba e os astros globais Ícaro Silva e a cantora e atriz Iza dão voz a Simba e Nala adultos respectivamente. Pra quem assistiu a versão dublada, não faltaram críticas ao trabalho realizado pela equipe brasileira, o que é uma pena, considerando o legado que a animação de 1994 carrega como uma das mais perfeitas dublagens nacionais de todos os tempos. 

O elenco brasileiro de dubladores

Apesar de não ter toda a emoção que o desenho tem, O Rei Leão é um filme muito bom, que impressiona com o CGI quase perfeito dos animais selvagens e que não deve decepcionar a criançada que nunca deve ter ouvido falar da animação de 1994, ou que nem sabe o que é um videocassete para ver o VHS verde de O Rei Leão. 


O Rei Leão de 1994 faturou nas bilheterias US$ 968 milhões, ficando na 44ª posição do ranking de maiores bilheterias do mundo (pouco acima de The Jungle Book, de Jon Favreau, com US$ 965 milhões). The Lion King de 2019 já está perto de faturar US$ 1 bilhão nas bilheterias até o término desse post, e provavelmente vai brigar pelo topo da lista, já que só está em sua terceira semana de exibição.     

O Rei Leão (1994): Nota 10
O Rei Leão (2019): Nota 9

P.S. - A trilha sonora do filme é assinada por Hans Zimmer, assim como a do filme dos anos 90, e mesmo as versões novas de canções clássicas como a própria "Circle of Life" impressionam bastante. A canção "Spirit", em que Beyoncé canta solo é bem emocionante, e vale a pena ouvir a soundtrack completa.

P.S. 2 - Na época da animação, o chiclete PING PONG lançou o álbum de figurinhas de O Rei Leão, e eu e minha irmã ficamos com algumas cáries na tentativa de completar o álbum! 


NAMASTE!

21 de julho de 2019

Do Fundo do Baú - Hellboy



Na primeira década do século XXI eu cursei a graduação de Design Gráfico, e um dos meus semestres preferidos foram com as aulas de cinema da professora Maria Goretti Pedroso. Nele aprendíamos a decupar um filme inteiro e enxergar obras cinematográficas como algo mais do que duas horas de diversão em frente a tela. Depois daquelas aulas, eu nunca mais encarei o cinema como apenas uma diversão de momento. O texto abaixo é uma resenha que escrevi sobre o filme Hellboy (2004) para a matéria de Vídeo Design, e ele foi um dos motivos que me fez querer escrever para o Blog do Rodman posteriormente. Bora relembrar um dos mais bem feitos filmes de super-heróis do cinema, lançado há 15 anos?

Hellboy

Em 1944, os nazistas estão com a guerra praticamente perdida, e só um milagre, ou algo terrivelmente contrário a isso, pode fazê-los reverter essa situação. Grigori Rasputin conselheiro místico dos Romanov, é o homem que aceita o desafio de perpetrar tal milagre, e utiliza seus conhecimentos sobre ocultismo para mesclar ciência e magia negra, a fim de trazer para a Terra Ogdru Jahad, os Sete Deuses do Caos. A ideia por trás de suas intenções malignas é clara: Vencer os inimigos com o poder de Jahad, destruir o mundo e das cinzas fazer renascer um novo Éden.


O clima é sombrio, os soldados americanos orientados pelo jovem Trevor Bruttenholm (ou Dr. Broom), o consultor pra assuntos paranormais do Presidente Roosevelt, estão perto da Costa da Escócia, designados para impedir os planos diabólicos dos nazistas. A chuva torrencial que cai, aumenta o clima nebuloso, os soldados estão assustados, e a cena do filme a todo momento permanece em nuances de prateado e azul, reforçados por efeitos de coloração pós-produção. A trilha sonora sofre um crescente quando enfim é mostrado o ritual onde Grigori, junto a seus dois asseclas, Kroenen e Ilsa, estão preparando a chegada de Ogdru Jahad, e o Dr. Broom, desesperado, pede para que o exército interfira. O local então é invadido, e começa uma batalha para tentar impedir que Rasputin libere os Sete Deuses do Caos com o portal que já está aberto.


