Resenha - O Casamento de Alice
Luciano Lauder é
um charmoso e poderoso empresário acostumado a ter tudo aos seus pés na hora
que ele quer. Experiente em gerenciar pessoas, é o diretor do Grupo
Lauder que lida com diversas áreas de construção — sobretudo a de
hotelaria.
Apesar da óbvia facilidade em arranjar companhia feminina
para passar o tempo após o trabalho, o bon
vivant acaba se vendo num dilema quando é convidado para o casamento da
própria irmã, a Alice do título.
Após ser chantageado pela filha de um parceiro comercial que
o quer conduzir ao altar forçadamente, ele se recusa a aparecer sozinho na
cerimônia a fim de evitar maiores constrangimentos — e para afastar de vez a
moça com quem não quer qualquer ligação. É aí que começam os seus problemas.
Sem opções disponíveis de alguém suficientemente
apresentável com quem possa comparecer ao matrimônio, quem poderia atender a todos
os pré-requisitos do exigente CEO e servir como a sua acompanhante ideal na tão
esperada data?
A resposta para essa pergunta nos é dada logo nos primeiros
capítulos de “O Casamento de Alice” quando somos apresentados, então, à
simpática e pragmática Juliana, a
segunda secretária administrativa do “Todo Poderoso” senhor Luciano.
Além de assistente da veterana dona Marlene — a secretária principal do escritório —, Juliana é
também uma aplicada e competente estudante carioca de Direito que está em busca
de constante qualificação para que possa exercer com competência a profissão
para a qual está se preparando há anos.
Logo de cara, o leitor é envolvido pelo carisma da
personagem que reveza a narrativa com Luciano — ambos conduzindo a história em
primeira pessoa — e é impossível não se encantar pela moça com as suas observações
sempre sagazes e bem-humoradas durante os capítulos detalhados por ela.
Em paralelo à toda a segurança demonstrada por Luciano em
seu “Olimpo particular”, nós somos trazidos para o “mundo dos mortais” pelo
cotidiano simples da secretária que, tal qual uma trabalhadora provinciana — ou
proletária, como ela mesma se define a certo ponto —, enfrenta os perrengues do
dia-a-dia como filas, atrasos, falta de transporte nos momentos mais
improváveis e etc.
Apesar de todo o clima “proletariado” em que vive, Juliana é
uma mulher muito decidida e aplicada no campo profissional, o que a engrandece
como figura humana — e como personagem —, mas que acaba criando todos os
empecilhos nunca antes imaginados para o sempre confiante senhor Luciano.
Quando o empresário aceita a sugestão da dona Marlene de
convidar a jovem funcionária para ser a sua acompanhante no casamento — onde a
moça vai fingir ser a sua namorada — com base em um contrato jurídico muito bem embasado — com cláusulas que evitam contatos físicos desnecessários durante
os quatro dias da cerimônia —, Luciano enfrenta bastante resistência de Juliana
que, em defesa dos próprios princípios, não quer ser vista como um “produto
numa prateleira” e nem ser encarada como um objeto que pode ser usado e descartado
pelo chefe.
Desta forma, o que parece um simples contrato especial de
trabalho para ele acaba se tornando um empecilho aos seus planos, e é esse
impasse que torna as coisas indubitavelmente interessantes ao longo dos
primeiros vinte capítulos do livro.
A escrita
O Casamento de Alice
é todo escrito pelo ponto de vista dos dois personagens centrais — Luciano e
Juliana — e é interessante frisar que essa dualidade entre eles é a grande
cereja do bolo do livro uma vez que o contraste preciso entre os dois mundos
retratados — o do chefe e o da empregada — faz com que o leitor se torne cada
vez mais interessado em continuar acompanhando a narrativa.
“Será que ela vai
aceitar o contrato?”
“Como vai ser o
relacionamento dos dois na hora da cerimônia?”
“A Juliana vai cometer
alguma gafe?”
“O Matheus vai
estragar tudo querendo ir cedo demais ao pote?”
São algumas das questões levantadas enquanto lemos
ansiosamente o texto.
Permeada por uma escrita muito refinada com um sem-número de
jargões próprios da área jurídica e empresarial inseridos na narrativa — e para
quem não manja muito de “juridiquês” vale algumas pausas para consultar o
Google! — O Casamento de Alice mostra
grande preparo da autora a respeito do assunto proposto e dá um delicioso tom
de realidade ao que está sendo lido.
Mesmo superficialmente, o leitor é capaz de perceber que há
uma base para o que é apresentado a respeito do campo profissional tratado nas
páginas, e isso causa uma imersão ainda maior no texto.
A ambientação do Rio de Janeiro, as locações visitadas por
Juliana e a amiga Renata no entorno
do prédio da Lauder e os lugares em
que Luciano e o irmão Matheus passeiam também são bastantes críveis para a
construção de cenário — assim como para o imaginário do leitor — e, mesmo quem
é de fora do estado e nunca o visitou na vida se sente familiarizado por conta
da segurança da descrição desses ambientes.
Além do conhecimento de causa de quem escreve pelo campo
profissional da coisa — a Administração e o Direito —, uma das questões que mais
chama a atenção durante a narrativa é a maturidade
em lidar com certos temas que é transmitida pela autora através dos seus
personagens.
