O jabá gratuito agora é da Netflix e o Combo Breaker do Oscar dessa vez vai prestigiar três produções que constam no catálogo da locadora vermelha e que estão disponíveis para serem vistos AGORA.
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A VOZ SUPREMA DO BLUES
Lançado direto na Netflix e dirigido por George C.
Wolfe, A Voz Suprema do Blues (“Ma Raineys’s Black Bottom”) se passa nos anos
20 e narra um dia de gravação em estúdio de Ma Rainey, a cantora que é conhecida
como a “Mãe do Blues” por ter popularizado o estilo musical na América. Enquanto a
personagem vivida magistralmente por Viola Davis (ganhadora do Oscar de Melhor
Atriz Coadjuvante em 2017 por “Um Limite Entre Nós”) precisa se impor para que seu
trabalho não seja controlado pelos empresários brancos a seu redor, nós somos impactados pelo imenso talento da atriz que interpreta a blueseira de maneira visceral, firme e colérica.
Em paralelo à história da Mãe do Blues, nós vemos os
desentendimentos da artista com seu trompetista Levee (Chadwick Boseman), um
rapaz cheio de mágoas do passado que de maneira ambiciosa sonha com sua
própria carreira musical, à frente de uma banda e independente de Ma Rainey.
A Voz Suprema do Blues é o clássico “filme de Oscar” cheio
de diálogos intensos, interações fantásticas entre bons atores e interpretações
que a gente já imagina no telão no dia do anúncio de “melhor ator/atriz”. Tanto
Viola quanto Chadwick estão fulgurantes em cena e é impressionante imaginar que
aqueles personagens — que são baseados em pessoas reais — não são exatamente do
jeito que ambos interpretaram.
Como não podia deixar de ser — afinal é um filme com “blues”
no nome — as sequências musicais são excelentes e mostram que tanto Viola quanto
Chadwick se prepararam para seus papeis. Embora tenha sido dublada posteriormente
pela cantora de soul music Maxayn Lewis no filme, a intérprete de Ma Rainey
soltou a voz mesmo durante as gravações, tanto que é ela cantando durante
a canção “Those Dogs of Mine”. Já Boseman, em pró de passar maior veracidade a
seu personagem, estudou trompete antes das gravações para poder dedilhar
corretamente o instrumento e passar a imagem de virtuosismo. No documentário “Chadwick
Boseman Para Sempre” — também disponível na Netflix — alguns músicos
instrumentistas elogiam a performance do ator no filme e comentam que ele se
dedicou realmente a seu papel de Levee.
Já visivelmente abatido e ofegante em algumas cenas mais
pesadas, o ator de 43 anos quis fazer de seu último papel um dos melhores de
sua curta carreira e a intensidade de seu personagem tirou de Boseman uma
atuação, sem meias palavras, digna de aplausos. Com o tempo a gente se acostuma
a ver filmes medíocres pipocas que não exigem muito de seus atores, assim como
personagens vazios que não têm nada para dizer, mas quando nos deparamos com algo
como A Voz Suprema do Blues, é preciso elogiar e elogiar muito.
Tendo como
coadjuvantes nomes como Glynn Turman (o Toledo), Colman Domingo (Cutler) e
Michael Potts (Slow Drag), todas as interações de Levee com seus colegas de
banda são maravilhosas, bem como os diálogos e provocações entre eles até o
desfecho chocante da história. O monólogo em que Levee explica sua aparente subserviência ao produtor branco Sturdyvant para os colegas, relacionando aquilo à maneira como seu pai reagiu no passado após o estupro da sua mãe por um grupo de homens brancos — e como ele os caçou um a um — é com certeza o ponto alto do filme, e a entrega do ator fica evidente tanto em seu olhar quanto em sua voz. Se Boseman ainda tinha algo a provar para alguém
sobre seu talento cênico, agora não tem mais.
A Voz Suprema do Blues disputou as categorias do Globo de
Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático e Melhor Ator em Filme Dramático, dando
o prêmio póstumo a Chadwick, que faleceu em decorrência a um câncer em agosto
de 2020. Viola Davis e Boseman também disputam o Oscar na mesma categoria e o
filme ainda concorre às estatuetas de Melhor Design de Figurino, Melhor Design
de Produção e Melhor Maquiagem e Penteado.