No início do conflito o Dr. é atingido com um tiro próximo do joelho direito, e começa a se rastejar enquanto o assassino Kroenen derrota vários soldados ao mesmo tempo com tiros, depois com duas lanças que saltam de seus antebraços. O vilão já demonstra que não é um mero mortal, como anteriormente o próprio Dr. destaca num diálogo entre ele e um soldado. Ele é baleado e nada acontece. Observando o Dr. a se rastejar ferido enquanto vence os adversários, Kroenen nota que suas intenções podem colocar o plano de Rasputin em risco, e o vê arremessando uma granada contra o portal. Antes que ela exploda, Kroenen tenta em vão apanhá-la entre as engrenagens, e logo em seguida de ter os dedos da mão decepados  pelo aparelho que gira energizado por uma manopla controlada por Rasputin, Kroenen é arremessado pela explosão, e acaba empalado contra uma parede por um restolho da máquina que é destruída. A ação de Broom faz com que Rasputin perca o controle sobre as energias que mantêm a fenda dimensional aberta, e ele é sugado pelo portal, desaparecendo em pedaços. Ilsa é a única que escapa com vida, sabendo que terá muito tempo pela frente graças a um “encantamento” feito por seu amante Rasputin.

Embora tenha impedido a vinda de Ogdru Jahad à Terra, o Dr. Broom sabe que o portal ficou aberto por tempo suficiente para que algo possa ter atravessado. Enquanto cuida dos ferimentos e se protege da chuva dentro de uma caverna, enfaixando a perna atingida pelo tiro, o Dr. conta a história de Rasputin para um soldado. Alguns relatos, até então dados como reais, se estudados, dão conta que o homem já sofreu todo tipo de tortura e permaneceu vivo. Nesse meio tempo, algo se move rapidamente dentro da caverna, e logo o Dr. e o soldado vêm uma criatura vermelha a saltar assustada ante os tiros disparados pelo homem. O monstrinho é confundido de início com um macaco e o Dr. Broom logo percebe que a criaturinha vermelha não é o que parece e que só está com medo. Oferecendo-lhe um chocolate, Broom ganha-lhe a confiança e o acolhe logo depois que ele salta para seus braços. A criatura logo é identificada como um menino demônio, e todos os soldados se afeiçoam a ele, batizando-o de Hellboy. Tem início então toda a história do filme. 

   
Desde o início do filme Guillermo Del Toro, o diretor e roteirista da película, procura fielmente transpor o clima dos quadrinhos criados por Mike Mignola para a tela, recriando todo o universo anterior à primeira aparição do menino demônio, ainda em meados de 1944. Mignola que esteve presente em toda a produção auxiliando Del Toro na transposição de seu personagem para o cinema, participou ativamente, o que tornou Hellboy um dos filmes inspirados em heróis de quadrinhos mais fieis dos últimos anos. A sequência inicial, ambientada na Costa da Escócia, mostra de forma competente todo o clima de guerra, e mostra uma ameaça nazista iminente que precisa ser detida a qualquer custo. A interação entre os personagens principais, Dr. Broom e o General, as pitadas de sarcasmo do militar em relação ao cargo de Broom, à sua religião e a sua forma pouco convencional de demonstrar os fatos serve perfeitamente como contraste com a malignidade de Rasputin e seus asseclas, que em nome do Führer, desejam libertar os Sete Deuses do Caos para instaurar a destruição na Terra e consequentemente a vitória sobre os inimigos. Tudo é ambientado para realmente parecer algo maligno, e o posicionamento de câmera, bem como a cenografia e a iluminação, aliados aos efeitos visuais (da manopla de Rasputin ao próprio portal que ela abre), tudo se encaixa perfeitamente presenteando o espectador uma das mais belas sequencias do filme inteiro.