É muito comum vermos em livros que retratam relacionamentos
pessoais aquela superficialidade que faz com que tudo se resuma muito
rapidamente a sexo, mas em O Casamento de
Alice — embora nele também haja espaço para questões que envolvem sexo — o
que realmente conta é o envolvimento
desses personagens ao longo de toda a jornada do seu desenvolvimento.
Diferente de outros livros em que esse tema é retratado de
maneira escrachada e, por vezes, superficial, em O Casamento de Alice a espera pelo desenrolar do ato em si é que
faz valer a pena a leitura de cada capítulo. O texto é escrito para ser
digerido com parcimônia e sem qualquer pressa. Assim, é extremamente prazeroso
acompanhar os caminhos que conduzem a um fatídico relacionamento futuro entre
Luciano e Juliana, dando a quem está do lado de cá uma experiência semelhante a
quem acompanha de perto uma novela ou uma série esperando que o casal de
protagonistas fique, enfim, juntinhos.
Se é que vão…
(Espera… Eles vão, né?)
As referências pessoais da autora Valéria Férris com relação a Cultura Pop também são um caso à parte, uma vez que são citadas de maneira
muito casual, em geral, pelos pensamentos da personagem Juliana. Muitas delas
têm a ver com o ambiente de advocacia a que ela está inserida e, outras, são
apenas para embasar a personalidade das criações de Férris — destaque para a
citação de o “Auto da Compadecida”, o filme dirigido por Guel Arraes baseado no texto de Ariano Suassuna.
O grande diferencial de Juliana para as demais mocinhas
sempre virginais e inocentes de outros livros é a sua segurança quanto ao seu papel como mulher. Ela se autodeclara
feminista durante o texto e deixa claro com a sua postura firme que não quer
servir de troféu para homem nenhum, nem tampouco ser usada como estepe ou
acabar descartada na manhã seguinte por algum machista idiota.
Ainda em comparação às outras personagens de livros com
gêneros semelhantes ao de O Casamento de
Alice, é importante pontuar que a Juliana de Valéria Férris é uma mulher objetiva
que não está disposta a ficar com qualquer cara que lhe tenta ganhar na
conversa — o que fica claro quando ela se sente ofendida pela cantada do amigo
de Luciano, Jonas, pouco depois de
ela se destacar como assistente jurídica do empresário, entendendo aquilo como
um empobrecimento da sua competência profissional — e que ela se mantém firme mesmo
quando as tentações a cercam.
Ao longo da narrativa, é dito que ela tem um certo fraco com
bebida alcoólica, mas mesmo quando é quase embebedada pelos irmãos Lauder após
uma comemoração da empresa, Juliana resiste firmemente aos encantos de Matheus
— que fica de olho na moça desde o primeiro instante —, mesmo depois de ficar
interessada fisicamente por ele. Isso também prova a sua firmeza de caráter.
Há no texto um passado não explorado da vida da moça a
respeito de um ex-namorado (Noivo? Marido? Peguete?) que torna a sua dedicação
à profissão maior do que qualquer envolvimento amoroso que ela possa ter depois
disso e, apesar de ela o achar atraente — não tanto, talvez, quanto a sua amiga
Renata o acha! —, até antes do casamento de Alice, fica bem explícito que a
nossa “Ju” não pretende ter qualquer ligação amorosa com o senhor Lauder. A
cláusula contratual a respeito da “não troca de fluidos corporais” imposta por
ela mesma é bem específica e prevê multa em caso de descumprimento.
Aqui também vale a nota da comparação que Juliana faz do seu
“contrato especial de trabalho” para ser a acompanhante do chefe com o contrato
lido e assinado — no escuro — pelos personagens centrais de “Cinquenta
Tons de Cinza” e todo o absurdo da situação retratada no livro/filme.
Data Venia
“O Casamento de Alice”
é um delicioso romance de situação que não entrega de bandeja aquilo que o
leitor ávido por eventuais relacionamentos carnais está esperando, mas que o
presenteia, em vez disso, com uma narrativa madura e coesa recheada de diálogos apaixonantes que dão todo o
clima proposto desde o início por sua autora.
É impossível ficar indiferente a qualquer um dos personagens,
e até mesmo os coadjuvantes têm o seu destaque em um ou outro capítulo.
A Juliana construída pela narrativa não só conquista o
leitor já na sua apresentação — quando ela gela só em pensar que vai ser
demitida sem qualquer razão — como também o mantém na torcida por ela até o
fim. Nós nos tornamos paternais querendo que o insistente Ricardo fique longe da nossa heroína — um “não” é sempre um “não”,
amigo! —; nós torcemos para que o Jonas tome logo um fora para largar a mão de
ser ousado; nós rezamos para que o Matheus não avance o sinal e não estrague o
plano do irmão — embora tenha um lado nosso que torce para que a nossa mocinha
continue encantando a todos por onde passa — e, claro, nós esperamos que o
coração frio do “Todo Poderoso homem-de-gelo” se derreta não só pelo calor de
Angra dos Reis, mas também pelo charme indiscutível da bela Juliana.
P.S. Este quem vos
escreve leu até o capítulo XXI e está morrendo de curiosidade para saber o que
vai acontecer no tão falado casamento!
NAMASTE!