Embora parecesse fadado ao esquecimento após tantos adiamentos, Os Novos Mutantes acabou sendo lançado em meio à pandemia de Covid-19 e não recebeu nem de perto a mesma atenção que os demais filmes dos X-Men sempre tiveram nos cinemas. Com mais de 50% das salas de exibição ainda fechadas nos Estados Unidos por conta da pandemia, não parecia mesmo ser o destino da produção dirigida por Josh Boone ganhar a luz dos holofotes, e assim, sua divulgação acabou sendo bastante pífia, bem como a recepção que o filme teve.
No Brasil, país com uma média de mortes por Coronavírus ainda elevada, a estreia de Os Novos Mutantes rendeu R$ 1 milhão em seu fim de semana de estreia e foi o filme mais visto nos cinemas do período. Globalmente, o filme já arrecadou cerca de US$ 30 milhões, valor bem abaixo de seu orçamento (US$ 80 milhões), mas algo a se pensar, já que embora estejamos enfrentando uma das piores pandemias mundiais, ainda tem gente saindo de casa para ir ao cinema.
Em janeiro, eu me propus a falar um pouco sobre a expectativa para o lançamento da produção, que à época, iria estrear em abril — e teria acontecido, se não fosse a pandemia —, e no texto eu falei um pouco sobre as polêmicas envolvendo o filme e o que se esperava dele. Agora, após ter assistido, vou colocar aqui alguns pontos que considero positivos e negativos. Sigam-me os bons!
PONTOS POSITIVOS
O diretor Josh Boone (de A Culpa é das Estrelas) não pode ser culpabilizado por todos os perrengues que a produção de Os Novos Mutantes enfrentou para poder ser lançada — dentre os quais refilmagens e a compra da FOX pela Disney no meio do caminho —, por isso, ele fez até que um trabalho bem competente dentro daquilo que ele tinha de material para usar. O filme conta com um elenco jovem bastante promissor — destaque para Anya Taylor-Joy, protagonista de O Gâmbito da Rainha, série de sucesso na Netflix — e a direção de cenas não compromete o desenrolar da trama, que é até bem simples.
Josh Boone dirigindo Anya Taylor-Joy e Charlie Heaton |
O filme não tem grandes reviravoltas de roteiro ou cenas muito impactantes de ação, mas quando bota os personagens para se mexerem, mostra que dá para fazer bem mais do que a mesmice de cenas repetidas à exaustão na franquia X-Men de Simon Kinberg (e eu falei um pouco disse no post sobre X-Men - A Fênix Negra).
O clima de terror imposto aos protagonistas pela vigilância incessante da Dra. Cecilia Reyes (Alice Braga) em sua sala de controle do hospital — que faria o Boninho do BBB ficar com inveja — e também por aparições inexplicáveis que começam a aterrorizar os adolescentes após a chegada de Dani Moonstar (Blu Hunt) ao local, cria ótimas sequências de susto e perseguição, o que diferencia o filme dos demais X-Men em sua essência.
A sala de vigilância de |
Embora os demais personagens não saibam à princípio quando ela se junta ao grupo após um acidente que matou toda sua família, a jovem descendente da tribo Cheyenne possui o dom de trazer à realidade o maior medo das pessoas e isso causa um surto de visões e tortura psíquica à Illyanna (a já citada Anya Taylor-Joy), Rahne Sinclair (Maisie Williams), Roberto da Costa (Henry Zaga) e Sam (Charlie Heaton).
Illyanna assombrada pelos Homens Sorridentes e Soraia Queimada, a namorada de Beto |
Todos estão ali internados por terem causado incidentes mortais à pessoas próximas deles com seus recém-descobertos poderes mutantes e a Dra. Reyes os está tratando para num futuro próximo indicá-los para aquele que ela chama de "meu Superior".
As sequências de terror em que cada um dos cinco é atormentado por seu pior pesadelo são as mais bem elaboradas do filme todo, e embora o trauma dos jovens infratores não tenha chance de ser retratado com um aprofundamento mais digno — afinal, todos eles mataram pessoas com seus poderes! — Josh Boone consegue conduzir bem os momentos de tensão, tirando boas interpretações do elenco.
A pequena Illyanna e seu Lockheed |
O destaque fica para as criaturas sem olhos — ou Homens Sorridentes — que tentaram raptar Illyanna quando ela ainda era criança e que a fez "inventar" o limbo para onde ela escapou com seu bichinho Lockheed.