60 anos se passam desde a primeira sequência, e então é hora de conhecer os personagens que farão parte do restante do filme. Já sabemos qual a origem (infernal) do menino demônio, e somos transportados diretamente para seu presente, que eles chamam no filme de dias atuais. Uma ótima sequência de imagens sobrepostas, vídeos e vozes num rádio nos ambientam, e informam que Hellboy (Ron Pearlman) agora é uma espécie de lenda urbana. Ele vive no Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal, a agência criada por Trevor Bruttenholm (o homem que o criou desde garoto como um pai, vivido por John Hurt), com o consentimento do governo e que existe disfarçada como uma empresa de reciclagem de lixo. O espectador é levado para o interior do Bureau junto ao jovem agente do FBI John Myers (vivido por Rupert Evans), que é escolhido entre vários agentes (mais de 70 candidatos graduados) pelo próprio Dr. Broom, que descobre que está morrendo de uma misteriosa doença. Preocupado em deixar seu filho sem assistência, ele vê em Myers um sucessor responsável a altura para auxiliar Hellboy, e o apresenta ao fantástico mundo dentro das paredes do Bureau. Myers se depara com o homem-peixe denominado Abraham Sapien (Doug Jones), aparentemente encontrado por acaso há muitos anos atrás (precisamente no dia em que o então Presidente americano Abraham Lincoln faleceu). Fica no ar um mistério de o que realmente Sapien é, um experimento genético, um mutante ou uma criatura evolutiva, mas Del Toro não se preocupa em esclarecer tais dúvidas do espectador, como acontece frequentemente durante o filme.


É chegada a hora então do coadjuvante se encontrar com o personagem título, e uma breve passeada pelo “quarto” de Hellboy nos mostra um pouco de sua personalidade. Somos auxiliados pelo agente Clay, até então o “babá” do demônio, para entender um pouco mais como ele é, e Myers se depara com um lugar infestado de gatos, vários televisores ligados mostrando a mesma moça (mais tarde descobrimos se tratar de Liz Sherman) e o homem-demônio a se exercitar enquanto fuma um charuto. A surpresa de Myers ao ver Hellboy é hilária, e vamos nos acostumando a personalidade “certinha” do personagem, que contrasta com o humor seco e as vezes sarcástico do personagem principal.  Pai e filho estão brigados, e “de castigo” Hellboy está preso no quarto por causa de suas aparições públicas sem autorização. Broom deixa claro que quer Hellboy nas ruas apenas para combater monstros.


A sequência seguinte, uma das mais bem realizadas em matéria de dinamismo, mostra exatamente Hellboy em ação, logo que um sinal de emergência soa no Bureau. Após o panorama geral dos personagens, é hora de ver o Vermelho trajado pela primeira vez com seu “uniforme de combate”, o mesmo sobretudo marrom amarfanhado que ele usa nos quadrinhos. Abe Sapien, pela primeira vez em cena fora do "aquário" em que foi apresentado, mostra que pode sobreviver fora da água com um suporte que mantém hidratada suas guelras, outro cuidado que Del Toro tomou para transpor o personagem o mais fiel possível à tela. Trazido a cidade dentro de um caminhão de lixo camuflado, Hellboy, Sapien, Dr. Broom e Myers são levados até a Biblioteca da cidade, que naquele momento está isolada por faixa policial com algo anormal preso lá dentro. A essa altura já sabemos que todos os vilões principais estão de volta, e após mais uma ressurreição, Rasputin está ligado inteiramente à criatura no interior da biblioteca.

