22 de julho de 2020

Crônica de um romântico idiota


Eu sou aquele amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores...”, já diria o Roberto. É assim que me sinto às vezes nesse mundo tão acelerado onde tudo é tão efêmero e sem sentido. Num dia se está completamente apaixonado por alguém, no instante seguinte você está bloqueado, excluído e quiçá esquecido no Facebook desse mesmo alguém. Bizarro, muito bizarro.
Ser romântico e se entregar a relacionamentos não dava certo, e por isso eu não queria mais namorar. Não estava completamente feliz com minha vida de “passador de rodo”, mas também não queria me envolver seriamente com ninguém pelo simples fato do que isso significa a longo prazo: Uma porção de dores de cabeça e em especial um coração ferido e maltratado. 
Felícia me encontrou assim, ferido e cansado de sofrer. Mais de um ano em uma fossa profunda de onde eu ainda estava aprendendo a sair vagarosamente, cuidando de meu jardim para que as borboletas voltassem a sobrevoar. Afinal, ninguém consegue viver sozinho por tanto tempo... Mesmo que isso signifique ficar com várias pessoas erradas até encontrar a certa. Se é que essa desgraçada existe. 
Deixe-me contar um pouco sobre Felícia.
Nunca a tinha visto antes por ali. A primeira vez se deu quando uma pessoa me apresentou dizendo que ela havia me chamado de chato, sem nem ao menos eu saber de quem se tratava. Com sorriso largo ela me explicou que “não havia dito aquilo” ou que “não era verdade”, sei lá, mas não dei grande importância a isso. Fatos cotidianos em uma profissão em que “conhecemos” muita gente que nem ao menos sabemos o nome. 
Felícia era o nome dela.
Isso vim a saber mais tarde pela mesma pessoa que nos apresentou. Ela tinha algo que me chamava atenção. Não eram os cabelos loiros, nem a roupa que usava... O sorriso. Acho que era o sorriso. Largo, sincero. 
Nosso segundo contato foi quando ela apareceu na porta da sala do trabalho e me pediu em tom meio sussurrante que eu a adicionasse no Facebook. Brinquei que não podia fazer aquilo, pois estávamos proibidos de fazer tal ação na época. Era verdade, tínhamos que evitar contatos excessivos entre funcionários, nada de beijinhos, abraços ou contatos além daqueles necessários, mas algum tempo depois infringi essas regras, e a procurei na Rede Social. Ela estava com uma criança no colo na foto de perfil, dei uma fuçada de leve em seu álbum, em suas postagens e não percebi nada de mais. Nenhum sinal de namorado, ficante, peguete e afins. Sempre começo por essa parte. 
O terceiro contato foi um beijo no ar que ela me mandou através do vidro da mesma sala e que me deixou intrigado. “Hmm, acho que rola um interesse”, pensei eu na ocasião. Mais tarde ela me confessou que não havia, o que me levou a elaborar outra teoria: “Deve fazer com todo mundo então. Nada de especial”. 
Ironia do destino ou não, depois que seu nome já havia se tornado recorrente quando conversava com aquela pessoa que nos apresentou, eu vim a substituir o dito cujo em suas férias trabalhistas, e acabei me tornando mais próximo de Felícia e seus amigos. De uma forma ou de outra, com essa aproximação, ela realmente começou a apresentar interesse (desta vez era, não é possível!). Começamos a conversar pelo Messenger do Facebook cada vez com maior frequência e deixamos de ser estranhos um para o outro. Em certo grau pelo menos. Sem saber, eu estava à procura de uma companheira SIM, embora meu cérebro gritasse “é fria, filho da puta!”, e quanto mais descobria sobre ela, mais me interessava. “Ela gosta de séries e do Homem de Ferro! Porra! Não pode ser algo ruim!”, pensei, e continuei me enganando enquanto me envolvia em conversas cada vez mais reveladoras. 
Uma das primeiras características que descobri sobre Felícia era que ela era extremamente ciumenta e possessiva, algo que também considero um dos meus piores defeitos. Dizem que quem sente ciúmes é porque tem medo de perder aquilo que possui, e pra mim isso sempre rolou como um mantra sagrado, embora eu soubesse que os ciúmes sufocam a pessoa amada a ponto dela não querer mais que você se preocupe com ela. No caso de Felícia, ela deixava explícito, mesmo antes de namorarmos, que não gostava que eu tivesse qualquer contato mínimo que fosse com qualquer outro ser humano do sexo feminino. Apelidinhos a outras meninas então estavam totalmente proibidos, e às vezes eu recorria a certos diminutivos na hora de chamar uma fulana ou outra. Ela mesma eu aprendi cedo a chamar de “”. Achava carinhoso, e imaginava que aquilo nos aproximava. Pelo menos em minha cabeça. 
O fato é que a evolução de nossos papos via Facebook aconteceu naturalmente, seus ciúmes aumentaram e meu interesse por ela também. Na época eu estava de rolo com outra moça que trabalhava na mesma empresa. Não tinha qualquer interesse conjugal com ela, e em minha mente comecei a imaginar se Felícia, por sua vez, daria, quem sabe, uma boa namorada. “Já faz algum tempo, hein, Rodrigo. Ela é divertida, bonita, inteligente e gosta de séries e do Homem de Ferro, quem sabe rola?”. 
Já havia me ferrado muitas vezes em minha vida devido minha sinceridade, mas resolvi jogar logo todas as cartas na mesa com ela. Se Felícia ia se interessar, queria que fosse pelo Rodrigo de verdade, e não um amante latino que eu podia muito bem inventar por mensagens. Ela conhecia meu lado profissional e por mensagens conhecia quem eu era de verdade. E o que sou? Um romântico idiota com a sensibilidade de uma menina de 8 anos que não aprende com os erros. 