A cena de ação em que os mutantes precisam enfrentar o Urso Místico trazido à vida pelo medo primal de Dani também é bastante empolgante, até porque põe os jovens mutantes para usarem seus poderes em grau máximo, mesmo que os efeitos visuais para demonstrá-los não sejam lá tão bons assim.
Os dons de Illyanna e Beto são aqueles que melhor são retratados no filme e se mostram bastante fieis aos quadrinhos. Nas histórias, ela é capaz de se teleportar — passando sempre pelo limbo que é infestado de criaturas demoníacas enquanto vai de um ponto a outro — além de materializar uma espada espiritual.
Já o personagem brasileiro Mancha Solar é capaz de absorver energia solar e obter superforça. No filme, Beto segue as características com que o Mancha Solar é mais conhecido atualmente, o de incendiar o próprio corpo e queimar alvos, mas em sua criação, nos anos 80, o mutante se energizava mais para ganhar força bruta.
Beto em sua forma de Mancha Solar, mais próxima das HQs |
Essa forma física toda preta com que ele era retratado nessa época chega a aparecer no filme, tornando o seu visual bastante parecido às HQs.
PONTOS NEGATIVOS
Como foi dito, a personalidade dos cinco mutantes é apenas pincelada razoavelmente nas duas horas de filme e não dá tempo de nos afeiçoarmos a eles enquanto entramos de cabeça na história já bem movimentada desde o início. Sabemos que Illyanna matou vários homens que a tentavam capturar, que Sam acabou provocando um desabamento numa mina que matou seu próprio pai, que Beto "assou" a namorada sem querer quando manifestou seus poderes e que Rahne matou o padre que a espancava por considerá-la uma bruxa, mas esses traumas são citados apenas superficialmente, sem o aprofundamento que nos faria nos importar mais com eles. Há poucos flashbacks para mostrar o que houve em seu passado e na maior parte do tempo, só sabemos o que eles contam uns para os outros.
Sam Guthrie (Charlie Heaton) |
A personalidade dos Novos Mutantes também não está muito bem delineada no filme e além de diferirem do que eles são nos gibis, nem no filme parece muito claro qual é a de cada um deles. A Rahne, que nos quadrinhos é extremamente tímida e medrosa, no filme apresenta uma postura mais conciliadora e embora seja um tanto insegura quanto à sua sexualidade, não tem medo de demonstrar seus sentimentos para Dani. As duas têm um relacionamento amoroso no filme, mas nas HQs, Rahne era apaixonadinha pelo Sam e vivia em conflito por não se achar atraente o suficiente como a namorada dele na época, a cantora de rock Lila Cheney.
Maisie Williams, aliás, era fisicamente muito parecida com a Rahne das HQs na época das gravações do filme e teria sido interessante vê-la toda complexada com sua aparência física de uma menina que se transforma num lobo peludo, sempre se achando em desvantagem quanto às demais garotas da equipe.
Rahne em sua forma Lupina total e meia-loba |
Na origem escrita por Chris Claremont, Rahne é a mais nova do grupo e seu complexo com sua aparência causa diversos conflitos de identidade que seriam interessantes de serem citados no filme. Em vez disso, optaram por uma abordagem mais de tortura religiosa à jovem Sinclair, bem como sua repressão sexual.
A Rahne dos quadrinhos |
A homossexualidade de Rahne no filme é bem escancarada logo de início — já a botam para assistir um filme em que duas meninas se beijam logo de cara — e é nítido que a garota se encanta pela Dani assim que a garota Cheyenne chega ao "orfanato".
Um filme que trata — ou que pelo menos deveria tratar — de aceitação e normatização do que é diferente, precisa mesmo de elementos que nos lembrem que, embora os mutantes não existam de verdade, há paralelos em nosso mundo real a essa aceitação do outro, colocando assim essa nova característica na personagem Lupina que não existe nas HQs. Eu só não sei dizer se isso foi bem feito. A mim me parece mais algo que foi forçado no roteiro e que não faz muito diferença à história.
Voltando a falar de poderes, os que menos chamam a atenção são os do Sam Guthrie, que nos gibis é capaz de decolar feito um míssil ficando invulnerável enquanto está se projetando, mas que no filme não chega a ser tão bem representado pelos efeitos fracos usados para nos mostrar o que ele é capaz de fazer.