   
Rasputin agora renascido, em mais uma de suas tentativas de abrir o caminho na Terra para o que ele chama de Mestre, desperta a entidade conhecida como Sammael para provocar o caos. Em mais um de seus rituais, ele lança um feitiço na criatura, de que sempre que tombar, duas novas entidades se erguerão em seu lugar, criando assim um ciclo infinito. Sem saber disso de início, Hellboy se digladia com o monstro dentro da biblioteca, e descobre que ele se alimenta de pessoas. Ao ser arremessado para fora do prédio com um golpe, ao cair, Hellboy se encontra pela primeira vez com Rasputin que o chama de filho e lhe fala sobre seu verdadeiro nome. Intrigado, Hellboy aponta-lhe a arma, mas só encontra o vazio.


A sequencia seguinte é uma das mais impressionantes do filme. Sammael ganha as ruas, e Hellboy tem que persegui-lo para tentar detê-lo. O filho do inferno é ferido pela língua da entidade que se enrola em seu braço mais frágil, e Myers aparece para impedir que maiores danos sejam causados ao parceiro, que reluta a aceitar ajuda. Sammael salta entre prédios num belíssimo enquadramento de câmeras, o espectador se sente dentro da cena por algum tempo, e a computação gráfica trabalha muito bem a favor do filme. O monstro muito bem construído digitalmente passa toda a sensação de peso (quando pisa sobre um furgão, por exemplo) e seus movimentos são muito realistas. A perseguição leva Hellboy até um lugar movimentado onde ele encontra civis desprotegidos em meio a uma festa de Halloween, e após lançar uma bala sinalizadora na criatura, fica fácil seguir o rastro verde que ele começa a deixar para trás. Curioso na cena de perseguição, é que em um dado momento Hellboy salta de um prédio para cima de um caminhão, e nesse primeiro corte de imagem, nota-se com certa facilidade que ele pousaria de pé sobre o veículo, até porque não daria tempo dele pousar de outra forma. Há um corte de câmera para mostrar Sammael no chão a observá-lo, e quando a câmera volta para Hellboy, ele está caindo sentado sobre o carro.


A cena se desenrola até o túnel do metrô, onde Hellboy volta a perseguir Sammael, que desaparece durante algum tempo enquanto o herói procura se desvencilhar do condutor do Metrô que o espanca com um extintor. Outra cena curiosa é quando Hellboy toca os chifres em brasa por causa da fricção de ter sido "atropelado" pelo Metrô. Até então nenhuma informação nos é passada sobre sua invulnerabilidade a fogo, embora já possamos desconfiar por ele ser um demônio, mas ele sente dor quando toca os chifres. Por que ele sente dor? Por que está quente? 

  
A batalha entre Hellboy e Sammael se encerra com o herói eletrocutando a criatura utilizando a energia elétrica dos trilhos. Nessa cena então, através do comentário dele, descobrimos que ele é invulnerável a fogo por não ter sofrido nada com a descarga elétrica que dá cabo de Sammael. Computação gráfica é utilizada novamente para simular a briga entre os dois, e dessa vez a animação deixa um pouco a desejar. As feições de Hellboy estão horríveis, e ele se assemelha mais ainda a um macaco (como por vezes é chamado durante o filme). Nada, claro, que comprometa o desenrolar de uma das melhores cenas de ação do filme.