Eu vinha de um relacionamento que tinha acabado do nada e que havia me destruído emocionalmente (devido essa minha tolice de sentimentalismo). Contei tudo para ela. O que tinha passado, como me sentia e ela começou a me dar forças a sair daquela posição passiva em que me encontrava. Vários amigos haviam tentado antes, “sai dessa”, “não tem só ela de mulher no mundo”, “sai comendo as piranha tudo”, “dá o troco, engravida outra!”, mas claro que nessas horas palavras entram por um ouvido e saem por outro sem qualquer efeito. Nunca curti conselhos e nem autoajuda. Sempre achei melhor me entregar à depressão. Era mais fácil do que aceitar a realidade de que, enfim, meus amigos estavam certos. Era hora de partir para outra. 
As palavras de Felícia de que “eu era um idiota por achar que nenhum relacionamento mais daria certo apenas porque um foi uma bosta” entraram em minha mente, não porque ela era mais convincente do que meus amigos, mas porque eu achava que ela dizia aquelas coisas porque ela mesma queria ser o agente transformador da minha vida. “Ei, grande imbecil! Eu quero fazer a diferença. Me deixa ser a pessoa que vai mudar sua ideia quanto a relacionamentos!”. E a esperança nasceu novamente.
A segunda etapa de nosso “quase” relacionamento se deu quando ela me apresentou um aplicativo de celular chamado Whatsapp, que eu desconhecia. Quando indaguei de o porquê ela queria que eu instalasse, ela foi curta e grossa: “Vou fazer você se apaixonar por mim!”. Gargalhei por horas daquela observação. Eu estava interessado sim por ela, apesar de seu gosto peculiar por caras de barba e cheios de tatuagens, porém achei graça de sua petulância em dizer que eu iria me apaixonar por ela se conversássemos através do tal aplicativo. Instalei tão logo ela me mostrou o caminho das pedras e de lá pra cá, iniciamos uma forma de contato mais direta e mais simples. Como eu havia usado de sinceridade o tempo todo sobre minhas fraquezas (ignorando o manual do macho que diz que NUNCA devemos expor nossas fraquezas às mulheres), ela talvez tenha pensado o mesmo, e confessou algo que pela primeira vez me fez sentir certo desprezo por ela, algo que até então me parecia improvável. Felícia fumava, e aquela era uma das poucas regras, mas importantes, que eu impunha a mim mesmo na hora de um relacionamento. Fumar era sacanagem. Em minha mente era como se a telinha de Felícia tivesse se apagado na abertura do Big Brother, e depois daquela revelação desconsiderei completamente iniciar qualquer relação com ela. 
Podem me acusar do que quiser. Preconceituoso, frescurento, intolerante. Foda-se. Detesto drogas, cigarros e detesto quem faz uso desse tipo de substância. 
Mas era a Felícia... Minha candidata à namorada. A primeira em muito tempo. 
Dei-lhe uma chance e ela pareceu realmente disposta a largar o “vício” em nome daquilo que eu demonstrava querer com ela. 
Quando veio o primeiro encontro, achei que finalmente a coisa ia engrenar. Me preparei fisicamente e mentalmente para aquilo. Coloquei uma roupa bacana (nem lembro qual!), passei perfume... Mas no final, acabei sendo eu mesmo, nada de personagens. Ao vivo é mais difícil fingir ser outra pessoa. Fomos ao cinema. Ela estava maquiada, bonita, mas seu perfume me incomodou... Suas atitudes também. Dentro do cinema não rolou nada demais. “Ei, é um primeiro encontro! Esperava o que?”. Vimos o filme, comemos pipoca (sem sal) e depois a acompanhei até o ponto de ônibus. Tive a amarga sensação de que eu não a conseguia agradar com meu humor natural. (Sério! Eu não forço pra ser bobo. Eu SOU!). Pelo contrário. Ela parecia detestar tudo que eu falava. Dava cortes secos e às vezes até patadas. Achei desagradável. Foi ali que descobri que além de ciumenta, ela era meio estúpida. Não por querer, talvez, mas me senti meio que acuado. Apenas um pensamento vagava em minha mente... “Como lidar?”. Não havia respostas. 
O primeiro beijo rolou, com direito a mordidas e tudo mais. Foi breve. Esperava mais, mas pra um começo estava bom. Fui pra casa com a sensação de “Hmm... talvez não tenha sido uma boa ideia”, mas depois resolvi insistir. A primeira impressão não era a que ficava.   
Nossos encontros posteriores, sempre difíceis e com aquele clima de “sou casado e minha mulher não pode ficar sabendo” por causa da condição lá da empresa, foram melhorando o clima entre nós. No terraço de um Shopping, com vista a um estacionamento (muito romântico!), no entanto, que conheci Felícia de verdade (ou o que eu pensava ser). As conversas não duravam mais do que três horas, porém os contatos faziam valer a pena. Seus belos olhos negros não fitavam os meus, mas seu abraço aconchegante estava sempre presente. Os beijos rápidos eram característica dela mesmo, não era só uma primeira impressão. Fugia sempre que podia deles. Mas todo o resto era muito bom. Vai saber... de repente eu que beijo mal pra caralho e nunca ninguém havia me dito aquilo! 
Ali naquele terraço aprendemos que também discordávamos muito fácil um do outro, e que ela tinha um lado competitivo muito grande, que a fazia entrar em conflito comigo por qualquer assunto. Eu não sabia se era sua personalidade que era forte demais ou se ela simplesmente era uma teimosa de primeira estirpe, daquelas que não aceitava estar errada em nenhum momento. Sempre tive problemas com capricornianas...  
Foi naquele terraço que também aconteceu uma das coisas que acabou definindo nosso relacionamento, e aquele, segundo ela mesmo, também foi o motivo definitivo que a fez acreditar que eu era o cara certo para ela. Nem estávamos namorando oficialmente ainda (apenas extraoficialmente) e já falávamos de nossos filhos. Decidimos até os nomes dos dois. Bianca e Henrique. 