Na luta contra o urso gigante, por exemplo, era esperado que ele usasse todo seu potencial "balístico" para tentar nocautear a fera, mas ele é o que menos causa danos no bicho. O fato dele também viver todo arrebentado no filme, mostra que ele não sabe pousar após decolar — assim como nos gibis —, mas em seu modo Míssil ele devia ser indestrutível, o que o tornaria um grande trunfo da equipe. Nos gibis, Sam chegava a nocautear os robôs Sentinelas sozinho, uma pena que não teremos chance de ver isso nas telas.
Quem prestou bem a atenção na história, deve ter percebido que a Dra. Reyes era a vilã do filme e que ela respondia a uma tal "Corporação Essex" que fazia testes com crianças mutantes num lugar ainda pior que o hospital onde os Novos Mutantes estavam. Pra quem não lembra, a Corporação Essex apareceu em X-Men - Apocalypse ao final do filme — recolhendo dados genéticos do Wolverine após sua fuga da Arma X — e ela também é citada em Deadpool 2. Outra referência à Essex nos é mostrada no futuro do filme Logan, onde o hospital onde os amigos da X-23 — e ela mesma — tem seus poderes desenvolvidos e são testados para se tornar armas vivas. Pelo que dá para entender, aliás, Laura foi criada com o material genético do Wolverine que foi colhido em Apocalypse e em Logan, o Professor Xavier (Patrick Stewart) conta ao Carcaju que Laura é sua filha por conta dessa ligação genética.
A Dra. Reyes e o símbolo da Essex |
A conexão entre Essex — que nas HQs é o nome do Sr. Sinistro, um vilão obcecado pela genética mutante —, Os Novos Mutantes e os demais filmes dos X-Men se perde completamente na história, já que, como sabemos, os jovens filhos do átomo não terão continuidade nos cinemas e nem tampouco serão reaproveitados pela Marvel, agora que fazem parte do catálogo do estúdio e da Disney. A referência a Essex no filme se torna apenas mais uma, vazia e sem sentido, assim como a cadeira de rodas em que Beto passeia pelo hospital — fazendo referência ao Professor X — e a menção aos próprios X-Men pelos alunos.
Dentro de uma análise mais fria e mesmo levando em consideração os pontos negativos aqui levantados, Os Novos Mutantes não chega a ser um péssimo filme e pode ser equiparado muito bem aos dois últimos X-Men — desconsiderando Logan nessa equação, que é um ótimo filme — que são de medianos para ruins. As cenas de ação dirigidas por Boone são bem mais inspiradas do que as que Bryan Singer e Simon Kinberg dirigiram em Apocalypse e em Fênix Negra respectivamente, e a interação entre os jovens personagens de New Mutants também é bem mais interessante do que acontece nos filmes de Singer e Kinberg.
Durante as duas horas de filme, é perceptível que aquele enredo tem um potencial incrível e que a história individual de cada um dos protagonistas daria sozinha um episódio muito bom numa série talvez. O próprio filme com seu final em aberto, no entanto, nos faz desanimar quanto a isso, querendo que tudo acabe por ali mesmo e que ninguém mais fale sobre esse assunto. Como mencionado, uma série de pegada mais teen focada nos heróis adolescentes seria uma forma de aproveitar esse potencial que parece desperdiçado pela produção picotada da FOX, mas após tantos entreveros, duvido muito que algo assim aconteça.
NOTA: 10, adorei!
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É zoeira, porra! Adorei coisa nenhuma! É uma notinha 6 e olhe lá!
P.S. - Os Novos Mutantes tiveram fases muito boas nas HQs e o clima adolescente e a interação entre seus protagonistas sempre foi o charme das histórias. Uma das minhas personagens preferidas entre os cinco principais sempre foi a Illyanna e aqueles seus poderes místicos fodões.
Confesso que meus olhos brilharam em vê-la materializando sua espada espiritual no filme, assim como ela se teleportando e fatiando os "homens sorridentes". Quando pensei que o Lockheed seria tratado apenas como um bichinho de pelúcia que a garota usava quando estava com medo de seus raptores, meio que fiquei broxado, mas ver o dragãozinho voando e cuspindo fogo num CGI até bem decente chegou a quase ressuscitar dentro de mim o jovem Rodman que lia os gibis dos Novos Mutantes na adolescência.
Uma pena que não foi possível retratar o limbo para onde Illy se teleporta com grandes detalhes. Seria bacana ver o Sym ou o Belasco de fundo, nem que só de passagem.
NAMASTE!
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