Hellboy é uma das adaptações de quadrinhos para cinema das mais competentes graças ao talento de Guillermo Del Toro e suas percepções de retirar o que há de melhor da HQ de Mike Mignola para seu filme. Ele dá destaque para personagens que crescem sozinhos como o torturado e aparentemente imortal Kroenen, que mostra toda a intimidade que possui com suas lanças. Liz (Selma Blair) também ganha força no decorrer da história, não só porque ela aprende a controlar os dons mutantes sobre o fogo, mas porque ela se torna o maior pronto fraco de Hellboy, quando ela vira prisioneira de Rasputin que a usa para forçá-lo a "aceitar" seu destino. É revelado que Hellboy é na verdade Anung un Rama, filho de Satã, e o homem destinado a permitir a entrada dos Sete Deuses do Caos na Terra. Um reinado de terror tem início, numa imagem em flashforward vislumbramos qual é a verdadeira missão de Hellboy na Terra, e o verdadeiro motivo pelo qual Rasputin o invocou na década de 40. Ele deve dominar o mundo, e o amor por Liz, e a vontade de reaver sua alma, o faz esquecer quem o Dr. Broom o ensinou a ser. Mais homem do que demônio. Felizmente a figura de bondade no agente Myers o faz relembrar disso no último instante, e ele quebra o elo de seu braço com a chave que abriria o portal para a entrada de Ogdru Jahad na Terra. A derrota de Rasputin e logo em seguida a do demônio cheio de tentáculos que ele libera de seu corpo, sela a primeira aventura de Hellboy nos cinemas, e Guillermo Del Toro finaliza sua história com grande estilo, deixando bastante pontas para serem aproveitadas numa sequencia do filme.

Hellboy é um filme bem menos comercial do que a maioria cujo tema é super-herói, e por ser uma obra de fã, tem todo um cuidado técnico a ser levado em consideração. A fotografia do filme é magnífica, as cores realçadas em pós-produção saltam aos olhos, deixando o vermelho da pele do personagem mais vivo e todas as outras cores em destaque. Cenas como as do início sob chuva, como as da perseguição pelas ruas e a do incêndio no hospital de Liz são memoráveis. Houve todo o cuidado para que o filme se tornasse realmente uma obra prima, e só não beira a perfeição devido os furos no roteiro. Del Toro deixou todo o clima dos quadrinhos envolverem o filme, mas as vezes o que funciona em uma HQ nem sempre funciona da mesma forma no cinema. Em alguns casos, nos sentimos perdidos com os personagens, e sente-se uma necessidade óbvia de conhecer os quadrinhos para poder entender melhor o filme, o que não devia acontecer. A grande parte da história é simples de entender, mas algumas origens são simplesmente ignoradas, como a de Kroenen, por exemplo.

Como pontos fortes, é impossível não citar a atuação de Ron Pearlman, que encarnou o demônio vermelho como poucos o fizeram num personagem de quadrinhos. Mesmo sob quilos de maquiagem, ele dá o carisma necessário ao personagem, e seu humor ácido e por vezes sarcástico o dá um quê de engraçado que conquista o espectador. Ele pode ser feio, ele pode ser um demônio, mas não deixa de ser o herói (ou anti-herói) pela qual torcemos. O talentoso Doug Jones que empresta seus gestos para o cativante Abe Sapiens também dá show, e embora a voz do personagem não seja sua, ele dá todo o tom fantástico ao homem-peixe, e cria o segundo personagem mais interessante do filme. Sua maquiagem também é uma das mais perfeitas, e quase nos esquecemos que não estamos olhando para um homem meio peixe de verdade dado a naturalidade com que Jones atua.


Com a clara escolha de Del Toro por uma adaptação mais fiel da HQ fica fácil perceber no filme os ângulos, iluminação, cores e todo tipo de aspecto estético presente nos quadrinhos de Mike Mignola, reproduzidos de maneira mais que eficiente na tela. Assim como em termos de direção isso é uma vantagem para o filme, deixando-o com o mesmo toque belo e sombrio que possui na revista, há de negativo apenas os exageros cometidos em algumas cenas, mas que passam perfeitamente despercebidas se levarmos em conta que sim, aquela é uma obra baseada em quadrinhos.  

Hellboy teve um orçamento de US$ 66 milhões e faturou apenas US$ 99,3 milhões. Ganhou uma sequência em 2008, Hellboy 2 - O Exército Dourado, também dirigido por Del Toro que faturou US$ 160,4 milhões, e por muitos anos falou-se numa sequência que nunca aconteceu, embora Ron Pearlman fizesse campanha à favor. Em 2019 o filme foi rebootado por Neil Marshall com David Harbour no papel principal, mas o filme fracassou nas bilheterias, rendendo menos que seu orçamento. 
Essa resenha foi escrita entre 2006 e 2010, e eu tirei 10! 