MANK
Cidadão Kane (1941) de Orson Welles, é considerado até hoje
o melhor filme da história e é um consenso entre 10/10 estudantes de cinema
sobre sua qualidade narrativa, sua montagem e edição pouco ortodoxa para a
época. Se nós ficamos impressionados com a maneira não-linear com que Quentin
Tarantino costumava contar suas histórias nos anos 90, Welles em seu primeiro
filme nos anos 40 já fazia isso e de maneira muito talentosa.
O que pouca gente sabia é
que muito das peripécias cinematográficas experimentadas por Welles na época
provinham especialmente de um roteiro muito bem escrito que NÃO pertencia ao
genioso e arrogante diretor — cria do rádio, onde fez muito sucesso com
sua famosa transmissão de A Guerra dos Mundos — e sim de Herman J. Mankiewicz, um
roteirista quase em fim de carreira que fez de Cidadão Kane sua obra-prima.
O filme Mank dirigido pelo badaladíssimo David Fincher (de
Clube da Luta e Se7en) narra a história de Mankiewicz dos áureos anos 30 até a
conclusão de seu trabalho, encomendado pessoalmente por Orson Welles. Enquanto
luta contra o alcoolismo, um casamento à beira do colapso e problemas de saúde
decorrentes de um acidente automobilístico, Herman se vê pressionado a escrever o
roteiro que vai tirá-lo do ostracismo e devolvê-lo ao estrelato hollywoodiano
onde ele já esteve diversas vezes.
Verdade seja dita, o ritmo de Mank é horrível. Com bem mais
de duas horas de projeção, a história se arrasta até sua conclusão e causa
bastante sono em seu longuíssimo caminho. Além de passar por nossos olhos com passos de tartaruga, o filme
tem uma montagem estranha e enquadramentos de câmeras que dão pouco destaque
aos atores, sempre mostrando tudo muito de longe e não se preocupando em
identificar os personagens. A passagem de tempo e o vai e volta na linha narrativa mostrando em flashbacks o que levou Mank ao quase esquecimento é muito bem marcada com legendas óbvias na tela, mas isso não faz com que o ritmo melhore.
A história tem um fundo político muito intenso,
envolve nomes reais dentro da ficção, fala da eterna briga entre democratas e
republicanos, comunismo, nazismo, mas passa muito superficialmente pelas
características de tudo isso, deixando vago quem é quem e qual sua real
importância dentro da trama. Muita coisa passou simplesmente batida por mim ao
longo do filme sem que eu conseguisse sequer entender nos diálogos e isso fez
com que minha experiência com Mank não fosse boa.
Então a culpa de não ter gostado é sua que é burro, Rodman!
Não discordo!
O fato de que para nós brasileiros a história americana nos pareça nublada e desconhecida ajuda bastante também a querermos ignorar
todo o background político da obra de David Fincher para focarmos mais na trajetória
de Mankiewicz em busca de seu roteiro perfeito — e dos créditos no material final —, mas como uma coisa está
intimamente ligada a outra — o personagem Mank é extremamente politizado — a
história acaba nos parecendo bem menos atrativa no final das contas.
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Gary Oldman em cena com Amanda Seyfried |
Em tempos, Gary Oldman está muito bem no papel do protagonista — e dizer
isso é quase chover no molhado! —, mas esse claramente não é seu melhor
personagem da vida. Atuações viscerais, histriônicas, escandalosas e até
caricaturais é o que esperamos quando vemos seu nome no cartaz de um filme, mas
seu Mank não exige nada disso, o que no frigir dos ovos, lhe rende apenas uma
interpretação OK, nada muito digno de Oscar — talvez, quem sabe, pelo conjunto
da obra.
O elenco de Mank ainda conta com Tom Burke interpretando Orson Welles,
Lily Collins como Rita Alexander — a grande parceira de processo criativo de Mank
—, Tuppence Middleton como a “Pobre Sara”, esposa de Mank e Amanda Seyfried
como Marion Davies, a atriz e consorte do poderoso empresário William Randolph Hearst
(Charles Dance, o Tywin Lannister de Game of Thrones) que é a verdadeira
inspiração de Mankiewics para compor seu “Cidadão Kane”.