Nunca soube se ela fez aquilo de caso pensado ou se foi por pura intuição feminina, mas quando ela descreveu a cena mais linda de todas, eu não pude conter as lágrimas que se formaram em meus olhos. Sempre quis ter um filho que eu pudesse doutriná-lo ao caminho da Força e que eu pudesse ensiná-lo que com Grandes Poderes vem Grandes Responsabilidades de maneira que ele acabasse gostando das mesmas coisas que eu, e quando ela descreveu nosso pequeno Henrique correndo para mim sentado no sofá e dizendo que queria ver desenho comigo e que a mamãe não queria deixar, e que esse mesmo menino estava com uma capa presa às costas, tipo um super-herói, aquilo mexeu comigo de uma forma que nunca antes havia acontecido. Eu pensava em ter filhos, mas a mãe desse filho nunca estava clara em minha mente. O fracasso dos demais relacionamentos havia matado esse desejo, e Felícia soube trazê-lo de volta de maneira muito sutil. De repente eu vi em seu rosto a mãe que eu queria dar ao Henrique, e um sentimento inédito me tomou. Ela usou aquela cena mais vezes em nossas conversas, e em todas eu fui às lágrimas. Era aquilo que eu queria. Era Felícia que eu queria. Descobri que ela estava certa. Eu havia me apaixonado por ela... 

PS. - Esse trecho foi tirado de um e-mail antigo que seria enviado para a tal Felícia, mas que nunca foi concluído. Estava perdido nos rascunhos de uma conta antiga do Outlook.
O namoro acabou porque ele começou por um motivo todo errado. Felícia na verdade tinha ficado com "a tal pessoa" mencionada no texto que os tinha apresentado, mas sempre negava isso a Rodrigo, dizendo que "nada a ver". Ela tinha ficado com Rodrigo apenas como uma maneira de fazer ciúmes a tal pessoa — já que todos eram de um mesmo ambiente da empresa — e ao mesmo tempo tentar esquecê-la. Logo, ela mentiu o tempo todo para Rodrigo, que trouxa, acabou se apaixonando de verdade por ela.
Felícia só foi admitir às lágrimas a Rodrigo o caso anterior com a outra pessoa (que era casada e com FILHOS!) no dia em que eles terminaram o namoro, na escadaria da casa dela.
Rodrigo tem a aliança do namoro guardada até hoje... PARA LEMBRAR O QUANTO ELE É UM TREMENDO OTÁRIO!
Enquanto eles ficaram juntos, a tal pessoa fazia vários tipos de picuinhas e inventava um sem número de historinhas para que Rodrigo e Felícia se separassem.
Rodrigo assistiu Man of Steel com Felícia no cinema... E ele chorou vendo a cena em que o pequeno Clark Kent aparece no quintal de casa fazendo pose de herói... com uma capa amarrada nas costas. Isso foi depois da fantasia que Felícia contou a ele sobre o filho deles.
Bem depois do término, por WhatsApp, Felícia falou a Rodrigo em tom agressivo que "por sem quem você é, VOCÊ VAI ACABAR MORRENDO SOZINHO!". Rodrigo teve outros namoros depois dela... Ainda não morreu (até a conclusão desse post), mas está sozinho. Praga de ex pega.
"Felícia" é um nome fictício para ocultar a verdadeira identidade da garota, mas essa é uma história real.
NAMASTE!

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