NAMASTE!           

12 de março de 2012

Galeria do Rodman #7

Houve uma época em que eu parei de simplesmente copiar os desenhos dos meus personagens preferidos, como fiz durante um longo período da minha infância, e passei a criá-los, imaginando novas poses, cenários próprios e um design de montagem diferente do que eu via nas HQs. Claro que nunca fiz nada 100% inovador ou inédito, mas alguns dos desenhos que eu fazia com certeza não poderiam ser achados no Google, por exemplo. Era algo meu, desenvolvido e colorido por mim.
Além de encontros inusitados como Conan e Glory (aquela da Image) e Wolverine e Tomb
Raider
, eu imaginei também parcerias mais tradicionais como Wolverine e Elektra, o que acabou rendendo o trabalho publicado nesse post.
A ideia inicial era mostrar Elektra (sim, de novo ela!) como a ninja gostosa que ela é, com aquela pose típica de capa de Playboy em que a modelo vira pra galera e mostra a bundinha na hora da foto.

Aiie, Rodman. Como você é tarado!

E quem não é na adolescência, caro padawan?


Para o Wolverine, eu queria algo menos animalesco como era de costume, e decidi trajá-lo com uma roupa de ir comprar pão na esquina, calça jeans e camiseta.
Todo mundo imagina o Wolverine com aquela cara de enfezado, mas decidi fazê-lo mais próximo ao que o Hugh Jackman representa para o personagem no cinema, o de galã com garras de adamantium, e usei referências fotográficas para compor a imagem tanto do carcaju quanto a da Elektra.


Mas, Rodman, isso não combina com o personagem!


Ué! Vai lá e fala isso pra Fox que colocou o Jackman (de quase um metro e noventa) pra interpretar o baixinho canadense!
Admito que na hora da adaptação, ao tentar refinar o traço e deixar o desenho mais realista, eu cometi alguns erros de anatomia. Reparem no braço esquerdo do Logan. É impossível que o membro esteja nessa posição sem que ele tenha ejetado as garras no próprio saco!

O braço direito da Elektra que segura a sai também está meio desajustado e foi complicado encaixá-lo ali de forma que parecesse que ela estava apoiando a arma ninja no braço esquerdo.



Para publicar o desenho (feito em 2004) no blog dei uma mexida nas cores, tirei algumas sujeiras do lápis e aumentei alguns efeitos de brilho e sombra, utilizando o Photoshop. No traço não mexi um centímetro, por isso, o que ficou ruim no original, continuou ruim na cópia.

Mas quem liga?


O Rob Liefeld está no mercado de quadrinhos até hoje cometendo erros grotescos de anatomia e ainda o pagam por isso! Sendo assim, que mal há num bracinho retorcido, não é mesmo?


Você pode estranhar também a aparência meio de fracote do Logan, mas a ênfase nesse desenho era mesmo na gostosura da Elektra.
Aliás, se você olhou bem para o desenho, duvido que tenha reparado nos erros de anatomia do Wolverine até eu comentar!

Como as demais artes da Galeria, eu rascunhei o desenho com lápis HB e reforcei o traço com o 2B. Detalhei cabelos, olhos e algumas partes das vestimentas com caneta esferográfica e só depois eu colori com lápis de cor seco e giz de cera vermelho pra aumentar a pigmentação.

Não fazia ideia do que colocar no cenário (aprendiz do Liefeld detected!!) então enfiei um ninja do Tentáculo da forma mais clichê possível, além dos logotipos dos dois personagens e alguns kanjis orientais.

CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR

Devo admitir que esse não é um dos meus trabalhos preferidos, mas vale ser colocado na galeria pela diversão de revisitar um desenho feito há oito anos atrás.


NAMASTE!

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