Mank disputa 10 categorias do Oscar 2021, entre elas Melhor
Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Atriz Coadjuvante
(Amanda Seyfried) e claro, Melhor Ator, com Gary Oldman enfrentando outros
nomes de peso como Anthony Hopkins (por “Meu Pai”), Riz Ahmed (“O Som do
Silêncio”), Steve Yeun (de The Walking Dead direto para o Oscar por seu papel
em “Minari”) e Chadwick Boseman, do já comentado A Voz Suprema do Blues.
E agora você, querido leitor, já pode rir à vontade da minha
cara que ousou criticar David Fincher em um post!
PIECES OF WOMAN
A estreia do diretor húngaro Kornél Mundruczó em
longas-metragens de sucesso não poderia ter sido mais acertada. Pieces of Woman
é um drama daqueles que te deixa arrasado de ponta a ponta e que te mantém
pensando na história ainda durante um tempo após a projeção, com a cabeça
enfiada no travesseiro e encarando o teto.
Antes de ver o filme, eu já tinha lido e ouvido comentários
sobre a tal “cena do parto” que havia tirado de Vanessa Kirby uma interpretação
magnífica, por isso, quis conferir o trabalho com meus próprios olhos, o que
nem de longe me preparou para o que vi. A tal cena, não é simplesmente “uma
cena” e sim uma sequência INTEIRA de um parto em casa totalmente filmado em
plano-sequência. Eu já tinha visto inúmeras tomadas de ação que utilizavam esse
recurso narrativo que nos faz acompanhar de maneira íntima o que está acontecendo em tela — David Leitch faz isso muito bem em Atômica e Sam Hargrave segue a mesma
linha em O Resgate —, mas confesso que fiquei impressionado com a maestria com
que isso acontece durante um trabalho de parto.
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Molly Parker e Vanessa Kirby |
A todo momento eu fiquei tentando enxergar os cortes para a
montagem do “plano-sequência falso” na edição ou mesmo as pausas e tiradas de
câmera para que os atores pudessem trabalhar — em cena, Kirby divide espaço com
Shia LaBeouf, que interpreta seu marido Sean e a parteira Eva, interpretada por
Molly Parker —, mas confesso que fui derrotado. Toda a sequência leva bem mais
de 10 minutos e quase não há espaço para improvisos ou distrações. A cena é bem
cotidiana e se passa inteira dentro de uma casa comum. Sean arrasta os chinelos
pelo corredor, ele escorrega no chão liso, se enrola todo para sair de baixo da
esposa enquanto a sustenta para que Eva confira a dilatação, a câmera segue o
trio pelo corredor escuro, entra com Molly dentro do quarto para que ela
prepare a cama onde vai acontecer o parto e depois vai até Martha, a personagem
de Vanessa, para vê-la dentro da banheira. E tudo isso sem pausas, sem que
vejamos a equipe técnica por trás da gravação, sem sombra de câmera nas paredes, de gruas
ou qualquer outra coisa que nos tire da imersão da história.
Mas, Rodman… você acabou de descrever 100% do que
COSTUMEIRAMENTE é o cinema! Qual sua surpresa?
Essa é a magia do cinema, caro padawan! Não importa quantos
filmes assistamos na vida, o cinema SEMPRE é capaz de nos surpreender, mesmo
usando recursos que já vimos antes empregados de maneira ainda mais criativa!
Claro que devemos pontuar as participações de Parker e
LaBeouf nessa sequência de tensão incrível, mas não tem como não elogiar e
MUITO o talento de Vanessa Kirby que entrega tudo
perfeitamente — trejeitos, movimentação pesada e lenta de uma gestante —, quase nos fazendo acreditar que ela está prestes a parir de verdade! Enquanto reclama que está enjoada e esbraveja por conta da
dor que está sentindo, Martha ainda solta alguns arrotos pontuais, passando uma
noção muito íntima de que está vivendo maus bocados internos ali, sem
falar nas expressões de dor e no jeito de quem não sabe muito bem onde pôr
a mão ou que fazer em seguida. Eu fiquei impressionado com toda essa sequência
e tive vontade de aplaudir de pé enquanto minha mente não parava de ecoar a pergunta "como eles enfiaram um bebê de verdade nessa cena sem cortes, sem a gente perceber?".
A bebê de Martha e Sean [SPOILER] não sobrevive como vocês
já devem imaginar e toda a história do restante do filme se passa durante os
diferentes tipos de luto que tanto os pais da criança sofrem quanto todos a seu
redor, incluindo a mãe da protagonista Elizabeth (Ellen Burstyn), sua irmã
Anita (Iliza Schlesinger) e até o cunhado Chris (Ben Safdie). Enquanto o
processo contra a parteira Eva transcorre de maneira bem escandalosa na mídia,
com ela acusada de negligência na hora do parto em casa, nós acompanhamos o
cotidiano do casal, que age de maneira distinta pela perda da filha. Enquanto
Sean se descontrola totalmente, querendo com o apoio da sogra — que o odeia —
que a justiça seja feita contra a parteira, a própria Martha assume uma postura
mais defensiva, meio que tentando esconder o próprio luto diante das pessoas,
embora diversos sinais em suas expressões indiquem ao espectador que há sim um
sofrimento interno muito grande, como não poderia deixar de haver.
Toda a simbologia em volta da maçã e do depoimento sob
pressão de Martha no julgamento de Eva fazem de Pieces of Woman um filme
extremamente tocante e que nos faz enxergar como às vezes nossos sentimentos
diante da perda podem ser completamente fora da curva, e como eles, em sua
essência, são uma maneira que nosso subconsciente tem de lidar com o luto de
maneira muito particular. Seguramente, o longa-metragem não é o melhor dessa
safra 2020, mas com certeza é um dos mais bonitos e bem-feitos da última
década.
Em tempos, a lindíssima e talentosa Vanessa Kirby disputa o
Oscar de Melhor Atriz esse ano com a favorita da noite Frances McDormand (que
já foi premiada em 1997 por Fargo, em 2018 por Três Anúncios de um Crime e que em 2021 concorre por seu trabalho em Nomadland) e
Viola Davis de A Voz Suprema do Blues. A briga vai ser boa, mas estaremos na
torcida.
P.S. – No já mencionado documentário Chadwick Boseman Para
Sempre artistas como Danai Gurira (a Okoye de Pantera Negra e Vingadores: Ultimato),
Spike Lee (que dirigiu Boseman em Destacamento Blood), Denzel Washington
(produtor de A Voz Suprema do Blues), Glynn Turman e a própria Viola Davis
falam sobre a dedicação do ator em seus trabalhos anteriores, além de prestarem
uma linda homenagem a Boseman que já se enquadra na categoria de um dos melhores
artistas de sua geração. Impossível não se emocionar com a história de vida do
eterno Pantera Negra. Wakanda Forever!
P.S. 2 - Eu fiquei apaixonado por Vanessa Kirby desde quando a vi
em Missão Impossível: Efeito Fallout e até hoje fico impactado com o sorriso
dessa mulher. Uma pena que ela não tenha mostrado tanto essa bela característica em
Pieces of Woman, embora tenha usado algo melhor: seu talento cênico incrível!
P.S. 3 - Amanda Seyfried disputa o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Mank esse ano e não sei se vai ganhar, mas em 2010 ela venceu dois prêmios muito importantes do Blog do Rodman, o de Beijo mais excitante da História do Cinema e Melhor Beijo que todo Nerd punheteiro sempre quis dar na Megan Fox! Puta que pariu! Que Garota Infernal!
P.S. 4 - Depois de Ninfomaníaca (2014), parece que o Shia LaBeouf se especializou em mostrar a piroca nas produções em que aparece e repetiu a dose em Pieces of Woman. Quem quiser dar uma conferida no material do rapaz, está lá pela metade do filme, embora esse seja um DETALHE PEQUENO em meio à grandiosidade do filme!
NAMASTE!